Márcio Ferrar Afetividade Diferentemente dos métodos tradicionais (que priorizam a inteligência e o desempenho em sala de aula), a proposta walloniana põe o desenvolvimento intelectual dentro de uma cultura mais humanizada. A abordagem é sempre a de considerar a pessoa como um todo. Elementos como afetividade, emoções, movimento e espaço físico se encontram num mesmo plano. As atividades pedagógicas e os objetos, assim, devem ser trabalhados de formas variadas. Numa sala de leitura, por exemplo, a criança pode ficar sentada, deitada ou fazendo coreografias da história contada pelo professor. Os temas e as disciplinas não se restringem a trabalhar o conteúdo, mas a ajudar a descobrir o eu no outro. Essa relação dialética ajuda a desenvolver a criança em sintonia com o meio. Movimento Biografia Crises sociais e instabilidades políticas foram fundamentais para o francês Henri Wallon construir sua teoria pedagógica. As duas grandes guerras mundiais, o avanço dos regimes fascista e nazista na Europa, a revolução comunista na Rússia e as guerras pela libertação das colônias africanas, na primeira metade do século 20, serviram de estímulo para que ele organizasse suas idéias. A valorização da afetividade (emoções) como elemento essencial no desenvolvimento da pessoa trouxe um novo alento à filosofia da educação. Isso explica, em parte, a visão marxista que deu à sua obra e por que aderiu, no período anterior à Primeira Guerra, aos movimentos de esquerda e ao Partido Socialista Francês. "Ditadura e educação", dizia ele, "são inimigos eternos." Para pensar Quer saber mais? Henri Wallon: uma Concepção Dialética do Desenvolvimento Infantil, Izabel Galvão, 136 págs., Ed. Vozes, Fonte: Militante apaixonado, o médico, psicólogo e filósofo francês mostrou que as crianças têm também corpo e emoções (e não apenas cabeça) na sala de aula
Wallon foi o primeiro a levar não só o corpo da criança mas também suas emoções para dentro da sala de aula. Fundamentou suas idéias em quatro elementos básicos que se comunicam o tempo todo: a afetividade, o movimento, a inteligência e a formação do eu como pessoa. Militante apaixonado (tanto na política como na educação), dizia que reprovar é sinônimo de expulsar, negar, excluir. Ou seja, "a própria negação do ensino".
As emoções, para Wallon, têm papel preponderante no desenvolvimento da pessoa. É por meio delas que o aluno exterioriza seus desejos e suas vontades. Em geral são manifestações que expressam um universo importante e perceptível, mas pouco estimulado pelos modelos tradicionais de ensino.
As transformações fisiológicas em uma criança (ou, nas palavras de Wallon, em seu sistema neurovegetativo) revelam traços importantes de caráter e personalidade. "A emoção é altamente orgânica, altera a respiração, os batimentos cardíacos e até o tônus muscular, tem momentos de tensão e distensão que ajudam o ser humano a se conhecer", explica Heloysa Dantas, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), estudiosa da obra de Wallon há 20 anos. Segundo ela, a raiva, a alegria, o medo, a tristeza e os sentimentos mais profundos ganham função relevante na relação da criança com o meio. "A emoção causa impacto no outro e tende a se propagar no meio social", completa a pedagoga Izabel Galvão, também da USP. Ela diz que a afetividade é um dos principais elementos do desenvolvimento humano.
Wallon na escola: humanizar a inteligência
pessoa como um todo
Segundo a teoria de Wallon, as emoções dependem fundamentalmente da organização dos espaços para se manifestarem. A motricidade, portanto, tem caráter pedagógico tanto pela qualidade do gesto e do movimento quanto por sua representação. Por que, então, a disposição do espaço não pode ser diferente? Não é o caso de quebrar a rigidez e a imobilidade adaptando a sala de aula para que as crianças possam se movimentar mais? Mais que isso, que tipo de material é disponibilizado para os alunos numa atividade lúdica ou pedagógica? Conforme as idéias de Wallon, a escola infelizmente insiste em imobilizar a criança numa carteira, limitando justamente a fluidez das emoções e do pensamento, tão necessária para o desenvolvimento completo da pessoa.
Estudos realizados por Wallon com crianças entre 6 e 9 anos mostram que o desenvolvimento da inteligência depende essencialmente de como cada uma faz as diferenciações com a realidade exterior. Primeiro porque, ao mesmo tempo, suas idéias são lineares e se misturam – ocasionando um conflito permanente entre dois mundos, o interior, povoado de sonhos e fantasias, e o real, cheio de símbolos, códigos e valores sociais e culturais.
Nesse conflito entre situações antagônicas ganha sempre a criança. É na solução dos confrontos que a inteligência evolui. Wallon diz que o sincretismo (mistura de idéias num mesmo plano), bastante comum nessa fase, é fator determinante para o desenvolvimento intelectual. Daí se estabelece um ciclo constante de boas e novas descobertas.
O eu e o outro
A construção do eu na teoria de Wallon depende essencialmente do outro. Seja para ser referência, seja para ser negado. Principalmente a partir do instante em que a criança começa a viver a chamada crise de oposição, em que a negação do outro funciona como uma espécie de instrumento de descoberta de si própria. Isso se dá aos 3 anos de idade, a hora de saber que "eu" sou. "Manipulação (agredir ou se jogar no chão para alcançar o objetivo), sedução (fazer chantagem emocional com pais e professores) e imitação do outro são características comuns nessa fase", diz a professora Angela Bretas, da Escola de Educação Física da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. "Até mesmo a dor, o ódio e o sofrimento são elementos estimuladores da construção do eu", emenda Heloysa Dantas. Isso justifica o espírito crítico da teoria walloniana aos modelos convencionais de educação.
Henri Wallon nasceu em Paris, França, em 1879. Graduou-se em medicina e psicologia. Fez também filosofia. Atuou como médico na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ajudando a cuidar de pessoas com distúrbios psiquiátricos. Em 1925, criou um laboratório de psicologia biológica da criança. Quatro anos mais tarde, tornou-se professor da Universidade Sorbonne e vicepresidente do Grupo Francês de Educação Nova – instituição que ajudou a revolucionar o sistema de ensino daquele país e da qual foi presidente de 1946 até morrer, também em Paris, em 1962. Ao longo de toda a vida, dedicou-se a conhecer a infância e os caminhos da inteligência nas crianças. Militante de esquerda, participou das forças de resistência contra Adolf Hitler e foi perseguido pela Gestapo (a polícia política nazista) durante a Segunda Guerra (1939-1945). Em 1947, propôs mudanças estruturais no sistema educacional francês. Coordenou o projeto Reforma do Ensino, conhecido como Langevin-Wallon - conjunto de propostas equivalente à nossa Lei de Diretrizes e Bases. Nele, por exemplo, está escrito que nenhum aluno deve ser reprovado numa avaliação escolar. Em 1948, lançou a revista Enfance, que serviria de plataforma de novas idéias no mundo da educação - e que rapidamente se transformou numa espécie de bíblia para pesquisadores e professores.
Um mundo em crise
em Paris: conflitos em série.
A teoria de Henri Wallon ainda é um desafio para muitos pais, escolas e professores. Sua obra faz uma resistência contumaz aos métodos pedagógicos tradicionais. Numa época de crises, guerras, separações e individualismos como a nossa, não seria melhor começar a pôr em prática nas escolas idéias mais humanistas, que valorizem desde cedo a importância das emoções?
tel. (24) 2246-5552, 20 reais
A Infância da Razão: Uma Introdução à Psicologia da Inteligência de Henri Wallon, Heloysa Dantas, 112 págs., Ed. Manole, tel. (11) 4196-6000 (edição esgotada)
As Origens do Caráter na Criança, Henri Wallon, 278 págs., Ed. Nova Alexandria, tel. (11) 5571-5637
(edição esgotada)
As Origens do Pensamento na Criança, Henri Wallon, 540 págs., Ed. Manole (edição esgotada)
Piaget, Vygotsky e Wallon: Teorias Psicogenéticas em Discussão, Yves de la Taille, Marta Kohl de Oliveira e Heloysa Dantas, 120 págs., Summus Editorial, tel. (11) 3865-9890, 26,90 reais
14.5.11
Henri Wallon, o educador integral
Henri Wallon
Falar que a escola deve proporcionar formação integral (intelectual, afetiva e social) às crianças é comum hoje em dia. No início do século passado, porém, essa idéia foi uma verdadeira revolução no ensino. Uma revolução comandada por um médico, psicólogo e filósofo francês chamado Henri Wallon (1879-1962). Sua teoria pedagógica, que diz que o desenvolvimento intelectual envolve muito mais do que um simples cérebro, abalou as convicções numa época em que memória e erudição eram o máximo em termos de construção do conhecimento.
Desenho ilustra a proporção do corpo:
Soldados celebram o fim da Primeira Guerra