11.2.07

Justa medida que nos falta

Justa medida que nos faltapor Leonardo Boff
A cultura imperante é em tudo excessiva. Não tem o sentido da autolimitação nem o senso da justa medida. Por isso está em crise, perigosa para o seu próprio futuro. O desafio é: qual é a justa medida que preserve o capital natural e a sobrevivência? A justa medida é o ótimo relativo, o equilíbrio entre o mais e o menos. Por um lado, a medida é sentida negativamente como limite às nossas pretensões. Daí nascem a vontade e até o prazer de violar o limite. Por outro, é sentida positivamente como a capacidade de usar, de forma moderada, as potencialidades para durarem mais. Isso só é possível quando se encontra a justa medida.
As culturas da Bacia Mediterrânea, de onde viemos, egípcia, grega, latina e hebraica postularam sempre a busca da justa medida. Essa era e é também a preocupação central do budismo e da filosofia ecológica do Feng-Shui chinês. Para todas, os símbolos maiores eram a balança e as respectivas divindades femininas tutoras da justa medida.
A deusa Maat dos egípcios cuidava para que tudo fluísse equilibradamente. Mas os sábios egípcios cedo entenderam que a justa medida exterior só se alcança a partir da justa medida interior. Sem a convergência da Maat interior com a exterior perdemos a justa medida, vale dizer, o equilíbrio, e nos mostramos destrutivos.
Uma das características fundamentais da cultura grega foi a busca insaciável da medida, em tudo (métron). Clássica é a formulação: méden ágan, ''nada em excesso''.
A deusa Nêmese, venerada por gregos e latinos, representava a justa medida na ordem divina e humana. Todos os que ousassem ultrapassar a própria medida (chamada de hybris - auto-afirmação arrogante) eram imediatamente fulminados por Nêmese. Assim os campeões olímpicos que, semelhante aos dias atuais, se deixavam endeusar pelos fãs ou os filósofos e os artistas que permitiam a excessiva exaltação de suas vidas e obras.
A Bíblia hebraico-cristã funda a medida justa no reconhecimento do limite intransponível entre Criador e criatura. A criatura jamais será como Deus. Essa era a pretensão de nossos ancestros no paraíso terrenal. Imaginavam que o conseguiriam caso comessem do fruto proibido. Comeram dele, ultrapassaram o limite imposto, não viraram Deus e foram expulsos do paraíso. Pecado é recusar o limite, é não reconhecer a condição de criatura. Apesar da expulsão, permaneceu o imperativo da justa medida na forma do ''cultivar e guardar'' o jardim do Eden, vale dizer, de viver a ética do cuidado. Por detrás de ''cultivar'' ressoam sempre ''culto'' e ''cultura'', que sinalizam o trato respeitoso da Terra (culto). E por detrás de ''guardar'', o aproveitamento sustentável de seus recursos para atender necessidades humanas, e não para fins de acumulação. Na linguagem bíblica, ser ''imagem e semelhança de Deus'' significa ser o representante e o lugar-tenente de Deus no meio da criação. Como tal, deve prolongar o ato criador divino, criando também com a mesma benevolência com que Deus criou toda as coisas (''e viu que tudo era bom''). O efeito final das intervenções, sob a justa medida, é a cultura como hominização e humanização da natureza.
Aprendamos dos antigos como sanar a crise civilizacional: vivendo sem excesso, na justa medida e no cuidado essencial para com tudo o que nos cerca.
Fonte: http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/colunas/boff/
Leonardo Boff