2.7.13

Richard Wagner, o revolucionário

Em maio de 2013 celebraram-se os 200 anos do nascimento do compositor alemão Richard Wagner (1813 - 1883). Na imagem, o artista por volta de 1872 Foto: Getty Images
Em maio de 2013 celebraram-se os 200 anos do nascimento do compositor alemão Richard Wagner (1813 - 1883). Na imagem, o artista por volta de 1872
Foto: Getty Images

Decepcionado com o teatro e a ópera convencionais do seu tempo, o jovem compositor Richard Wagner dedicou-se a conceber a formulação de uma nova arte: a Obra de Arte Unificada (Gesummtkunstwerke). Para tanto, entre 1848 e 1851, escreveu uma série de reflexões teóricas que iriam embasar a sua atuação como artista e como visionário estético, colocando-o na posição de um dos maiores gênios musicais de todos os tempos.
Na Revolução de 1848
Criado em meio a uma família de artistas, Richard Wagner desde cedo se sentiu atraído pela encenação. A descoberta da música de Beethoven foi decisiva para que ele abraçasse a arte de Orfeu. Todavia, o clima de conformismo e de mediocridade que caracterizou a época da Restauração na Europa (1815-1848) não condizia com suas ambições. O artista sentia-se tolhido pelo ambiente acanhado e provinciano da Alemanha daqueles tempos. Não tardou para o mestre-capela (Kappelmeister) do reino Saxão sentir-se atraído pela causa da revolução social. Para acelerar ainda mais sua decisão pelo radicalismo político, travou relações com o célebre anarquista russo Michael Bakunin, acolhido em Dresden por simpatizantes da causa, que lá procurou abrigo, foragido da Rússia czarista.
Quando eclodiu a Revolução de 1848, Wagner ingressou na Vaterlandverein, uma agremiação patriótica que defendia a democracia e, em seguida, ingressou na Guarda Comunal Revolucionária. Esta era uma milícia formada em Dresden pelos cidadãos alçados contra o governo do rei. Durou pouco o sonho dos revolucionários.
Em maio de 1849, o rei da Prússia Frederico Guilherme IV (que tivera o pai de Nietzsche, futuro admirador de Wagner, como preceptor) ordenou que suas tropas invadissem a Saxônia para por fim ao levante. Wagner e sua mulher Minna tiveram então que buscar a estrada do exílio. O nome dele constou na lista dos desterrados do governo saxão, só sendo dela removido passado mais de um decênio.
Primeiro eles se dirigiram a Weimar; dali, foram a Zurique e depois a Paris. É na capital francesa, aliás, que ele esperava estrear uma das suas óperas. Por 11 anos lhe foi vedado retornar à Alemanha, até que lhe foi dada uma anistia em 1860, menos para por os pés na Saxônia natal.
Arte e Revolução
Os seus três textos teóricos (Arte e Revolução, A Obra de Arte do Futuro e Ópera e Drama) datam deste tempo no qual o impulso revolucionário latejou forte dentro dele. Quando, anteriormente, ele aprontara um projeto para o teatro nacional alemão em Dresden, percebera das limitações impostas pelo presente.
Influenciado por suas leituras das tragédias gregas, passou a sonhar com a possibilidade de poder vir a restaurar no futuro a poderosa dramaturgia de Ésquilo e de Sófocles que desaparecera da encenação ocidental. No seu primeiro ensaio, denominado Die Kunst und die Revolution (Arte e Revolução), redigido em junho 1848, em meio à conflagração revolucionária, afirmou que o teatro é algo bem mais profundo do que buscar o enobrecimento do gosto e das belas maneiras. Um instrumento de refinamento de um povo inteiro assim como o drama ático elevou o nível dos cidadãos da antiga Atenas. Não deveria estar voltado para o divertimento ou um passatempo qualquer, muito menos ser o apanágio de uma elite endinheirada e entediada, e sim expressão máxima da coletividade organizada, tal como as trilogias de Ésquilo foram para os helenos.
Nada em Dresden ou na Alemanha como um todo indicava que aquilo fosse possível. Assim é que imaginou uma solução claramente utópica para que o teatro clássico, revestido em formas modernas, pudesse novamente vingar: era preciso forjar-se uma Nova Humanidade, uma nova relação entre o Homem e o Estado. Somente assim, com uma transformação política radical, poderia haver uma expectativa de surgir uma civilização limpa, sã e enamorada da arte*.
*Naquele mesmo ano de 1848, em fevereiro, havia surgido o Manifesto Comunista, escrito por dois revolucionários que também iriam se tornar famosos no mundo inteiro: Karl Marx e Friedrich Engels. Todavia, a obsessão de Wagner era marcadamente estética e não política e social como a dos seus então irmãos de causa. O que não o impediu de editar panfletos insurgentes durante o biênio revolucionário (1848-1949).
O programa da Nova Arte
A arte devia ser a expressão mais pura da alegria geral, devendo ser acessível a todos e não somente aos ricos. Era todo um povo quem se movia para participar dos espetáculos, enquanto que no presente da Europa da Restauração (1815-1848) somente os potentados e aristocratas usufruíam deles.
Aquilo que para os gregos antigos era sagrado, religioso, passou a ser apenas entretenimento entre os fidalgos europeus que frequentavam as peças e concertos apenas para sublimarem momentaneamente o tédio existencial e expor seus luxos. Enquanto que para os gregos a educação artística visava ao corpo e ao espírito dos seus cidadãos, ela agora estava reduzida aos interesses da lógica comercial, moldada pelo espírito do divertimento. Aos que chamavam a atenção dele de que na Grécia Clássica tão exaltada predominava a escravidão, respondeu que modernamente também imperava uma servidão: a escravidão ao Dinheiro.
Na época do espetáculo trágico clássico, as mais diversas expressões artísticas ainda mantinham-se unidas (o coro, os personagens, as falas, a música, o cenário, etc.). Com o fim da tragédia, após quase mil anos de encenações, aquela poderosa arte se fragmentou. Cada uma das partes que a compunham passou a ter vida própria, independentemente das demais. Orfeu, separado das musas, seguiu então um destino solitário.
Necessitava-se urgentemente restaurá-la. Wagner viu-se como uma espécie de imã capaz de atrair e remoldar o antigo drama, dando-lhe uma nova feição. Somente a Gesamtkunstwerke (a Obra de Arte Unificada), isto é, a reintegração da retórica, da escultura, da pintura, da música, do balé, do coro, etc., num só espetáculo é que poderia restabelecer a conexão entre a comunidade e a arte, reconstruindo a sensibilidade extraviada.
E para que isso pudesse ser possível era preciso uma Grande Revolução da Humanidade. Somente uma Humanidade Livre dela irá usufruir, tendo-se abolido então todas as barreiras culturais e sociais.
Mas qual o objetivo final desta imensa obra de restauração? Para Wagner, tratava-se, seguindo nas pegadas de Goethe, de formar um Novo Homem, um Novo Grego. Ser suficientemente livre das necessidades materiais e dos interesses comerciais, e que fosse forte e belo (a revolução lhe traria a força e, a arte, a beleza). Com a energia então liberada, seu lazer ampliado, haveria uma enorme e espantosa manifestação do impulso cultural. Todos os homens poderiam transformar-se em artistas num teatro inteiramente emancipado da avareza e do ganho argentário*.
*Foi nesta mesma época que ele publicou anonimamente um artigo intitulado Das Judenthum in der Musik (Judaísmo na Música) na Neue Zeitschrifft für Musik (Leipzig, 1850), onde, além de atacar Giacomo Meyerbeer e Felix Mendelssohn, seus colegas, associou o teatro comercial aos interesses dos judeus. Como tantos outros antissemitas, o compositor confundiu o avanço das relações capitalistas, um modo de produção histórico, com o judaísmo.
O Povo como Artista Supremo
Num ensaio complementar intitulado Kunstwerk der Zukunft (A Obra de Arte do Futuro), além de voltar ao mote de não haver arte verdadeira senão que nas condições de uma humanidade livre, ele atribuía aos "políticos" os males do mundo. A eles, a esses seres nocivos, ele opunha a grandeza do "povo". A razão disso é que o povo é o único a "atuar de acordo com os ditados da natureza" que ele definiu como "a soma de todo os que sentem uma vontade comum". Era o povo que se contrapunha aos que "não sentem necessidade alguma" e que só encontram satisfação no luxo, realizando-se "a custa dos sacrifícios dos necessitados". Portanto, a arte do seu tempo, do tempo de Wagner, não podia ser senão que artificial, algo supérfluo mantido apenas para fazer as horas passarem numa existência dedicada à futilidade.
A solução, reiterou seguidas vezes, era a Obra de Arte Unificada. Somente ela teria as condições ilimitadas de representar a natureza humana aperfeiçoada, capaz de rearticular o intelecto (a fala), o coração (som) e o sopro (os gestos), recompondo deste modo a identidade original do homem estraçalhada pelos interesses materiais.
Ao fazer retornar a sincronia das três principais irmãs da arte: a dança, o som e a poesia, a unificação se veria restaurada em caráter definitivo. Assim feito, tudo o que até então passava por arte seria banido, surgindo no seu lugar a arte do futuro.
A verdadeira maravilha, exemplo magnífico disto, seria realizar a simbiose entre o teatro de Shakespeare e as sinfonias de Beethoven, feito ao qual Wagner irá dedicar-se pelos 30 anos seguintes que lhe restaram.
Da arte comunal
Wagner apresentou em seus escritos teóricos uma visão muito limitada do Estado. Para ele, as monarquias nacionais existiam apenas para satisfazer os caprichos das dinastias europeias. Elas eram um entrave à consagração e fraternização dos povos. Assim sendo, ainda que reconhecendo a enorme importância do Estado na promoção e no amparo as artes, especialmente da arquitetura, e hostil àquelas promovidas pelos indivíduos (os empresários da arte), exaltou a Arte Comunal como a única capaz de representar a autenticidade de um povo.
Alinhou-se assim a moda posta em voga pelo romantismo dos tempos de Jean-Jacques Rousseau, um confesso admirador dos espetáculos públicos da Antiguidade, exaltadores do civismo, aos quais contrapunha às limitações do teatro moderno, fechado, voltado a um público seleto, entendido mais como um passa tempo sem maiores consequências.
Enquanto o Príncipe Dinástico era protetor do teatro fidalgo ou burguês, individualista e egoísta, regido por interesses mesquinhos, o compositor celebrou o Príncipe Artista, o homem de gênio capaz de conduzir o povo de volta às celebrações coletivas, às emoções ardentes e autênticas da comunidade em festa. Era ele quem reintroduziria a ideia de heroicidade no povo, posta a margem pelo predomínio moderno de uma sociedade materialista e medíocre.
Siegfried desperta Brunilde Foto: Arte de Otto Donner von Richter / Gravura de R. Bong / Reprodução
Siegfried desperta Brunilde
Foto: Arte de Otto Donner von Richter / Gravura de R. Bong / Reprodução
Isto é que explica a releitura das lendas e sagas ancestrais feitas por Wagner que tratavam das façanhas dos cavaleiros germânicos, de Lohengrin, de Siegfried, de Parsifal, valentes homens de espada que não temiam frente a ninguém. A celebração da vida heroica era um modo de atacar a existência rotineira e medíocre do filisteu moderno.
Um espaço especial para sua arte
Mais tarde, tendo abandonado completamente seu ideário juvenil de uma arte engajada a favor da libertação das massas, urdiu a possibilidade de criar um espaço especial para suas óperas. Numa pequena memória que redigiu ao rei Ludwig II da Baviera, seu principal mecenas e protetor, ele confessou seu engano em acreditar que uma arte autêntica pudesse emanar do povo. Quis ser o Homero, o Ésquilo do povo alemão. Do mesmo modo como os gregos buscaram nos ancestrais, no passado mitológico da Helade, a inspiração para seus dramas, ele faria o mesmo com a mitologia nórdica, com as sagas contidas na Poética Edda. Foi o jovem filósofo Nietzsche, de quem ele se tornara amigo em 1868, apesar da diferença de idade, quem disse ser a ópera wagneriana o renascimento da tragédia clássica.
Por igual mudou seu entendimento sobre a origem da arte. Somente uma elite sofisticada é que poderia dar suporte ao magistral. Para tanto ele procurou o auxílio dos grandes do seu tempo para que subscrevessem os Certificados de Patrocínio para que ele pudesse construir um teatro apenas para encenar as suas óperas. Um templo de arte, uma arena de Dionísio, que pudesse expor a Obra de Arte Unificada por inteiro e que abrisse suas portas somente em função disto.
O local escolhido para a encenação permanente das suas óperas foi a cidade de Bayreuth, situada ao norte da Baviera, onde também o rei o amparou na construção da sua derradeira mansão: a Villa Wahnfried. Sobre esta derradeira morada ele escreveu: Hier, wo mein Wähnen Frieden fand WAHNFRIED Sei dises Haus von mir bennat ("Aqui onde minhas ilusões encontraram a paz / Deixam-me chamar esta casa de "paz das ilusões").
Naquela cidade, na segunda semana de agosto de 1876, ele deu por inaugurado o 1º Bayreuth Festspiele, apresentando a um público extasiado a sua Tetralogia dedicada ao Der Ring des Nibelungen, o Anel dos Nibelungos, tema sobre o qual os primeiros esboços haviam sido feitos por ele em 1848. Obra-prima suprema composta pelo prelúdio Reihngold, seguido de Die Walkirien, Siegfreid, encerrando-se com o Gotterdämmerung, que ele começara no seu tempo de revolucionário e finalmente concluída como epitáfio, como seu derradeiro adeus ao mundo.
Inspirada no ciclo da tragédia grega, em cada dia é encenada uma das suas componentes. A plateia então presente, formada por magnatas e figurões de todos os quadrantes, impressionou-se pela magnitude e extraordinária força da obra wagneriana, consagrando-o como um dos gênios do século.
BIBLIOGRAFIA
Geck, Martin. Richard Wagner. Hamburgo: Rowohlt Verlag, 2004.
Millington, Barry. Wagner, um compêndio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.
Newman, Ernst. Wagner, el hombre y el artista. Madri; Taurus, 1982.
Nietzsche, Friedrich. O Nascimento da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo. São Paulo: Cia. Das Letras, 1999.
Schneider, Marcel. Wagner. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
Wagner, Richard. A Obra de Arte do Futuro. Lisboa. Antígona, 2003.
Wagner, Richard. Arte e Revolução. Lisboa: Antígona, 1999.
Fonte: Terra