Quando houve o advento de Darwin no cenário científico, a taxonomia já tinha perdido muito do seu “status” devido a teorias anteriores de classificação natural mal-sucedidas, além do problema das espécies evoluírem ou não (Hull, 1990). Um dos maiores problemas que resultou na perda do status da taxonomia é queos trabalhos dos taxonomistas não eram replicáveis (Hull, 1990). Não havia dois cientistas que trabalhassem com a mesma espécie e discernissem o mesmo padrão. Assim, as classificações e nomeações mudavam com frequência e aleatoriamente, tirando um dos pilares da ciência: a falseabilidade do que se obtém como resultado (definida no racionalismo crítico de Karl Popper). No método da falseabilidade, a partir de uma nova ideia ainda não justificada são obtidasconclusões por meio de dedução lógica e estas conclusões são, então,comparadas com outros fatos relevantes a fim de extrair relações lógicas(Popper, 2005) mais parcimoniosas. No livro What is this thing called science? de Alan Chalmers, este aponta que quando se proclama que a ciência é especial porque é baseada em fatos, tem de se lembrar que tais fatos devem ser mensurados diretamente a partir do mundo, com cuidado e sem um uso enviesado dos sentidos. Se a observação do mundo é feita de maneira segura, sem viés e com muito cuidado, os fatos provenientes dessa observação constituem uma base científica segura (Chalmers, 1999). No advento das teorias darwinianas, faltava certa coerência e replicabilidade da metodologia científica. Com a influência de pensadores como Charles Lyell e Christian Von Buch, além do acréscimo das idéias de Alfred Wallace, Darwin publicou sua teoria da seleção natural no livro Origem das Espécies, em 1859. Como dito anteriormente, Darwinnão foi o primeiro a conceber a idéia de evolução, nem a postulou sem a influência de outrem (tantos nem aqui citados), mas sua teoria foi um marco na história científica, em específico das ciências naturais, por quebrar o paradigma criacionista, sendo as espécies, portanto, fruto de uma evolução independente de um poder metafísico. É de comum opinião entre os historiadores da ciência que quando paradigmas mudam, o mundo todo muda com eles (Kuhn, 1996). Das maiores contribuições de Darwin, uma foi trazer o estudo evolutivo para uma ciência prática (Gould, 2002), o que faltou nos seus predecessores. A essência da teoria darwiniana e seu sucesso se devem igualmente ao triunfo prático e de escala diária que ele teve em seus trabalhos e à sua percepção ampla de que a visão ocidental de evolução se encontrava enviesada e antiquada (Gould, 2002). Na sua viagem pelo mundo a bordo do navio Beagle, Darwin observou muitos animais, plantas e situações que revolucionaram sua maneira de pensar. Além disso, seus próprios experimentos executados na Europa e em outros lugares tinham umdetalhismo e cuidado difíceis de se encontrar. Todos os resultados de seus experimentos podem ser lidos em extensos diários e cadernos de campo, muito detalhados. Para estudos mais aprofundados, a obra completa de Darwin pode ser encontrada no site http://darwin-online.org.uk/. Entretanto, como o escopo deste texto é principalmente reportar as mudanças de paradigma e o momento histórico subjacente, continuaremos tratando do porquê dos trabalhos de Charles Darwin serem tão marcantes. Como já foi anteriormente citado, o lançamento do Origem das espécies foi um marco na história da ciência como um todo, mas a mudança que propiciou não ocorreu de um momento para o outro. A cultura e as tradições locais, assim como o paradigma vigente, exercem grande influência na aceitação ou não do novo paradigma. Um exemplo simples pode ser dado a partir de algunsdesdobramentos não favoráveis do Origem. O comprometimento de Darwin com uma explicação totalmente naturalista da origem e diversidade dos organismos foi visto por muitos na época como ummaterialismo perigoso, que eliminava a influência divina da história da vida na Terra (Rudolph & Stewart, 1998). Esta noção do divino reforçava ocomprometimento filosófico profundo do essencialismo e da teleologia da sociedade da época, que representaram obstáculos formidáveis para uma aceitação da evolução por meio de seleção natural. Na Inglaterra em particular, durante os séculos dezoito e dezenove, um esforço significante era direcionado de maneira a entender as formas de vida como evidência do trabalho de uma deidade ativa e benevolente (Rudolph & Stewart, 1998). E Darwin era consciente dos problemas que a publicação do seu livro iria acarretar. Ele começou a escrever o Origem em 1838, mas demorou 21 anos para publicá-lo, e de maneira diferente da que esperava. O Origem das espécies era apenas parte do seu trabalho, que foi publicado devido à pressão de seu amigo e defensor na Linnean Society de Londres, Thomas Huxley, conhecido como o “bulldog de Darwin”. Em 1958, Huxley sugeriu que Darwin publicasse um artigo científico juntamente com Alfred Russel Wallace sobre a Teoria da evolução, já que ambos chegaram independentemente a conclusões semelhantes. Foi então apresentada na Linnean Society de Londres tal artigo, e logo em seguida, no ano de 1859 foi lançada a primeira edição de On the origin of species by means of natural selection, or the preservation of favoured races in the struggle for life, livro que teve mais 5 edições, cada vez menos incisivas sobre as idéias evolutivas, cedendo a muitas pressões da sociedade da época. Os dois maiores problemas em sistemática no advento das teorias darwinianas eram referentes a o que são espécies e à ordenação das espécies em classificações naturais (Hull, 1990). Darwin acreditava que tinha solucionado ambos os problemas. Se ele estava certo e as espécies evoluíam, sistematas estariam errados em tentar encontrar um meio de distinguir inequivocadamente entre espécies e variedades dentro de uma espécie, já que tais variedades seriam espécies incipientes (Hull, 1990) (todas as espécies já foram variedades um dia, mas nem todas as variedades se tornariam espécies), assim sendo, as espécies não seriam uma entidade “real”, mas coisas que evoluem ao longo do tempo por influência da seleção natural. Entretanto, tais idéias não foram aceitas de prontidão, e tal definição sobre espécie só serviu para gerar mais debates, os quais muitos continuam até hoje (Hull, 1990). Neste aspecto, a revolução darwiniana na sistemática ocorreu, mas seu sucesso só se deu com o passar do tempo e devido aos esforços de outros sistematas e reflexões sobre o assunto. Quanto à ordenação das espécies em classificações naturais, Darwin encontrou ainda mais dificuldade na aceitação de suas teorias. Para ele, as espécies existentes guardam similaridade por descenderem de ancestrais comuns já extintos, aos quais não temos acesso (Hull,1990). Para se estabelecer a relação entre as espécies, sua filogenia deveria ser reconstruída, uma maneira de expressar as relações dendrogrâmicas entre as espécies atuais e seu ancestral comum teórico. Tais relações deveriam ser construídas levando em consideraçãosimilaridades reais, tidas como homologias, e não similaridades ilusórias, as analogias. Entretanto, o maior problema encontrado entre os outros sistematas foi tangente a disputas sobre a filogenia verdadeira de um grupo (Hull, 1990). Para Huxley, um caráter unir um grupo de organismos era um fato “verificável” e poderia ser usado para reconstruir a história do grupo. Já a afirmação de que tais caracteres seriam homologias evolutivas dependeria da reconstrução do passado do grupo, o que seria muito especulativo. Assim sendo, a aceitação da reconstrução filogenética e definição de homologia foram construídas com o passar do tempo, não havendo aceitação imediata. No seu livro O desenvolvimento do pensamento biológico, Ernest Mayr (1982) afirma que a maior parte dos avanços que a teoria darwiniana propiciou para a macrotaxonomia foi ignorada no período imediatamente depois. Entretanto, a maior contribuição de Darwin para a época foi “matar” os arquétipos (que são os “modelos” para as coisas existentes, geralmente derivados da mente divina). Para Darwin, as espécies evoluem por meios da seleção natural, surgindo e sendo extintas, e não são fruto de um poder divino que as cria. Com os desdobramentos e aceitações posteriores da teoria darwiniana, houve um desvinculamento cada vez maior das ciências naturais e explicações metafísicas. É importante lembrar que para ser possível a mudança do paradigma criacionista para o evolucionista, foi necessário todo um cenário sócio-cultural, e inclusive referente à ciência no geral, propício para tal mudança. Assim sendo, o século XX foi marcado pelo desenvolvimento de diversas tecnologias, que facilitaram a pesquisa em muitos campos novos (Primon et al, 2000), além de novas filosofias, as quais mudaram a maneira de encarar a ciência, seus conceitos e como separar o que é do que não é científico. Referências bibliográficas CHALMERS, A. F. What is this thing called science? 3. ed. Indianapolis: Hackett Publishing Company Inc., 1999. 288p. GOULD, S. J. The Structure of Evolutionary Theory. 6 ed. Cambridge: Harvard university press, 2002. 1405p. HULL, D. L. Science as a process. An evolutionary account of the social and conceptual development of science. Chicago: The University of Chicago Press, 1990. 600p. KUHN, T. S. The structure of scientific revolutions. 3. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 1996. 225p. MAYR, E. O desenvolvimento do pensamento biológico. Brasília: Editora UNB, 1998. 1107p. PRIMON, A. L. M.; JÚNIOR, L. G. S.; ADAM, S. M.; BONFIM, T. M. História da ciência: da Idade Média à Atualidade. Psicólogo inFormação, v. 4, n. 4, p. 35-51, 2000. RUDOLPH, J. L.; STEWART, J. Evolution and the nature of science on the historical discord and its implications for education. Journal of researching in science teaching, v. 35, n. 10, p.1069-1089, 1998. POPPER, K. The logic of scientific discovery. Taylor & Francis e-Library, 2005. 545p. Fonte: