Para determinar a localização do Sol e orientar suas navegações em dias nublados, esse antigo povo escandinavo já teria usado as propriedades de polarização da luz solar muito antes de o fenômeno ser descoberto. Carlos Alberto dos Santos aborda essa hipótese em sua coluna.
Reprodução em preto e branco de uma pintura feita pelo artista norueguês Oscar Wergeland em 1909 e que retrata vikings em uma embarcação.
O assunto deste mês é uma inovação tecnológica que, se existiu, deveria ter sido noticiada há um milênio, quinhentos anos antes de o gráfico alemão Johannes Gutemberg (1398-1468) ter inventado a máquina tipográfica e, assim, impulsionado o desenvolvimento da imprensa. A história é belíssima, mas carece de evidências inquestionáveis. Seus protagonistas são os vikings, conhecidos como os reis dos mares do século 10.
Naquela época, quando a bússola ainda não tinha sido inventada, os navegadores costumavam se orientar pela posição do Sol durante o dia e pelas estrelas à noite. Mas, durante o verão no Atlântico norte, lá nas proximidades do polo terrestre, ocorre o famoso fenômeno do Sol da meia-noite, em que, por mais de 70 dias, o Sol não se põe. Desse modo, os vikings não podiam se guiar pelas estrelas no principal período de suas explorações marítimas.
Então, para estimar a direção do polo norte quando estivessem em alto-mar, tudo indica que os vikings inventaram um instrumento similar a um relógio solar. Um fragmento desse tipo de instrumento foi encontrado na Groenlândia, terra descoberta pelos vikings.
Esse instrumento funcionaria bem quando o Sol estivesse brilhando no céu, mas, naquela região do planeta, o astro-rei costuma ficar encoberto por nuvens espessas. Então, sem bússola, Sol ou estrelas, como os vikings se orientavam nessas condições adversas?
Uma indicação para essa resposta considerada por alguns estudiosos vem da mitologia escandinava. Em uma viagem marítima, espessas nuvens escondiam o Sol. O rei Holy Olaf, que governou a Noruega entre 1015 e 1028, perguntou a Sigurd, legendário herói mitológico, onde se localizava o Sol. Depois que Sigurd deu sua opinião, o rei apanhou uma pedra do sol, examinou o céu e comprovou que Sigurd estava certo.
A pedra do sol
Em 1967, o arqueólogo dinamarquês Thorkild Louison Ramskou (1915-1985) levantou a hipótese de que a pedra do sol seria um mineral capaz de detectar a polarização da luz, ou seja, a propagação das ondas eletromagnéticas que compõem o raio luminoso em apenas um plano, diferentemente do que ocorre normalmente com a luz, que se propaga em todos os planos possíveis. A partir dessa propriedade, seria possível determinar a direção dos raios solares que incidem sobre a pedra.
Segundo Ramskou, a pedra provavelmente seria a cordierita, um silicato que contém ferro, magnésio e alumínio e é muito comum na Escandinávia.
Se essa hipótese estiver correta, os vikingsfizeram uma antecipação tecnológica. Usaram a polarização da luz mais de 600 anos antes de o fenômeno ser descoberto pelo holandês Christiaan Huygens (1629-1695), e mais de 800 anos antes da primeira observação científica da polarização da luz solar, pelo francês Dominique François Jean Arago (1786-1853).
Como os vikings foram capazes dessa proeza – se é que foram –, ninguém sabe. Mas, como que inspirados no ditado italianoSe non è vero, è ben trovato (se não é verdade, é bem contada), alguns pesquisadores vêm, desde o início da década passada, investigando a plausibilidade do que se costuma denominar método polarimétrico de navegação, a inovação tecnológica dos vikings. O trabalho mais recente desse grupo acaba de ser publicado no volume 366 da revista Philosophical Transactions B, da famosa Royal Society.
Polarização da luz
Como onda eletromagnética, a luz resulta da oscilação simultânea de um campo elétrico e um campo magnético. As duas direções de oscilação, perpendiculares entre si, formam um plano.
Mas em qual direção vibra o campo elétrico nesse plano? Existem duas respostas gerais. Ele vibra em qualquer direção, aleatoriamente. Nesse caso, diz-se que a luz é não-polarizada. Mas o campo também pode vibrar em uma única direção. É o caso em que a luz é linearmente polarizada. Há ainda situações mais complexas – como luz circularmente polarizada –, que não vêm ao caso agora.
Para diminuir a intensidade da luz ou absorvê-la completamente, é possível usar filtros polarizadores (ou polaroides), que permitem a passagem total da luz apenas quando seu campo elétrico vibra em determinada direção. Quando a luz incidente é não polarizada, esse filtro diminui sua intensidade. Se a luz incidente é linearmente polarizada, dependendo da orientação do filtro, a intensidade da luz que o atravessa pode ser igual ou menor àquela que incide sobre ele, ou simplesmente nula.
Nesse caso em que a luz é completamente absorvida pelo filtro, a polarização deste é perpendicular à direção de polarização da luz. Se diz também que os eixos de polarização da luz e do filtro estão cruzados.
A figura acima ilustra três situações. Em primeiro lugar, um filtro polaroide foi colocado sobre a tela do computador, resultando em luz polarizada na direção indicada pelas setas verdes.
Sobre esse polaroide foram colocados três outros filtros. O filtro à esquerda tem seu eixo de polarização na mesma direção do polaroide, permitindo a passagem integral da luz. Observe que a parte desse filtro que está fora da tela não deixa passar toda a luz que incide sobre ele. Isso acontece porque a luz de fora da tela é não polarizada.
O filtro do meio está posicionado com seu eixo de polarização inclinado em relação ao do polaroide. É por isso que ele diminui a intensidade da luz. Já o filtro à direita está com seu eixo cruzado em relação ao polaroide, absorvendo totalmente a luz incidente.
Filtro natural
Os minerais dicroicos, como a cordierita, têm propriedades ópticas similares a essas descritas acima. A diferença é que, em vez de absorver a luz incidente quando os eixos estão cruzados, esse filtro natural deixa passar luz de cores diferentes dependendo da orientação de seu eixo. No caso da cordierita, ela deixa passar luz amarela quando seu eixo está alinhado ao da luz incidente e luz azul quando o eixo está cruzado (perpendicular).
A luz solar espalhada pelas partículas da atmosfera apresenta polarização linear em determinadas direções. Em 1871, o matemático e físico inglês Lord Rayleigh (1842-1919) mostrou que, para um observador na Terra, o eixo da polarização da luz solar é perpendicular ao plano formado pelo Sol, a partícula espalhadora e o observador.
Assim, se o céu estiver nublado, de modo a esconder o Sol, podemos determinar sua posição observando pontos claros entre as nuvens através de um cristal de cordierita. Quando a cordierita ficar azul, a polarização da luz solar naquele ponto é perpendicular ao eixo da cordierita, o que indica que o Sol está naquela região. Mas, nesse caso, ele pode estar à direita ou à esquerda do ponto observado.
Para localizar o Sol, é preciso examinar dois pontos e traçar um círculo imaginário centrado no primeiro e outro círculo centrado no segundo. A posição estimada do Sol fica na interseção dos dois círculos.
Ao que se sabe, os vikings não tinham domínio científico que justificasse essa antecipação técnico-científica. Mas, para os pesquisadores que apoiam a hipótese de Thorkild Ramskou, falta apenas uma prova: encontrar um cristal de cordierita ou outro mineral dicroico nos sítios arqueológicos por onde andaram os vikings.
Carlos Alberto dos Santo
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