Ludwig II, conhecido como o "rei sonhador", deixou para posteridade um dos castelos mais impressionantes de todos os tempos, o Neuschwanstein Castle, digno de um verdadeiro conto de fadas
Por Avany França
"Eu quero continuar para sempre um enigma - para mim mesmo e para os outros". (Ludwig II)
Se existisse uma escola das excentricidades, com certeza, ele seria o mais propenso a mentor, mas Ludwig II imperou em outro cenário. Como rei da Bavaria em meados do século 19, ele não passou de um louco esquisito para a sociedade da época. Em vida, acrescentou pouco para a efervescente Alemanha que passava por um processo de unificação. Enquanto príncipe, mal era conhecido pelos súditos e cidadãos da Bavaria, mas foi a partir de 1864, com a morte de seu pai, o rei Maxilliano II, que o despreparado Ludwig II veio a emergir do seu casulo e expor o verdadeiro contos de fadas em que vivia desde criança. E assim, a Bavaria, por 22 anos, teve em seu comando um rei sonhador, conhecido e aclamado como o "Rei Louco da Bavaria".
Na Europa do século 19, das várias ocupações, batalhas e unificações, o jovem empossado rei aos 18 anos parecia alheio a tudo isso. No ano em que foi coroado, por exemplo, o mundo vivia uma verdadeira miscelânea, a Polônia enfrentava o Império Russo, a Espanha iniciava uma guerra na busca por recuperar algumas de suas colônias, enquanto nas Américas, paraguaios iniciava uma guerra baseada em grandes ambições e os Estados Unidos passava por uma reconstrução, tornando-se uma das maiores potências militares, políticas e econômicas do mundo. Mas, o jovem inexperiente parecia não se importar com a sua posição de novo rei da Bavaria e muito menos com o que estava acontecendo no mundo.
Vista do pátio superior do Castelo de Neuschwanstein
Castelo de Neuschwanstein visto de Marienbrücke
A personalidade do jovem Ludwig II
Para quem desembarca na cidade de Fussen, nos alpes da Alemanha, quase sempre o faz no intuito de conhecer um dos pontos turísticos mais visitados do país, aquele que teria inspirado Walt Disney e o seu Castelo da Bela Adormecida, porém, ao adentrar no interior do Neuschwanstein, o castelo revela muito mais que uma construção de contos de fadas. Ao percorrer seus cômodos de arquitetura e decoração extravagante fica evidente a personalidade do excêntrico monarca da Bavaria dos anos de 1864-1886.
"Seu paraíso era arte, sua vida um drama, seu ideal a liberdade, deu destino a isolação, seu amor jamais seria preenchido. Sua morte num lago negro - Um mistério, mesmo nos dias atuais." O trecho escrito por Jin Chen, em "The Fairy -Tale King and His Dream Castle: Ludwig II e Neuschwanstein" (O Rei do Conto de Fadas e Seu Castelo dos Sonhos: Ludwig II e Neuschwanstein), é apenas uma das inúmeras demonstrações da complexidade em entender o eterno sonhador Ludwig.
Entre outras peculiaridades, desde muito jovem, mostrava-se um menino extremamente sensível e de atitudes reclusas. Muito cedo se recusara a ter um relacionamento mais próximo com a própria mãe, a rainha Maria da Prússia, pelo simples motivo dela não ser apreciadora das artes, avessa a livros e ao universo intelectual, para o romântico Ludwig II, esse fato era inaceitável no seu fantasioso mundo de faz de conta. Com uma mãe pouco interessada em livros e um pai pouco presente, a infância do jovem foi marcada pela tutela de estranhos. Maxilliano II teria dito uma vez: "O que poderia falar com ele? Nós não temos nada em comum."
Passagens como essa explicam o porquê de mais tarde Ludwig II ter virado prisioneiro no seu próprio castelo.
Incompreendido pela própria família, restava pouco a esperar dos demais. Mas, se por um lado, seus pais nada comungavam com ele, outro membro da família representava um modelo de referência para o jovem rei. Seu avô, Ludwig I, que aliás, de quem ele teria herdado a paixão pelas artes, construções e pelo romantismo, foi seu verdadeiro herói. Apaixonado pelo universo das artes, Ludwig I deixou um grande legado arquitetônico durante o seu reinado (1825-1848), além de ser um incentivador das artes mesmo depois de ter abdicado ao trono, após consecutivos escândalos amorosos envolvendo prostitutas.
Lento para o aprendizado, Ludwig II desenvolveu pouco suas habilidades, mal conseguiu concluir a escola de francês e, ao contrário de outros príncipes, exibia pouco ou nenhum interesse pelo universo militar e político. Quando tinha apenas seis anos, já demonstrava sensibilidade excessiva. Teria escrito sua mãe nessa fase: "Esse menino mostra grande interesse pelas artes. Ele adora brincar de construir com seus brinquedos, principalmente igrejas-monastérios". Desde muito cedo, o jovem de beleza incontestável demonstrou sua paixão pela pintura, música e excessivamente pelo teatro.
Casamento? Fugiu de todos e não foram poucos, o único noivado que aceitara foi o que lhe concederam como noiva, sua prima, a princesa Sofia, duquesa da Bavaria. Mas, misógino, Ludwig simplesmente a rejeitara como aconteceu com as demais candidatas. Entre outras esquisitices associadas ao rei bávaro, conta-se que seu vício por doces e uma doença dentária crônica o fizera perder quase todos os dentes mesmo antes de completar 40 anos e, para evitar constrangimentos, quase sempre comia solitariamente. Nem mesmo seus súditos eram permitidos a observar a lambança realizada pelo rei ao alimentar-se. Para evitar eventuais situações de desconforto, no castelo Neuschwanstein, uma mesa elevatória foi construída para ir da sala de jantar ao andar inferior, onde era abastecida com a alimentação servida ao monarca, assim todo e qualquer contato era evitado.
Salão dos Cantores
Sala do Trono
Um rei às avessas
Diferentemente dos soberanos da sua época, o desinteressado Ludwig só tinha olhos para o teatro, óperas e seus ambiciosos projetos de construir castelos que se encaixassem no seu mundo de fantasia. Obsessivamente, desenvolveu apreço pelo compositor Richard Wagner desde muito jovem e uma vez declarado rei, logo se incumbiu de se tornar seu mecenas. A relação que envolvia troca de cartas constantes e muitos investimentos artísticos por parte do rei causaria grandes conflitos entre o monarca e o governo da Bavaria, que naquela época era parlamentarista.
Avesso a guerras e ao universo político, mal respondia aos convites de encontros com ministros. Recusavase simplesmente apontando dores de cabeças e mal-estar. Em algumas das oportunidades, após informar indisposição, era possível encontrar o rei entre brincadeiras no meio da noite com alguns de seus empregados, entre os bosques nos arredores do castelo, ou assistindo apresentações solitárias organizadas por Wagner. No mundo lúdico de Ludwig, brincadeiras infantis eram muito mais importantes que os entediantes encontros de Estado. A única real participação política do rei durante o seu reinado aconteceu por volta de 1866, quando fora pressionado pelo governo a assinar uma mobilização contra a Prússia. Durante as três semanas de guerra, o monarca se recusara por diversas vezes a dar ordens a sua tropa, ou mesmo exercer as atribuições exigidas pelo parlamento.
Por fim, acabou sendo forçado a aceitar um acordo de paz.
Maximiliano II, Maria da Prússia, Ludwig II e seu irmão Otto da Bavaria
Os descabidos projetos arquitetônicos, quase sempre associados a castelos e à organização de grandes festivais de óperas, construção de teatros e até mesmo a compra de uma casa para Wagner, acabou lhe rendendo não apenas o reinado, mas também a vida. Por volta de 8 de junho de 1886, ele foi declarado mentalmente incapaz, por uma comissão médica dirigida pelo dr. Von Gudden. Com o histórico de loucura na família, protagonizado pelo seu único irmão Otto da Bavaria, três anos mais jovem e declarado doente mental desde a juventude, não seria difícil convencer aos demais que o monarca bávaro também não possuia saúde mental das mais satisfatórias.
Teria sido também nessa ocasião que ambos, médico e monarca, foram encontrados mortos boiando no Lago Starnberg, depois de uma inocente e casual caminhada nos arredores do Neuschwanstein. Os motivos reais das mortes jamais foram revelados, porém, com o atestado de loucura realizado sem ao menos tê-lo examinado, não fica difícil imaginar a conspiração para afastar definitivamente o rei e suas malucas ações.
O suntuoso quarto do rei
O rei e seu legado
Falar em legado quando se tem uma figura monárquica tão contraditória como Ludwig é quase uma heresia, no entanto, o estranho rei incompreendido, que construira castelos romantizados e bem diferentes dos cinzentos e inóspitos construídos na mesma época, deixaria um legado para a humanidade. Seus maiores projetos foram três castelos. O Schloss Linderhof, Schloss Herrenchiemsee e Neuschwanstein. Destes, Ludwig apenas vira concluído o primeiro.
A veneração pelo compositor Richard Wagner é amplamente citada na biografia do Rei Louco. O apreço exacerbado levaria o rei a dedicar a sua obra mais famosa ao artista, o castelo Neuschwanstein. Acostumado à vida reclusa, adorava o mundo fantasioso e fazia das suas noites verdadeiras reproduções de dramáticas óperas, para isso, em Linderhof, construira um teatro em formato de gruta na parte inferior do castelo, a Venus Grotto, com direito a pequeno barco de onde apreciou em muitas ocasiões as operetas orquestradas por Wagner, sendo ele o único expectador.
A gruta teria recebido o primeiro sistema de iluminação do país especialmente para suprir os caprichos do rei desvairado. No entanto, foi no Neuschwanstein, o seu mais famoso castelo que o monarca cometera as mais absurdas aberrações para a época e também para os dias de hoje. O castelo é uma verdadeira exposição esquizofrênica dos devaneios de Ludwig. Os números são grandiosos, só o quarto do rei levara cerca de quatro anos para ser construído, exigindo a presença de 14 artesãos que esculpiram todos os cantos do pequeno dormitório em madeira de lei talhada. Outro cômodo do castelo, o Singers' Hall (Salão dos Cantores) foi erguido com acústica impecável, capaz de impressionar os mais rígidos críticos de música clássica. No entanto, em seu tempo, nenhum tenor ou orquestra utilizara o local.
Cisnes, pavões e mais cisnes. Para quem visita o interior do castelo, além dos castiçais exorbitantes e de outras pequenas curiosidades, uma delas a vista para uma cachoeira estrategicamente posicionada para favorecer a a visão de diversos ângulos do castelo, as aves são presença constante: das maçanetas das portas a esculturas gigantes passando pelo próprio nome do castelo, que significa "Cavaleiro do Cisne". Atestando o seu mundo de faz de conta, Ludwig exigira também a construção de uma sala-igreja com representação de todos os santos da época. A sala deveria ter ainda um trono em vez de um altar (que jamais fora construído). No conto de fadas de Ludwig, essa era a sua representação de reinado. Jesus, seus apóstolos, os reis sagrados e Ludwig fazendo a conexão entre Deus e o resto do mundo diretamente do seu trono.
Seu terceiro projeto, o Schloss Herrenchiemsee, teve como objetivo atender ao capricho do rei que queria recriar o Palácio de Versalhes na Bavaria. O castelo que recebera seu monarca uma única vez custou muito mais que o Neuschwanstein e o Linderhof juntos.
Ludwig teria dito: "Meus castelos são como lugares sagrados."
Viciado por velas, outra mania latente do rei, o Hall of Mirrors (Salão dos Espelhos) dispunha de imensos castiçais, exigindo-se 35 homens e pelo menos meia hora para se acender todas as 2 mil velas dispostas neles, reproduzindo, assim, o tom dourado ouro idealizado pelo rei. E, se por um lado, conhecer a olho nu o interior do Neuschwanstein e descobrir as inimagináveis excentricidades do monarca bávaro dos anos de 1800 pode elucidar dúvidas quanto a sua sanidade, por outro, pode-se atestar que louco ou não, as construções idealizadas por Ludwig II são hoje preciosidades arquitetônicas impressionantes.
Na Bavaria do século 19, de uma das dinastias mais potentes em toda a sua história, existe uma grande lacuna, um vácuo de 22 anos, quando o país viveu um verdadeiro conto de fadas tendo como personagem principal o louco e postumamente adorado Ludwig II, o Rei Louco da Bavaria!
Gruta de Vênus - A orquestra ficava na parte iluminada, à direita. Todo o espaço foi construído... é artificial!
Visitas ao Castelo Neuschwanstei
Para apaixonados pelo mundo das artes e arquitetura, a visita ao interior do castelo Neuschwanstein é possivel durante todo o ano, porém, apenas com a presença do guia do castelo. Além dos idiomas alemão e inglês, tradutores eletrônicos são oferecidos durante a visita, incluindo em português.
A personalidade do jovem Ludwig II
Para quem desembarca na cidade de Fussen, nos alpes da Alemanha, quase sempre o faz no intuito de conhecer um dos pontos turísticos mais visitados do país, aquele que teria inspirado Walt Disney e o seu Castelo da Bela Adormecida, porém, ao adentrar no interior do Neuschwanstein, o castelo revela muito mais que uma construção de contos de fadas. Ao percorrer seus cômodos de arquitetura e decoração extravagante fica evidente a personalidade do excêntrico monarca da Bavaria dos anos de 1864-1886.
"Seu paraíso era arte, sua vida um drama, seu ideal a liberdade, deu destino a isolação, seu amor jamais seria preenchido. Sua morte num lago negro - Um mistério, mesmo nos dias atuais." O trecho escrito por Jin Chen, em "The Fairy -Tale King and His Dream Castle: Ludwig II e Neuschwanstein" (O Rei do Conto de Fadas e Seu Castelo dos Sonhos: Ludwig II e Neuschwanstein), é apenas uma das inúmeras demonstrações da complexidade em entender o eterno sonhador Ludwig.
Entre outras peculiaridades, desde muito jovem, mostrava-se um menino extremamente sensível e de atitudes reclusas. Muito cedo se recusara a ter um relacionamento mais próximo com a própria mãe, a rainha Maria da Prússia, pelo simples motivo dela não ser apreciadora das artes, avessa a livros e ao universo intelectual, para o romântico Ludwig II, esse fato era inaceitável no seu fantasioso mundo de faz de conta. Com uma mãe pouco interessada em livros e um pai pouco presente, a infância do jovem foi marcada pela tutela de estranhos. Maxilliano II teria dito uma vez: "O que poderia falar com ele? Nós não temos nada em comum."
Passagens como essa explicam o porquê de mais tarde Ludwig II ter virado prisioneiro no seu próprio castelo.
Incompreendido pela própria família, restava pouco a esperar dos demais. Mas, se por um lado, seus pais nada comungavam com ele, outro membro da família representava um modelo de referência para o jovem rei. Seu avô, Ludwig I, que aliás, de quem ele teria herdado a paixão pelas artes, construções e pelo romantismo, foi seu verdadeiro herói. Apaixonado pelo universo das artes, Ludwig I deixou um grande legado arquitetônico durante o seu reinado (1825-1848), além de ser um incentivador das artes mesmo depois de ter abdicado ao trono, após consecutivos escândalos amorosos envolvendo prostitutas.
Lento para o aprendizado, Ludwig II desenvolveu pouco suas habilidades, mal conseguiu concluir a escola de francês e, ao contrário de outros príncipes, exibia pouco ou nenhum interesse pelo universo militar e político. Quando tinha apenas seis anos, já demonstrava sensibilidade excessiva. Teria escrito sua mãe nessa fase: "Esse menino mostra grande interesse pelas artes. Ele adora brincar de construir com seus brinquedos, principalmente igrejas-monastérios". Desde muito cedo, o jovem de beleza incontestável demonstrou sua paixão pela pintura, música e excessivamente pelo teatro.
Casamento? Fugiu de todos e não foram poucos, o único noivado que aceitara foi o que lhe concederam como noiva, sua prima, a princesa Sofia, duquesa da Bavaria. Mas, misógino, Ludwig simplesmente a rejeitara como aconteceu com as demais candidatas. Entre outras esquisitices associadas ao rei bávaro, conta-se que seu vício por doces e uma doença dentária crônica o fizera perder quase todos os dentes mesmo antes de completar 40 anos e, para evitar constrangimentos, quase sempre comia solitariamente. Nem mesmo seus súditos eram permitidos a observar a lambança realizada pelo rei ao alimentar-se. Para evitar eventuais situações de desconforto, no castelo Neuschwanstein, uma mesa elevatória foi construída para ir da sala de jantar ao andar inferior, onde era abastecida com a alimentação servida ao monarca, assim todo e qualquer contato era evitado.
Salão dos Cantores
Sala do Trono
Fonte: http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/61/artigo290415-4.asp