Entre os dias 23 e 27 de novembro de 1935, algumas guarnições militares sediadas em Natal (RN), Recife (PE) e no Rio de Janeiro rebelaram-se, em nome da Aliança Nacional Libertadora, contra o governo constitucional de Getúlio Vargas.
Tem sido um enigma histórico que atravessa os tempos descobrir qual o real motivo que levou os soviéticos a apoiarem o levante comunista de 1935, num país tão distante como o Brasil. Por que razão eles financiaram e deram apoio logístico a que revolucionários que agiam do outro lado do mundo dessem início à uma rebelião?
As ordens da insurreição partiram de um pequeno núcleo de conspiradores do Partido Comunista liderados por Luís Carlos Prestes que, acompanhando pela agente da Internacional Comunista Olga Benário, vivia clandestinamente num bairro do então Distrito Federal.
Rapidamente a revolução militar foi sufocada (denominada de Intentona Comunista de 1935), provocando como reação a ela a maior onda de prisões até então vista na história do país.
A ajuda soviética aos comunistas brasileiros
Tem sido um enigma histórico que atravessa os tempos descobrir qual o real motivo que levou os soviéticos a apoiarem o levante comunista de 1935, num país tão distante como o Brasil. Por que razão eles financiaram e deram apoio logístico a que revolucionários que agiam do outro lado do mundo dessem início à uma rebelião?
Estranha-se ainda mais porque tal apoio deu-se justamente quando a política da Comintern (a Internacional Comunista controlada por Moscou) já se alinhava em torno de propostas defensivas e não ofensivas como foi o golpe de Prestes. Sabe-se que houve um empenho pessoal do presidente do Comitê executivo da Comintern, o professor Dimitri Manuilski, para que a operação brasileira tivesse sucesso.Luís Carlos Prestes deu ordens de insurreiçãoFoto: Reprodução
Outros indicam que os soviéticos se fiaram nos relatórios completamente irreais apresentados pelos dirigentes do PC brasileiro, enviados à direção da Comintern.
Em agosto de 1935, por exemplo, o dirigente Fernando de Lacerda afirmava em sua exposição ao VII Congresso da Comintern, que "milhões de brasileiros se reuniam em torno da Aliança Nacional Libertadora" e que o "povo enfurecido com a ação do governo contra a ANL (Aliança Libertado nacional, frente anti-fascista liderada pelos comunistas brasileiros) agitava greves e acorria aos milhares aos comícios de protesto"; quando, de fato, o intelectual marxista Caio Prado Júnior apenas conseguia mobilizar 5.000 simpatizantes num protesto contra o fechamento da Aliança, determinado por decreto presidencial em 17 de julho de 1935.
Outros atribuem a Antônio Maciel Bonfim, o Miranda, o líder do PC na época, a responsabilidade por ter defendido as propostas insurrecionais, fazendo crer aos soviéticos que bastava um pequeno impulso do Partido para que o país inteiro entrasse em rebeldia aberta contra Vargas. Todavia, nada disso parece realmente convincente. Relatórios delirantes de chefes revolucionários são uma constante: todo o dirigente comunista gostava de afirmar aos seus pares que sua organização atingira a "alma do proletariado", que mais do que nunca as "condições objetivas eram propícias", e que a revolução "está às portas".
Os soviéticos já deviam estar cansados de receber este tipo de relatório, principalmente de latino-americanos. Gramsci poderia estar certo ao afirmar que a verdade é sempre revolucionária, mas o mesmo não se pode dizer dos relatórios dos revolucionários.
Os feitos militares de Prestes comandando a coluna invicta haviam corrido o mundo. Seguramente foi a insistência do caudilho comunista em afirmar as possibilidades de sucesso de uma rebelião no Brasil que os convenceu
A possível e verdadeira razão do apoio soviético foi o fascínio que Luís Carlos Prestes exerceu sobre os dirigentes da Cominter, principalmente Manuilski (um burocrata encantado em poder conviver com um revolucionário legendário e de carne e osso). Os feitos militares de Prestes comandando a coluna invicta haviam corrido o mundo. Seguramente foi a insistência do caudilho comunista em afirmar as possibilidades de sucesso de uma rebelião no Brasil que os convenceu. Além do mais, sua seriedade, honestidade e retidão de caráter, aliados a uma vida ascética e disciplinada, faziam de Prestes um vivo contraste com os aventureiros latino-americanos que viviam rondando Moscou com sugestões dementes.
Foi a palavra dele, a certeza em afirmar o sucesso da rebelião e não os relatórios de figuras menores como Fernando de Lacerda e "Miranda", quem convenceu os soviéticos de que era possível derrubar o governo do "reacionário" Getúlio Vargas.
Por igual, não pode-se descartar a tentação otimista que a proposta prestista oferecia naquela ocasião. Os comunistas só tinham conhecido a derrota. Foram destroçados na Europa Ocidental pela força do nazi-fascismo enquanto que na China os maoístas encontravam-se cercados pelas campanhas de extermínio ordenadas pelo general nacionalista Chiang Kai-shek. Por que, devem ter pensado, não tentar inverter o clima derrotista que parecia contagiar o movimento comunista como um todo? O Brasil era um recanto remoto e desconhecido, exótico o suficiente para excitar a imaginação dos soviéticos e, quem sabe, ali poderia, por meio de um gesto de audácia, ter início a mudança da maré a favor dos vermelhos. Se o intento de Prestes fosse bem sucedido, as forças fascistas poderiam aliviar a pressão sobre a União Soviética e desviar-se para a América Latina. Os soviéticos, enfim, viram que não tinham nada a perder em apoiar o ex-líder da coluna.
Prestes, o motim feito homem
Nos anos trinta, Luís Carlos Prestes (um ex-capitão do exército, nascido em Porto Alegre, em 1898) era inquestionavelmente um dos personagens mais populares do país, situação de fama e prestígio que Getúlio Vargas só alcançaria posteriormente. A celebridade dele adviera das notáveis façanhas que desempenhara na chefia do estado-maior da Coluna, que o qualificaram corno um dos mais brilhantes guerrilheiros da História contemporânea. Realmente, fora um feito incrível marchar a cavalo por mais de 24 mil km pelo interior do Brasil dando combate as mais variadas forças que lhe saíram no encalço.
O que eles viram foi um choque. Os jovens oficiais da Coluna Prestes (1924-27) não podiam imaginar que pudesse existir tanta barbárie e primitivismo no Sertão do país. Por onde cavalgaram depararam-se com populações quase que saídas do neolítico, brutalizadas por uma estrutura fundiária atroz que as reduzia à um vida isolada e infeliz, sem os mínimos confortos da civilização e da modernidade.
Quando Prestes exilou-se na Bolívia, juntamente com mais de seiscentos sobreviventes da Coluna Invicta, em fevereiro de 1927, seu destino já estava traçado. Havia-se encerrado um dos maiores feitos de militares brasileiros e ele revelara-se como uma verdadeira raposa do Sertão. A indignação de Prestes com a miséria e a iniqüidade social existentes num país prodigioso como o Brasil, nunca mais o abandonou. O rebelde virou um motim feito homem.
Abordado no exílio pelo então secretário-geral do Partido Comunista, Astrogildo Pereira, ele rapidamente passou a dominar a literatura marxista posta ao seu alcance. No entanto, sua entrada oficial no PC só foi oficializada sete anos depois, em 1934, por insistência do Presidente do Comitê Executivo da Internacional Socialista, Dimitri Manuilski.
Da Bolívia, Prestes seguiu para Buenos Aires, travando contato mais estreitos com os conspiradores da revolução que se tramava contra a República Velha. Prestes denunciou as promessas da Aliança Liberal (formada pelas oligarquias dissidentes do RGS e da Paraíba), tais como o voto secreto, a liberdade eleitoral, a honestidade administrativa, como sendo incapazes de "interessar à grande maioria da nossa população". No Manifesto de Maio de 1930 conclamou o povo à realização da revolução agrária e a arregimentação das forças para "a luta antiimperialista realizada e sustentada pelas grandes massas da nossa população".
O rompimento de Prestes com seus outros companheiros da coluna, como Cordeiro de Farias, João Alberto e Juarez Távora, foi definitivo. Desde então, em vários momentos da história republicana, eles se reencontrarão mas em trincheiras opostas.
Especula-se até os nossos dias se os destinos da Revolução de 30 não teriam sido outros, bem mais profundos e radicais, se ele tivesse aceitado o seu comandante militar( é opinião de Maria Cecília Spina Forjaz, in "Tenentismo e política", 1977). Vargas nunca se celebrizou como chefe de tropas, era um cérebro eminentemente político. Assim sendo talvez na presença de Prestes ao lado dele, de Vargas, pudesse ter acelerado certos projetos sociais de uma maneira mais eficaz ou, na dialética tão comum aos processos revolucionários, o líder militar poderia ter-se convertido no líder político.
Para ligar "O Cavaleiro da Esperança" à Aliança Liberal, o projeto Varguista de chegar ao poder, Getúlio remeteu ao líder da coluna o valor de 100 mil pesos argentinos para que ele aderisse a sua causa ( Prestes depois doou esses valores à Internacional Comunista, cuja sede ficava em Montevidéu).
O fato é que Prestes, negando-se a participar da revolução proposta pelos emissários de Getúlio, ficou de fora do acontecimento político e social mais significativo do Brasil contemporâneo: a Revolução de 30. Foi um dos tantos erros políticos dele. A raposa do sertão mostrava-se arredia em participar das confabulações citadinas, sentindo-se estranha em meio àqueles políticos retóricos.
Deste modo, ao eclodir o movimento de 3 de outubro de 1930, "O Cavaleiro da Esperança" encontrava-se não só rompido ideologicamente com seus ex-companheiros da coluna como totalmente afastado da revolução conduzida por Vargas. Ainda em Buenos Aires, estava totalmente isolado, sem que tivesse qualquer elo de ligação significativo com o Brasil. Deste modo, só lhe restou aceitar o convite dos soviéticos, sabendo-o um recém-converso ao marxismo, para que fosse visitar Moscou, para onde embarcou em 1931.
Fonte: Terra