Uta viveu nos anos 1000 e se tornou ícone da Alemanha Nazista como paradigma da mulher ariana
Uta era a mulher de Ekkehard II, o margrave do principado alemão de Meissen, perto das atuais Polônia e República Tcheca, no início dos anos 1000. Margrave é o título de nobreza do comandante militar de fronteira do império romano-germânico, ou seja, Ekkehard era um guerreiro. Eles viveram no castelo de Naumburg, às margens do Rio Saale. O casal não teve filhos e doou parte de seus bens para a Igreja, que construiu uma capela nas terras do nobre, um importante entroncamento de rotas comerciais. Em 1028, por ordem do sacro imperador romano-germânico Conrad II e do papa João XIX, o santuário deu lugar à Catedral de São Pedro e São Paulo de Naumburg. Quando a catedral foi consagrada, no século 13, o bispo Dietrich II pediu a seu mestre escultor para que Ekkehard II e Uta, com outros dez nobres, fossem homenageados na forma de um coro de pedra em tamanho natural – portanto, saiba a partir de agora que a escultura não tem nenhuma identidade com o personagem que retrata além da imaginação do artista que a criou.
“Em outras catedrais, era comum a representação de figuras sacras e de personagens bíblicos, mas não de membros da nobreza”, afirma o professor Jan-Simon Hoogschagen, da Universidade de Eindhoven, na Holanda. “Foi por isso que a obra ganhou reconhecimento artístico. Os 12 retratados representavam corpos de aparência naturalista, pintados com cores chamativas e com semblantes expressivos.”
A anunciação
Nenhuma escultura impressiona tanto quanto a enigmática Uta. Sua gola é levantada, como um sinal de defesa. Ao seu lado, usando espada e escudo, está o marido. Com a cabeça inclinada para o alto, ambos simbolizam o espírito alemão. Até o início do século 20, poucos deram importância às estátuas. Hoje são consideradas tesouros culturais da Alemanha. “Alemães famosos como Goethe e os irmãos Grimm visitaram Naumburg, mas não viram Uta”, diz Wolfgang Ullrich, historiador da Faculdade de Belas Artes de Hamburgo e autor de Uta von Naumburg: Eine Deutsche Ikone (Uta de Naumburg: um ícone alemão, sem tradução).
De santa a bruxa
A escultura de Uta viajava por cidades da Alemanha e da Áustria e o personagem aparecia em filmes de propaganda nazista contra judeus. Até que se transformou em vilã improvável em Hollywood. A “vocação” para o cinema teria sido descoberta em 1935. Walt Disney fez uma discreta viagem à Alemanha em busca de referências para o primeiro longa-metragem de animação:Branca de Neve e os Sete Anões, que estrearia dois anos depois. Ao seguir pela Rota Alemã dos Contos de Fadas, percurso que ganhou o apelido por cruzar 600 km de pequenas vilas nascidas na Idade Média, Disney teria passado por Naumburg antes de seguir para Bremen, ao norte. “Disney pode ter conhecido a escultura de Uta no Kansas City Arts Institute, em aulas de história da arte com professores alemães, antes de disparar para Naumburg e compor sua Rainha Má Grimhilde”, diz Patrícia Sant’Anna, do Grupo de Arte da Unicamp. Disney nunca admitiu a referência.
A princesa da história foi desenhada a partir de um amálgama de traços delicados de estrelas de cinema, com destaque para Hedy Lamarr, a austríaca que criou um sistema de radiocomunicação para os Estados Unidos e seus aliados durante a Segunda Guerra. As coisas só foram se acalmar para Uta de Naumburg com o final do conflito. Em 1945, ela virou a heroína de um drama produzido pelo poeta Felix Dhünen, encenado em mais de uma centena de teatros alemães, como uma rainha injustiçada e salva da Inquisição por um príncipe apaixonado. O “felizes para sempre” que encerra a peça se passa na Catedral de Naumburg.
Nos anos 60, a Alemanha Oriental, comunista, lançou um selo com Uta. “O primeiro foi emitido em Berlim, em 1957, para anunciar a reunião anual da Associação Cultural da República Democrática Alemã (Kulturbund der DDR), criada a fim de valorizar a cultura democrática e antifascista”, afirma Wolfgang Ullrich, da Faculdade de Belas Artes de Hamburgo.
O mistério das estátuas
Especialistas em história da arte sacra não sabem o nome nem muito sobre a origem do mestre artesão responsável pelas esculturas e outros adornos da Catedral de Naumburg, apenas que ele viveu 200 anos após a morte dos patronos que retratou. “Cogita-se que ele era europeu e viveu no período romântico”, diz o historiador Wolfgang Ullrich. A expressão “mestre” significa que a obra tem criação coletiva, supervisionada pelo proprietário do ateliê. Além das estátuas expostas no interior e nos jardins de Naumburg, o estilo realista de representar indivíduos pode ser visto nas catedrais francesas de Reims, Amiens e Chartres. “Levou algum tempo para outros artistas alcançá-lo, o mestre de Naumburg foi pioneiro dessa arte”, afirma Glenn S. Sunshine, da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos. Supõe-se também que as notáveis obras da Catedral de Meissen sejam de sua autoria. É nessa cidade da Saxônia que seus últimos trabalhos foram datados, em 1250.
Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/conheca-alema-inspirou-rainha-ma-branca-neve-808275.shtml