8.7.10

Joaquim Nabuco: Um pilar do abolicionismo

Há cem anos falecia o político e intelectual brasileiro que em livros, artigos e discursos defendeu o fim da escravidão
por rodrigo estramanho de almeida*

Ilustração Leandro Valquer

Há pouco mais de cem anos, em 17 de janeiro de 1910, falecia em Washington, EUA, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo. Historiador, memorialista, deputado e diplomata, Joaquim Nabuco foi um dos mais importantes intelectuais brasileiros. Sua importância não decorre apenas do fato de ter sido figura central nos debates do Segundo Reinado, mas também por Nabuco ter, mesmo educado dentro de princípios escravocratas, elevado com vigor e eloquencia o debate sobre a escravidão e a luta por seu fim.

Joaquim Nabuco nasceu em 19 de agosto de 1849 na cidade de Recife, em Pernambuco. Filho de José Tomás Nabuco de Araújo e Ana Benigna de Sá Barreto, era rebento de família influente da qual despontaram magistrados e políticos como o seu pai, que foi, no Império, deputado, presidente de província, ministro da justiça e senador.

Depois da infância transcorrida com os padrinhos no engenho de Massangana, onde teve contato com a realidade da vida dos escravos, foi em 1857 residir na corte. No Rio de Janeiro, cursou o primário e o secundário. A fase do colégio, escreveu Nabuco, não foi de grande importância "ainda que ali, provavelmente, tenha sido lançada no subsolo da minha razão a camada que lhe serviu de alicerce: o fundo hereditário do meu liberalismo" (NABUCO, 2004, p.31).

Em 1863 obteve o bacharelado em Letras no Colégio Pedro II e, três anos mais tarde o jovem liberal se mudou para São Paulo onde iniciou o curso de direito e fundou um pequeno jornal intitulado A Tribuna Liberal. no qual escreveu páginas críticas às instituições imperiais. Em 1869, retornou ao Recife e completou em 1870 o curso na Faculdade de Direito, diplomando-se em Ciências Sociais e Jurídicas. Durante este período da fase acadêmica, Nabuco teve contato com intelectuais da época, muitos monarquistas, outros republicanos. O diálogo com personalidades como as de Saldanha Marinho (1816-1895), Quintino Bocaiúva (1836-1912), entre outros, só fizeram definir melhor a linha que o futuro deputado Nabuco tinha com o liberalismo.

Se interessou sempre a Joaquim Nabuco o tema da escravidão é porque, possívelmente, entendia que tal polêmica ligava-se a algo de "universal" e que a questão da liberdade humana estava em jogo no seu país. Ou seja, algo que dizia respeito aos prenúncios liberais da civilização ocidental

Nabuco não negava que nos anos de juventude suas ideias eram um tanto quanto confusas pelo resultado da mistura ideológica. Mas em meio a essa confusão, nunca o seu pensamento tendeu a aspirações conservadoras, pois como disse, "politicamente o fundo liberal ficou intacto, sem mistura sequer de tradicionalismo. Seria difícil colher-se em todo o meu pensamento um resquício de tendência conservadora"(NABUCO, 2004, p.34).

A partir dos anos 1870, a vida intelectual e política do Brasil recebeu, parafraseando Silvio Romero (1851-1914), "um bando de novas ideias". Republicanismo, positivismo, federalismo contagiaram os debates fossem eles sobre arte, sociedade ou política. Nabuco viveu intensamente a leitura e a discussão dessas ideias, mas, em meio a este turbilhão, não mudou de todo o seu pensamento sobre os problemas de seu tempo, pois já atinava como preocupação central de suas reflexões o tema da escravidão. Consta que foi no ano de 1869, durante o início do curso na Faculdade de Direito do Recife, que Joaquim Nabuco dedicou-se à elaboração dos escritos de A Escravidão, livro que permaneceu inédito até 1988.

Um monarquista liberal

No início dos anos 1870, após sua formatura, Joaquim Nabuco retornou à corte para se dedicar à carreira de advogado. Um ano antes, no entanto, a leitura do livro A Constituição Inglesa, do pensador político inglês Walter Bagehot (1826-1877), foi decisiva para por ordem às ideias do recém-formado advogado. Diante das proposições de Bagehot, Nabuco definiu com clareza suas ideias políticas e firmou sua preferência pelo regime monárquico. Afirmou Joaquim Nabuco que "dos dois governos, o inglês e o norte-americano, último parecia-me mais livre, mais popular. Por motivos diferentes, a monarquia constitucional, democratizada por instituições radicais, seria ainda para o Brasil um governo preferível à república mesmo pelo fato de já existir; mas, em tese, entre essa monarquia e a república, a superioridade, se havia, estava do lado desta" (NABUCO, 2004, p.37).

A mudança decisiva pela qual passou o radical Joaquim Nabuco, que escrevia contra o reinado de Dom Pedro II, e que passou em pouco tempo a escrever em defesa da monarquia constitucional, está registrada em suas colaborações para o jornal A Reforma. Se em 1871 podia-se ler um artigo de Joaquim Nabuco atacando ferinamente o Segundo Reinado, em 1873, outro artigo do mesmo Nabuco defendia as instituições monárquicas e o próprio imperador. Deste modo, em meio ao turbilhão das ideias em que viveu, um perfil se definiu com clareza - Nabuco, com pouco mais de vinte quatro anos de idade, era um monarquista liberal profundamente preocupado com a questão que lhe saltou aos olhos desde tenra idade e nunca o abandonou durante os períodos de confusão ideológica: a escravidão.

Nabuco, com pouco mais de vinte quatro anos de idade, era um monarquista liberal profundamente preocupado com a questão que lhe saltou aos olhos desde tenra idade e nunca o abandonou durante os períodos de confusão ideológica: a escravidão

Ainda na década de 1870, outros fatos são importantes para que se registre a atividade e o perfil intelectual de Joaquim Nabuco. No ano de 1872, publicou o seu primeiro livro, Camões e os Lusíadas, e antes já havia publicado pequenos textos sobre literatura. De fato, Nabuco não se deteve apenas à literatura política e filosófica. Entre as leituras filosóficas de Espinosa, Plotino, Kant e Hegel enfileiravam-se as poéticas de Dante, Victor Hugo, Shelley e Goethe. Na prosa, impressionou-lhe Chateaubriand, Cícero e principalmente Renan, para o qual escreveu em homenagem, em 1869, Le Droit du Meurtre. Ainda entre suas leituras, outros pensadores destacavam-se, como Ranke, Taine, Burckhardt e Jules Sandeau.

Estas leituras combinadas ao exercício constante da escrita fizeram de Joaquim Nabuco um exímio escritor, além de grande orador em tribuna. A este respeito, afirmou o sociólogo Gilberto Freyre, ao prefaciar uma das edições da autobiografia que Nabuco escreveu em 1900, intitulada Minha Formação: "Joaquim Nabuco foi decerto o primeiro homem público brasileiro a descobrir-se com a própria mão de grande escritor; e em autobiografia tão psicológica como sociologicamente valiosa, além de notável pela sua qualidade literária. Uma das expressões mais altas da literatura em língua portuguesa" (FREYRE, 2004, p.9).

"Atração do mundo"

Em 1873, Nabuco fez sua primeira viagem à Europa, fortalecendo a sua inclinação monárquica e aniquilando por completo qualquer predisposição republicana que talvez ainda lhe restasse. Em pouco menos de um ano, visitou Paris, Itália, Genebra e Londres, onde expandiu sua visão cosmopolita no contato direto e íntimo com novas impressões literárias e artísticas. A viagem permitiu um afastamento completo das impressões brasileiras e confirmou-lhe sua "atração do mundo".

Nabuco dizia-se mais um espectador do século do que um espectador de seu próprio país (NABUCO, 2004, p. 53) e isto, como de certo modo propunha Nabuco, devia-se à inevitável ligação que os povos americanos estabeleceram com a Europa pelo simples fato de serem, aqueles, frutos do processo de expansão desta. Assim, não há como pensar em uma vida intelectual original do brasileiro, posto que esta vida não seja se não o choque dos elementos da visão local articulada a todo o caldo de cultura do velho mundo. Neste contexto é que Nabuco definia-se como um espectador do seu século antes do que de seu próprio país. Para ele, a civilização era a peça que se estava apresentando em todos os teatros da humanidade (NABUCO, 2004, p. 53).

Deste modo, a dedicação de Joaquim Nabuco à filosofia, à literatura e à política não pode ser compreendida como um interesse entrelaçado às questões do Brasil de seu tempo. Assim, embora o tema que mais lhe atraíu em vida fosse um tema demasidamente presente na realidade brasileira, como era o tema da escravidão, e por mais que mostrasse em sua produção preocupação constante com os destinos da nação brasileira, pode-se afirmar que Joaquim Nabuco era um intelectual interessado, sobretudo, na Europa.

A escravidão era então entendida por Nabuco não como uma simples palavra, mas sim como um sistema que subordinava homens negros ao trabalho compulsório e impedia o desenvolvimento do país

Não assusta tal posição. Aristocrata, branco e ilustrado, ele mesmo tinha completa noção desta contradição. A ligação de ânima com a terra natal dividia-se com as impressões da civilização europeia. Assim, afirmou Nabuco, "quando eu tivesse, que não tive, as qualidades precisas, estava impedido para a política pela imcompressibilidade do meu interesse humano. Politicamente, receio ter nascido cosmopolita. Não me seria possível reduzir minhas faculdades ao serviço de uma região local, renunciar a qualidade que elas têm voltar-se espontaneamente para fora" (NABUCO, 2004, p. 55).

Deste modo, se interessou sempre a Joaquim Nabuco o tema da escravidão é porque, possívelmente, entendia que tal polêmica ligava-se a algo de "universal" e que a questão da liberdade humana estava em jogo no seu país. Ou seja, algo que dizia respeito aos prenúncios liberais da civilização ocidental estavam candentemente presentes no Brasil e, portanto, o tema da escravidão não estava restrito somente à trajetória do Brasil, mas sim à história universal, daí sua dedicação quase que exclusiva ao tema (WEFFORT, 2006, p. 204-206).

Nas últimas linhas do prefácio de O Abolicionismo, obra de 1883 na qual Nabuco discorreu sobre os motivos e a razão de se fazer livres todos os cativos do Brasil, aparece claramente qual o teor do problema para o autor e quais os objetivos de sua investidura no que julgava ser a questão mais importante de seu país e o que finalmente o elevaria à posição digna perante ao mundo: "Quanto a mim, julgar-me-ei mais do que recompensado, se as sementes de liberdade, direito e justiça, que estas páginas contêm, derem uma boa colheita no solo ainda virgem da nova geração; e se este livro concorrer, unindo em uma só legião os abolicionistas brasileiros, para apressar, ainda que seja de uma hora, o dia em que vejamos a independência completada pela abolição, e o Brasil elevado à dignidade de país livre, como o foi em 1822 à de nação soberana, perante a América e o mundo" (NABUCO, 2000, p. 7).

O abolicionista

Em abril de 1876, Joaquim Nabuco tornou-se adido de legação nos Estados Unidos, cargo que exerceu até ser eleito deputado em 1878 pelo Partido Liberal, representando a província de Pernambuco. Por essa época, o discurso contra a escravidão e a campanha pela abolição tomaram mais fôlego. Esta investidura cada vez mais radical em torno da questão da abolição o levou a criar, juntamente com André Rebouças (1838-1898), em meados de 1880, a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão.

No fim do ano de 1881, Nabuco foi derrotado como canditado para a Câmara dos Deputados. Nesse mesmo ano, partiu para Londres. Lá escreveu O Abolicionismo. Nesse período, em contato com diversas sociedades abolicionistas do mundo, Nabuco se tornou membro da British and Foreign Anti-Slavery Society. Em 1884, regressou ao Brasil e se candidatou novamente à Câmara dos Deputados. Nesse ano, foram muitos os comícios de Nabuco com discursos totalmente embebidos na campanha contra a escravidão.

Joaquim Nabuco, homem vaidoso, excelente orador e político de grandes causas

Nabuco, na década de 1880, já era um dos homens mais conhecidos do Brasil. Em 1885 foi eleito deputado, mas sua candidatura não foi aceita pela câmara que rechaçou o seu mandato. Nesse mesmo ano publicou os textos frutos da dedicação à campanha em volume, intitulado Campanha Abolicionista no Recife. Nabuco só assumiu a legislatura de deputado por Pernambuco em junho do mesmo ano quando outros candidatos liberais de sua província o apoiaram integralmente ao ponto de não concorrerem para o favorecer. Eleito deputado, atuou fortemente nos debates para aprovação da Lei Saraiva-Cotejipe, mais conhecida como Lei dos Sexagenários - que libertou todos os cativos com sessenta e cinco anos ou mais.

Decerto que não foi Nabuco o único político brasileiro a se dedicar ao tema da escravidão, mas sem dúvida foi o que se dedicou com grande paixão e vigor. Não obstante, as fileiras abolicionistas no Brasil, embora não muito grossas, romontavam há tempos anteriores ao nascimento de Nabuco. Mesmo José Bonifácio (1763-1838), o patriarca da independência, já havia atentado para o fato de que a escravidão significava grande obstáculo ao desenvolvimento da nação.

Neste sentido, é importante também trazer à tona que, por diversas motivações de ordem interna e externa, outras medidas paliativas aos males da escravidão já haviam sido debatidas e regulamentadas durante o Segundo Reinado. É de 1850 a Lei Eusébio de Queiros que pôs fim ao tráfico de escravos, e de 1871 a Lei do Ventre Livre que conferiu liberdade a todo nascido negro, filho de escravo, a partir daquele ano. A Lei dos Sexagenários de 1885 pode, de certo modo, ser entendida como continuidade destas outras medidas legais paliativas. O próprio Nabuco, embora, por motivos óbvios, tenha apoiado a lei, fazia críticas a este movimento de libertação gradual, considerando algo moderado.

Em janeiro de 1886, Nabuco foi derrotado nas eleições e não se reelegeu como deputado por Recife. O afastamento temporário da câmara não o distanciou da vida política. Em 1887, depois de viagem à Londres, Nabuco voltou á Recife onde se candidatou novamente para deputado e, mesmo diante de forte oposição, elegeu-se. Nesse ano, houve reconhecimento definitivo de que era o principal líder do movimento abolicionista brasileiro. Com legislatura fortalecida por seu amplo reconhecimento, Nabuco propôs que o projeto para abolição da escravatura fosse apreciado em caráter de urgência. Por essas é que em 13 de maio de 1888 foi aprovada e promulgada a Lei Áurea que colocou fim à escravidão.

Em tempos republicanos

Em agosto de 1889, Joaquim Nabuco foi mais uma vez eleito para deputado no Recife. Pouco tempo depois, em 15 de novembro do mesmo ano, um golpe pôs fim ao Segundo Reinado e instalou o governo provisório republicano. No ano seguinte, afirmando posição contra o novo regime, Nabuco publicou Por que Continuo a Ser Monarquista. Ainda em 1890, mudou-se para Londres, de onde foi correspondente do Jornal do Brasil até maio de 1891, quando retornou ao Brasil.

O ano de 1891 foi politicamente atribulado. O Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil republicano, renunciou após período de estado de sítio. Com sua renúncia, Floriano Peixoto assumiu a presidência e empreendeu governo fortemente centralizado e interventor. No fim daquele ano, depois de uma tentativa falida de manter um escritório de advocacia e pressionado pelos novos rumos da política brasileira, Nabuco, que a esta altura estava casado e era pai de dois filhos, foi residir, mais uma vez, na Europa. Permanceu em Londres até setembro de 1892, quando regressou mais uma vez ao Brasil para morar no Rio de Janeiro.

No ano de 1895, Joaquim Nabuco foi convidado a aderir à República. O convite de um almirante chamado Jaceguai foi feito por meio de um opúsculo aberto intitulado O Dever do Momento. Nabuco respondeu, também em opúsculo aberto intitulado O Dever dos Monarquistas, negativamente ao convite do almirante.

Contra a ascensão da República, Nabuco não estava sozinho. Juntamente com Afonso Celso (1860-1938), João Alfredo (1835-1915) e Lafaiete Pereira (1834-1917), Joaquim Nabuco fundou em janeiro de 1896 o Partido Monarquista. O Órgão de imprensa do partido era o jornal A Liberdade que foi dirigido concomitantemente por Nabuco e pelo católico Carlos de Laet (1847-1927). Poucos meses depois, por motivações de divergências internas, Nabuco deixou a direção do jornal, bem como o Partido Monarquista. Neste mesmo ano ingressou no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e no ano seguinte, em julho, participou juntamente com Machado de Assis da fundação da Academia Brasileira de Letras, da qual foi eleito secretário geral.

Entre 1898 e 1899, publicou Um Estadista do Império, importante contribuição intelectual para compreensão, bem como registro histórico, do Segundo Reinado. No ano seguinte, publicou sua autobiografia alhures citada, intitulada Minha Formação. Nesse mesmo período, Nabuco começou a se aproximar dos republicanos. Demonstrando, pouco a pouco, afastamento dos monarquistas, que sem a monarquia quase já não existiam, Joaquim Nabuco aceitou convite do governo da República para participar da Missão das Guianas, na qual defendeu interesses brasileiros na questão dos limites com a Guiana Inglesa.

Em 1900, assumiu interinamente a legação brasileira em Londres e neste mesmo ano se efetivou no cargo, tornando-se funcionário da República brasileira no exterior. Na primeira década do século XX, Nabuco foi todo dedicado às questões diplomáticas, participando de importantes negociações internacionais nos quais estavam em jogo interesses brasileiros. Em 1905, apoiado por Rio Branco (1845-1912), Nabuco foi nomeado embaixador brasileiro em Washington e no ano seguinte recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Columbia.

Ainda em 1907, Nabuco é diagnosticado com arteriosclerose e policitemia vera. A doença incurável o licencia por um curto período, mas não abate o ânimo do ativo político e intelectual que ainda representou o Brasil em relevantes questões internacionais até seu falecimento, no ano de 1910, em Washington.

O legado reformista

De toda a contribuição de Joaquim Nabuco para o pensamento brasileiro, não fica dúvida que o mais importante diz respeito às suas ideias sobre a escravidão. Ele acreditou que era possível reformar o império no sentido de encaminhar a produção para o trabalho livre eliminando a força cativa que sustentava os pilares de uma constituição fundamentalmente liberal. A escravidão era então entendida por Nabuco, não como uma simples palavra, mas sim como um sistema que subordinava homens negros ao trabalho compulsório e impedia o desenvolvimento do país, pois isso era também sinônimo de manutenção da vida agrícola e da dependência do Brasil em relação à produção industrial de outras nações.

Neste sistema não restava lugar à ascensão social se não pelo acesso aos cargos públicos, às redes de favores e aos casamentos arranjados. Ou seja, todo e qualquer tipo de relação entre os indivíduos, no sistema da escravidão, se dava às custas do trabalho do cativo que mantinha o Estado e as fortunas privadas. As diferenças regionais, na distribuição de riquezas, a indefinição dos mestiços e o isolamento dos grandes latifúndios que atrasavam as cidades eram consequência do sistema escravista.

Cem anos após a morte de Joaquim Nabuco, muita coisa mudou. O Brasil se modernizou e se tornou uma das grandes economias do mundo. Para que então nos servem as ideias de Nabuco? De saída, servem para nos lembrar que o piso de aparente liberdade sob o qual hoje pisamos está baseado em camadas de profunda desigualdade social e historicamente sedimentado na exploração de milhões de cativos, que por séculos fizeram manter o poder econômico e político de alguns poucos milhares de senhores. Se são ocos os ecos deste sistema, o mesmo não se pode dizer da desigualdade que ainda se faz presente em nossos dias. Uma vez decretrada a abolição, ainda falta, mais de cento e vinte anos depois, abolir nossa atemporal desigualdade social germinada e cultivada nos tempos idos da escravidão.

Referências

NA BUCO, Joaquim. Minha Formação. Belo Horizonte: Itatiaia, 2004

______. O Abolicionismo. São Paulo: Publifolha, 2000.

Sobre Joaquim Nabuco

ALONSO, Angela. Joaquim Nabuco: os salões e as ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

FREYRE, Gilberto. Introdução. In. NABUCO, Joaquim. Minha Formação. Belo Horizonte: Itatiaia, 2004, p. 9-24.

NOGUEIRA, Marco Aurélio. O encontro de Joaquim Nabuco com a política: as desventuras do liberalismo. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

WEFFORT , Francisco C. Joaquim Nabuco: a escravidão e a "obra da escravidão". In:______. Formação do Pensamento Político Brasileiro: ideias e personagens. São Paulo: Ática, 2006, p. 203-222.

Fundação Joaquim Nabuco. Recife: Fundaj. Disponível em: http://www.fundaj.gov.br. Acesso em: 18 de abril de 2010.

Fonte: portal Ciência & Vida