Uma atitude muito comum quando se analisa o progresso científico é a tendência a condicioná-lo unicamente ao surgimento cíclico de gênios individuais. É certo que a contribuição isolada de um pesquisador pode ser decisiva em determinado momento histórico, mas ela é necessariamente condicionada à existência de um background de conhecimentos, reunidos por outros estudiosos. Assim, dizer que a Newton se deveu a criação da mecânica clássica é dizer apenas meia verdade: ele é, inegavelmente, um marco, pois com ele muitas etapas foram queimadas; mas não se deve esquecer que sua figura está ligada ao pano de fundo formado pelos pesquisadores que o antecederam (o que, de modo algum, diminui sua estatura). Da mesma forma, a obra de Albert Einstein baseou-se em conhecimentos anteriores da física, mesmo se para revisá-los.
E como precursor do criador da teoria da relatividade, destaca-se Hendrik A. Lorentz.
Lorentz viveu numa época de grande importância para a física: nela ocorreu desde o surgimento da teoria atômica da matéria à penetração na estrutura do átomo até o núcleo. Thomson, ao mostrar que o átomo contém elétrons, e Becquerel, descobrindo a radiatividade, abriram caminho para os estudos das relações entre a química e a física. Já se efetuavam experiências de aceleração de elétrons, e havia a certeza de que o mesmo poderia ser feito com outras partículas eletricamente carregadas. Pouco a pouco, descobriam-se novas propriedades da matéria.
Em fins do século XIX e começo do XX, os cientistas, até então satisfeitos com as leis da física, que explicavam satisfatoriamente o conjunto de fenômenos conhecidos, começaram a deparar-se com um mundo de indagações: estariam essas leis de acordo com os novos dados experimentais?
Entre outras coisas, ignorava-se por que um elétron acelerado parecia ter sua massa aumentada quando animado de velocidades muito altas; não se sabia, igualmente, qual a disposição dos elétrons e das cargas positivas no átomo.
Lorentz foi um dos primeiros estudiosos a se defrontarem com as dificuldades levantadas pelas novas descobertas da física. A maneira como o fez abriu caminho para a teoria da relatividade.
O pai de Lorentz era um rico agricultor holandês, que possuía, apesar de ser pouco culto, inteligência e memória extraordinárias. Essas características foram herdadas pelo filho, que nasceu a 18 de julho de 1853.
Aos treze anos, após concluir seus primeiros estudos, Lorentz ingressou na escola secundária, instituição tão recente na Holanda que em sua classe havia apenas três alunos. Teve a sorte de encontrar bons professores que o ensinaram línguas estrangeiras e, melhor ainda, matemática e física, suas disciplinas prediletas. A seguir, para entrar na Universidade de Leiden, teve de estudar, sem qualquer ajuda, as línguas clássicas. Em pouquíssimo tempo, aprendeu-as para nunca mais esquecê-las: quarenta anos depois ainda compunha versos latinos.
(Leiden)
Foi em Leiden que Lorentz travou seu primeiro contato com os trabalhos de Maxwell (furtando, aliás, algumas obras dele da biblioteca do laboratório de física da universidade).
Terminada a primeira etapa de seu curso universitário (correspondente ao atual curso de graduação), Lorentz retornou à cidade natal, Arnheim, onde conseguira emprego de professor num curso noturno Isso lhe deixava o período diurno para o trabalho de elaboração de sua tese de doutoramento.
Em 1875, Lorentz viu recompensados seus esforços: conseguiu a láurea e duas ótimas propostas. A Universidade de Utrecht ofereceu-lhe a cadeira de matemática e a de Leyden a de física teórica, pela qual optou.
Como gostava de ensinar, estendeu as lições de física teórica à física experimental, seguindo pessoalmente os exercícios práticos. Ministrou ainda durante muitos anos um curso de física para médicos, pelo qual foi homenageado com o título de doutor honoris causa em medicina, quando de seu qüinquagésimo aniversário de doutoramento. Em 1905, Lorentz recusou uma oferta da Universidade de Munique, apenas para não deixar a Holanda. O governo premiou esta decisão dispensando-o, em parte, de suas obrigações de professor, a fim de que pudesse dedicar-se principalmente a estudos e pesquisas. Dando, assim, uma única aula por semana, que era registrada para publicação, lecionou até poucas semanas antes de sua morte.
Aliás, a idade nunca foi obstáculo para Lorentz: em 1918, presidiu o comitê para drenagem do Zuiderzee (um profundo golfo holandês), constituído para estudar a construção de um novo dique no lugar do velho. A nomeação muito honrou Lorentz, que, no entanto, não a. considerou apenas decorativa. Lançou-se com vigor ao trabalho, a despeito de seus 65 anos. Estudando os ventos, as correntes e as marés, concluiu que a nova bacia poderia conter mais água do que se previra, mesmo construindo-se um dique de menor volume. Sem nem chegar a ver a obra concluída, poupou 15 milhões de florins ao governo holandês, cujo Serviço de Águas emprega até hoje seus métodos.
As obras de Maxwell, surrupiadas do laboratório, frutificaram nas mãos de Lorentz: assimilou-as tão bem que não só dominou a teoria dos fenômenos eletromagnéticos como fê-la progredir, ordenando-a. Maxwell estabelecera de forma generalizada suas leis do eletromagnetismo. Elas serviam, por exemplo, para predizer o movimento de um elétron sujeito a um campo magnético, para explicar a reflexão de uma onda eletromagnética ou para descrever a interação entre cargas elétricas e radiações eletromagnéticas.
Restava, portanto, todo o problema - enfrentado e em parte resolvido por Lorentz - de prever as leis da óptica física através das equações gerais do eletromagnetisino. Ele perguntou-se sobre o que acontece se a onda eletromagnética for um feixe luminoso que atravessa a matéria (um cristal, por exemplo); especulou sobre a ação dos elétrons sobre uma onda incidente. Como decorrência desses estudos, Lorentz elaborou a teoria dos osciladores eletrônicos. Pela observação de um elétron vibrante em presença de um campo magnético, ele conseguiu explicar e analisar teoricamente certos aspectos do efeito Zeeman - o fenômeno da decomposição de cada raia do espectro de emissão de um átomo em diversas outras (multiplets), quando esse átomo está imerso em um campo magnético muito intenso.
Em determinadas condições, entretanto, cada raia de emissão de um átomo pode dar origem simplesmente a um triplet (três linhas muito próximas). Lorentz conseguiu interpretar este fenômeno: por isso, o triplet correspondente é chamado triplet normal de Lorentz e, devido a esse trabalho, Lorentz dividiu com Zeeman o Prêmio Nobel de Física de 1902.
Os físicos teóricos são criticados por saberem explicar qualquer fenômeno, e se restringirem apenas a isso. Lorentz, porém, foi adiante: previu que a luz correspondente às linhas nas quais se desdobram as raias espectrais de um átomo no qual se provocou o efeito Zeeman deve ser polarizada.
Outros casos do efeito Zeeman, como o efeito Zeeman anômalo e o correlato efeito Paschen-Back, só ganharam explicação muito mais tarde, quando Uhlenbeck e Goudsmit, em 1925, introduziram a teoria do spin.
Ao estudar as radiações visíveis, Lorentz encontrou uma fórmula que foi descoberta quase ao mesmo tempo por um outro físico, o dinamarquês Ludwig Valentin Lorentz. Hendrik, longe de se aborrecer com isto, comentava reiteradamente ser um dos protagonistas de um acontecimento inusitado e que talvez jamais se repetisse: dois físicos com o mesmo nome descobrirem simultaneamente a mesma lei.
Salienta-se na obra do pesquisador a descoberta da chamada transformação de Lorentz, que serviu de base para a teoria da relatividade restrita. Tentando explicar os resultados negativos da experiência de Michelson e Morley (que procuravam estabelecer a existência de um sistema referencial universal), Lorentz introduziu a hipótese de que os comprimentos dos corpos sofrem uma contração ao longo da direção da velocidade com que se movem em relação ao observador - a contração de Lorentz. Posteriormente, foi levado a reconhecer que, para conservar verdadeiras as equações de Maxwell, a transformação de coordenadas de um sistema para outro devia obedecer certas equações; definiu então as transformações de Lorentz. Foi Einstein, no entanto, quem deu nova fundamentação teórica a todas essas idéias, mostrando ser necessária uma revisão até certo ponto radical dos conceitos de tempo e espaço.
Mais que seu olhar, vivo e penetrante, e sua estrutura média, eram características de Lorentz a sua grande afabilidade e cortesia, que transpareciam em seu sorriso benevolente.
Já célebre, realizou viagens pelo mundo, principalmente para participar de reuniões internacionais. Muitas vezes dirigia tais encontros, pois à sua estatura científica aliavam-se seus conhecimentos lingüísticos e habilidade diplomática. Em 1911, 1913, 1921, 1924 e 1927 dirigiu as reuniões de cúpula da sociedade científica Salvay. Tornou-se também presidente do Comitê da Sociedade das Nações. Após sua morte, ocorrida em Haarlem, a 4 de fevereiro de 1928, instituiu-se uma fundação que leva seu nome e que se dedica ao progresso da física. Contou com preciosos colaboradores (entre os quais a filha e o genro), mas sempre preferiu o trabalho realizado em silêncio e no isolamento.
Fonte:
http://br.geocities.com/saladefisica3/biografias/lorentz.htm