Um nome raramente associado de pronto à Teoria da Evolução é o do físico austríaco Ludwig Eduard Boltzmann (1844 – 1906), famoso por suas contribuições nos ramos da mecânica estatística e termodinâmica estatística. Daí já surge um ponto de contato entre Boltzmann e Darwin: quando ambos defendiam de forma ferrenha a Teoria Atômica (Boltzmann) e a Teoria da Evolução (Darwin) foram severamente atacados por críticos [1,2]. Um fato histórico interessante é que Boltzmann admirava o trabalho de Darwin, esta admiração é tão notável que ficou imortalizada na seguinte citação [3]: S. R. de Groot Mas qual é então a ponte conceitual entre a Teoria da Evolução e a Termodinâmica de Boltzmann? A resposta surge de um termo cunhado por Rudolph Clausius (1822 – 1888): entropia. O trabalho de Clausius foi o de afirmar que durante processos espontâneos existe uma grandeza crescente de forma monotônica chamada entropia (esta definição serve apenas para sistemas isolados, que não permitem entrada nem saída de energia do sistema) [4]. Esta é a conhecida (e por muitas vezes mal utilizada) Segunda Lei da Termodinâmica [5]. Pelo enunciado da Segunda Lei já existe um caráter direcional associado à entropia. Este caráter é explorado pelo próprio Boltzmann no assim chamado “Princípio da Irreversibilidade Macroscópica”, problema também estudado pelo químico soviético (formalmente russo, pois nasceu antes da Revolução, e posteriormente naturalizado belga) Ilya Prigogine (1917 – 2003). Vale ressaltar a idéia de que a teoria da evolução não viola em momento algum as leis da termodinâmica, os argumentos de anti-evolucionistas para desqualificar o trabalho de Darwin com este argumento apresentam erros de lógica ou conceituais (um quarto organizado não tem entropia menor que o mesmo quarto desorganizado, e em uma sala de aula desorganizar as carteiras não faz a entropia do sistema aumentar, em termos mais precisos a entropia é a desordem de um sistema microscópico, ou em uma forma mais rigorosa, a dispersão energética de um sistema). A interpretação dada por Boltzmann à entropia foi estatística. A grande idéia (uma das grandes idéias deste grande gênio) de Boltzmann, que desenvolveu a mecânica estatística antes que a Teoria Quântica fosse desenvolvida, foi a de descrever um sistema em termos probabilísticos e estatísticos, uma vez que se tornava um desafio imensamente difícil (senão impossível) saber as energias individuais de cada partícula de um sistema. A última metade do século XIX assistiu o surgimento na biologia e na física de um novo paradigma: a análise mecanística do comportamento macroscópico. Na física, Boltzmann propôs um modelo mecanístico de fenômenos macroscópicos baseado em uma noção radicalmente nova da heterogeneidade molecular: as moléculas em qualquer grande sistema diferem em nível de energia. Na biologia, Darwin foi o cientista que desenvolveu a explicação mecanística de tendências evolutivas baseado na noção análoga de heterogeneidade de organismos: os indivíduos de qualquer grande população de organismos replicantes diferem em termos de fecundidade e mortalidade. Já o direcionamento em populações de organismos replicantes pode ser parametrizado em termos do conceito estatístico da entropia evolutiva [6]. Mas como então duas coisas aparentemente tão distintas como evolução natural e entropia estatística conseguiram se acoplar? Isto também demanda um pouco de história: Boltzmann profundamente ligado às tradições matemáticas do século XIX da física derivou sua célebre equação de entropia (S=klogW), onde W é o número de estados energéticos disponível em uma dada temperatura, k é a constante de Boltzmann. Esta equação foi trabalhada por Josiah Willard Gibbs (1839 – 1903), que a deu uma interpretação de probabilidade, a assim chamada entropia de Gibbs. Darwin, no entanto desenvolveu sua teoria nos moldes naturalistas da biologia do século XIX. Um molde que se apoiava muito mais na observação que em desenvolvimentos matemáticos. A Teoria da Evolução por seleção natural em contraste com Termodinâmica Estatística é essencialmente uma teoria qualitativa, que provê um framework mais conceitual que analítico para entender a dinâmica evolucionária em populações de seres vivos [6]. A redescoberta das leis de herança de Mendel em 1910 faz parte do processo de surgimento de uma teoria da evolução analítica, tornando-se um importante tópico de estudos biológicos. A primeira síntese matemática da teoria de Darwin surge com o livro “Genetical Theory of Natural Selection”[7] de Ronald A. Fisher, um livro de doze capítulos que aborda temas desde a natureza da herança até as condições para uma civilização permanente. Este livro, cuja pedra fundamental é incorporada no “teorema fundamental da seleção natural”, congrega um estudo matemático da teoria de Darwin e das leis de Mendel. Atualmente é considerado que a teoria de Fisher e suas extensões de variedades não explicam o conceito de macroevolução [8,9]. O teorema fundamental e um grande conteúdo de estudos de genética clássica preocupam-se primariamente com mudanças em freqüências genéticas em uma população devida à viabilidade diferencial de genótipos. O conceito de aptidão média, a chave-mestra da teoria fisheriana descreve a viabilidade média de genótipos, conceitos que não precisam estar relacionados à persistência ou estabilidade de uma população [8]. Por outro lado, a variabilidade demográfica tem sua origem em processos que estão ligados à ontogenia do indivíduo [7]. Tal afirmação pode ser observada em (a) populações celulares, onde a variabilidade demográfica resulta de mutações aleatórias, como por exemplo, distribuição desigual de componentes metabólicos, ou (b) em organismos multicelulares complexos onde a variabilidade deriva de pequenas variações na seqüência do evento de desenvolvimento que transformam um zigoto em um adulto. A implicação disso é que em uma população qualquer geneticamente homogênea será caracterizada pela heterogenia demográfica, condição que explica a estabilidade e persistência de uma população à condições ambientais diversas. A teoria de Boltzmann e Gibbs é baseada na geometria do sistema, enquanto que a taxa de variabilidade de um sistema de seres vivos tem caráter dinâmico. O que torna a teoria de Boltzmann e Gibbs incapaz de descrever sistemas a natureza dinâmica da heterogeneidade de biopopulações. Em 1950, dois pesquisadores, Kolmogorov e Sinai [9] introduziram uma noção de entropia dinâmica baseados na teoria ergódica de Boltzmann, cujos principais conceitos são a hipótese ergódica (essa hipótese pode ser enunciada como: um sistema de moléculas assumirá ao longo do tempo todos os micro-estados concebíveis com a conservação da energia) e a ergodicidade. Neste ponto já é possível vislumbrar uma ponte que começa a ser construída entre as teorias de Boltzmann (ou Boltzmann-Gibbs) e Darwin. A teoria ergódica estuda as propriedades estatísticas de um sistema mecânico em termos de um objeto matemático chamado de medida preservando a transformação de um espaço de medida [9]. O trabalho de Demetrius [10] explorou o isomorfismo invariante e conseguiu criar um primeiro modelo de heterogeneidade em taxas de nascimento e morte que caracterizam uma biopopulação. Em estudos posteriores, este modelo foi explorado para o desenvolvimento de um análogo evolucionário da teoria de Boltzmann [6]. As relações entre a teoria de Boltzmann e de Darwin geraram sem dúvidas muitos frutos. Em uma análise rápida destes desenvolvimentos, três importantes modelos para explicar termodinamicamente as observações feitas de uma biopopulação são descritos na Ref. 6: a heterogeneidade intrínseca de organismos replicantes, a dinâmica populacional e a dinâmica evolutiva. É possível concluir destes vários estudos feitos na direção de ligar as duas teorias que as estruturas matemáticas da mecânica estatística de organismos replicantes (Teoria da Direcionalidade) e a mecânica estatística de sistemas físicos (Teoria Termodinâmica) estão intimamente ligadas. A entropia evolutiva é uma extensão da entropia termodinâmica [6]. O Princípio de Direcionalidade, que descreve uma complexidade crescente e a estabilidade de entidades replicantes sujeitas à constantes de crescimento estacionárias é um análogo em não-equilíbrio da Segunda Lei, que descreve um crescimento na desordem de um sistema de matéria inanimada sujeito à processos irreversíveis e condições adiabáticas. Referências
Assim então o universo macroscópico pode ser entendido em termos de mudanças temporais de uma função analítica bem definida de estados microscópicos. O tempo de relaxação do processo adiabático nesta teoria é determinante para a definição de processos reversíveis e irreversíveis. Como esperado, processos irreversíveis têm grande tempo de relaxação, já processos reversíveis, pequeno tempo de relaxação. O termo relaxação refere-se ao tempo preciso para que um sistema que sofre uma perturbação retornar ao seu estado de equilíbrio.
A coerência e complexão lógica da teoria desenvolvida por Boltzmann e Gibbs derivam do conceito puramente geométrico da heterogeneidade molecular que foi analiticamente expresso pela física disponível no século XIX.
Conforme os modelos tornam-se cada vez mais refinados, explicações e previsões de estabilidade e persistência populacional tornam-se mais confiáveis [10, 11]. Esforços para elucidar de forma mais conclusiva a relação entre termodinâmica e evolução ainda hoje são feitas, gerando um grande número de trabalhos [6].
2.3.11
Darwin e Boltzmann: a ligação entre átomos e seres vivos
Revista Super Interessante, Edição 263, p. 06, Março (2009). Entrevista de Dom Odílio Scherer.
Página da Universidade de Stanford sobre o trabalho e vida de BOltz... página acessada em 14/12/2010.
“Theoretical Physics and Philosophical Problems, Selected Writings” – S. R. de Groot Livro.
Ilya Prigogine – Nobel Lecture Lecture
Tutorial sobre a Segunda Lei da Termodinâmica página acessada em 15/12/2010.
Demetrius, L., PNAS April 15, 1997 vol. 94 no. 8 3491-3498. Artigo
Fisher R A (1930) The Genetical Theory of Natural Selection (Dover, New York).
Maynard, Smith J. (1998) in Evolutionary Progress, ed Nitecki M (University of Chicago Press, Chicago), pp 219-230.
Billingsley, P. Ergodic Thoery of Information (Wiley, New York).
Demetrius, L. (1977) Proc NatlAcd Sci USA 77:384-386.
Demetrius L (1974) Proc Natl Acad Sci 71:4645–4647, pmid:4531007. Artigo
Wang Z, Feng M, Zheng W, & Fan D (2007). Kinesin is an evolutionarily fine-tuned molecular ratchet-and-pawl device of decisively locked direction. Biophysical journal, 93 (10), 3363-72 PMID: 17675343
Fonte: