27.3.12

Gladiaores

Sangue e Glória na Arena


Maquete de Roma Imperial. Em destaque o Circus Maximus, local das corridas de carruagens e o Coliseu, local das lutas de gladiadores
Jogos gladiatórios: origem e curiosidades

Os jogos gladiatórios tiveram seu auge entre os séculos II a.C. e V d.C. Entretanto os combates eram mais antigos. Em sua origem, os jogos eram um costume etrusco, onde servos e escravos combatiam até a morte em um ritual fúnebre para homenagear o morto e tranqüilizar o seu espírito.

O primeiro combate aberto ao público ocorreu no século III a.C., em 264, quando Décimo Bruto e seu irmão Marcus realizaram um combate de três duplas para homenagear seu pai falecido no Foro Boarium. Um século depois, em memória ao seu pai, o general Tito Flávio promoveu um torneio de três dias com 74 gladiadores.

Durante a República os jogos foram perdendo seu caráter fúnebre e em 105 a.C., ocorreram os primeiros jogos financiados oficialmente pelo Estado, promovidos pelos cônsules Rutilo Rufo e Caio Mamilo. Os jogos caíram no gosto popular e cresceram em proporção. Em 44 a.C., Júlio César promoveu jogos com 300 pares de lutadores e no Império, o imperador Trajano (98-117) fez espetáculos de 117 dias com 5 mil gladiadores lutando, enquanto o imperador Domiciano (81-96) chegou a realizar combates noturnos à luz de tochas entre mulheres e em outra ocasião entre mulheres e anões. Em 200, o imperador Sétimo Severo (193-211) proibiu os combates femininos.


Batalha de gladiadores. Mosaico da Borghese Gallery, Roma

Alguns imperadores ficaram famosos por suas participações em combates. Cômodo (180-192) e Calígula (37-41) participaram de combates “arranjados”, onde os gladiadores tomavam o cuidado para não machucarem os imperadores. Outros sete imperadores também atuaram na arena, entre eles, Tito (79-81) e Adriano (117-138).

Os jogos foram proibidos em 313 por Constantino (306-337), mas parece que os jogos só foram realmente terminados durante o reinado de Honório (395-423).
Os gladiadores: que eram eles?

Sempre que vemos o Coliseu de Roma automaticamente nos lembramos dos combates entre os gladiadores, homens que lutavam até a morte perante uma platéia sedenta de sangue. Entretanto, quase sempre nos esquecemos de perguntar quem eram aqueles homens que davam suas vidas para o divertimento dos romanos.

O cinema hollywoodiano se encarregou de popularizar a figura do gladiador com o filme Spartacus, onde o galã Kirk Douglas representava o gladiador Espártaco, um escravo trácio, que se rebelou em 73 a.C. e com um exército de milhares de escravos quase derrubou a combalida República romana. Mas fica a dúvida: será que todos eram escravos? Não. Os gladiadores não eram somente escravos. Homens livres também combatiam na arena, além de alguns tipos de criminosos, que formavam um tipo especial de lutadores.

Os escravos que lutavam eram de preferência os prisioneiros de guerra e os alugados por seus senhores. Como escravos, esses homens não tinham escolha, mas através de suas vitórias nos combates, poderiam conquistar a sonhada liberdade representada por uma espada de madeira, a rudis, sendo a partir chamados de Rudiarii.

Os homens livres também competiram e na República romana, metade dos gladiadores era formada por eles. Os homens livres eram muito procurados por seu entusiasmo durante os combates e o gladiador mais famoso foi um homem livre, Públio Ostório que fez 51 combates em Pompéia. Mas o que levava um homem livre a ingressar na vida de gladiador para ser marcado a ferro, viver preso em uma cela, ser chicoteado e morrer pela lâmina de espada?

Apesar de toda a dureza da vida dos gladiadores, ela tinha seus pontos positivos. Com suas vitórias, os gladiadores poderiam conseguir riquezas, que um trabalhador comum não conseguiria durante toda sua vida. A fama e a admiração feminina eram outros componentes que contavam a favor desse estilo vida. No que diz respeito à admiração feminina, dizia-se que Cômodo (180-192), filho de Marco Aurélio (161-180) e Faustina, era na verdade o fruto de uma ardente paixão dela com um gladiador. O poeta Juvenal confirma essa admiração feminina com um outro relato, onde a esposa do senador Eppia fugiu com um gladiador para o Egito. Roland Auguet cita uma pichação em Pompéia que também confirma essa opinião: “Celádio, o thraex, três vezes vencedor e três vezes coroado, adorado pelas jovens."

Além dos fatores citados, outros incentivavam o ingresso nesse tipo de vida. O homem que se tornava gladiador participava de grupo coeso (família gladiatória), com moral rígida e fidelidade ao seu mestre. Nessa vida, virava um modelo de disciplina militar e com comportamento rigoroso, podendo alcançar a fama semelhante de um soldado romano em um campo de batalha.

Outros homens livres buscaram os jogos gladiatórios com outros objetivos. Relatos contam que um homem se ofereceu para lutar por 10 mil dracmas para auxiliar um amigo endividado. Um jovem lutou para conseguir dinheiro para o funeral do pai. E outros se tornavam gladiadores após a falência. Ex-gladiadores também voltavam à arena quando a oferta era grande.
O treinamento: aprendendo a combater com bravura e morrer com dignidade

Como já afirmamos, a vida de um gladiador não era fácil. Para oferecer um excelente espetáculo ao público, os gladiadores tinham um treinamento rígido aprendendo a combater com bravura e morrer com dignidade.

Em Roma, Alexandria, Pérgamo, Cápua e em outras cidades do território romano existiam várias ludi gladiatorii, as escolas de gladiadores. Entre essas escolas destacou-se a Ludus Magnus, a maior de todas, localizada próxima ao Coliseu e conectada a ele por meio de um túnel. Inicialmente, essas escolas eram propriedade dos lanistas, mas logo, o Estado romano percebeu o perigo que os lutadores profissionais poderiam representar sob o controle de particulares e no Império assumiu o controle de todas as escolas. Assim, os lanistas ficaram com a função de fornecer homens para as escolas ou apenas com o treinamento.


Ruínas da mais famosa escola de gladiadores, a Ludus Magnus, ao lado do Coliseu.


Escola de gladiadores em Pompéia

A disciplina nas escolas era rigorosa, imperando a lei do chicote. A rigorosidade era tamanha, que alguns lutadores suicidavam-se ou revoltavam-se. Sêneca relata o suicídio de um gladiador germano, momentos antes de sua luta. “Por exemplo, recentemente um germano foi incluído na lista para ser um dos lutadores com os animais na arena e estava se preparando para o espetáculo matutino. Ele retirou-se para se aliviar. (...) No banheiro havia uma vara com uma esponja no final usada para limpar as fezes. Ele enfiou a vara inteira em sua garganta e morreu sufocado... Um modo nada elegante para se ir, é verdade, mas o que é mais tolo do que ser meticuloso sobre nossa partida? Isso que é um homem valente!"(4)

O aprendizado ocorria por repetição, já que boa parte dos lutadores era estrangeira e poucos compreendiam o latim, a língua dos romanos. Na primeira fase de treinamentos eles aprendiam a lutar com as próprias mãos. Após esse treinamento inicial, os homens eram separados em grupos e iniciavam o treinamento com armas de madeira, depois substituídas por armas de metal, mas com um peso inferior ao das utilizadas em combate. Na última fase de treinamento, os lutadores utilizavam armas com o peso real, porém sem o corte. Mesmo sem o uso de armas de metal com corte, as contusões e ferimentos ocorriam e por isso, os gladiadores eram assistidos por bons médicos. Concluído o treinamento, o gladiador estava pronto para combater, normalmente duas ou três vezes ao ano.


Tipos de gladiadores

Os gladiadores não eram armados com os mesmos equipamentos. Os espectadores gostavam de combates equilibrados, mas com lutadores com armas diferenciadas. Um componente dos combates era a vulnerabilidade de seus participantes e por isso, as partes fatais do corpo (peito e tórax), muitas vezes ficavam descobertas, enquanto os braços e pernas eram protegidos.

Existiam vários tipos de gladiadores e muitos tinham nomes étnicos, mas isso não significava que os gladiadores tinham essa origem étnica.

Thraex (trácio): tórax protegido com couro e metal, escudo redondo pequeno, faixa de couro protegendo o braço, grevas de metal para as pernas e uma espada curva.

Samnite (saminita), depois chamado de secutor (perseguidor): escudo retangular (oblongo), capacete com viseira, uma greva na perna, uma faixa de couro no braço e uma espada curta ou punhal.

Retiarius (homem-rede): ombro protegido por um pedaço de metal, uma rede, um tridente e um punhal.

Gaulês, depois chamado de mirmillo: capacete com um peixe (murma) no topo, daí o nome mirmillo.

Escudo retangular e espada.

Hoplomachus: proteção para o tórax e pernas, faixas de couro nos pulsos, joelhos e tornozelos e arma era uma espada.


Capacete de bronze que pertenceu a um secutor

Equites: montavam um cavalo. Usavam um escudo redondo, coxas protegidas e usavam um lança.

Laquearii: armadura e um laço.

Dimachaeri: lutador com duas espadas.

Essedarri: uso de carruagens. Provavelmente inspirado nas batalhas de Júlio César na Britânia.

Valites: armado com uma lança que tinha uma corda, pela qual o gladiador recolhia a arma.

Andabatae: montavam um cavalo. Usava um capacete sem visão e escudo.
O combate

Os jogos gladiatórios eram assistidos por uma grande platéia e para ela não bastava uma morte simples, mas um verdadeiro combate, onde os lutadores mostravam toda sua habilidade e dignidade, no caso da morte. Os combates ocorriam entre lutadores com estilos diferentes e os mais apreciados eram entre o retiarius e o secutor, o thraex e o mirmillo.

Os combates não precisavam ter necessariamente um vencedor. No caso de uma luta muito bela, onde os oponentes deram tudo si, mas não conseguiram finalizar o combate, o mesmo era considerado empatado e os dois adversários ficavam vivos.

No caso de um combate com um vencedor, cabia ao gladiador a decisão sobre a vida do derrotado. No entanto, o vencedor costumava consultar o patrocinador dos jogos. No Império o patrocinador era o próprio imperador ou seu representante legal, que por sua vez tinha o hábito de consultar o público, que realmente acabava decidindo o destino do derrotado.
Popularmente temos a imagem do público com o polegar da mão direita levantado em sinal de clemência ao gladiador derrotado ou o polegar para baixo quando a decisão era pela morte. Contudo, os historiadores não chegaram a uma conclusão. Outras versões existem. Em uma delas, o público caso desejasse poupar a vida do lutador abanaria lenços brancos pedindo clemência e em caso de morte o polegar voltado para baixo. Outra explicação diz que a morte era pedida com o polegar voltado para o peito com o significado de apunhalar e o polegar para baixo seria para soltar a espada e salvar o adversário. Uma última explicação diz que para a morte o público mostrava o polegar e em caso de clemência o público esconderia o polegar. Enfim como podemos perceber ainda não temos uma explicação conclusiva sobre o assunto.


Gravura moderna mostrando um gladiador esperando a decisão da platéia sobre o destino do derrotado.
Venatio: os animais na arena

Venationes (plural de venatio) eram os jogos com a presença de animais. Um tipo especial de gladiador, o bestiarii entrava na arena exclusivamente para lutar contra animais trazidos de várias partes do território romano, principalmente do norte da África e do Oriente Médio. A lista de animais levados à arena é longa. Leões, panteras, tigres, ursos, touros, rinocerontes, hipopótamos, elefantes, girafas, cervos, veados, javalis, cabras selvagens, alces, hienas, cavalos selvagens, crocodilos, cobras e até avestruzes foram alguns dos animais mortos nos espetáculos.


Bestiarii lutando contra um tigre. Piso em uma villa em Nennig (século II ou III)

Nós não sabemos quando a primeira venatio foi realizada, mas a primeira ocasião onde os animais fizeram uma aparição foi em 250 a.C., quando Metelos exibiu 142 elefantes trazidos da Sicília após sua vitória contra os cartagineses. As venationes começaram como um espetáculo de abertura em um dia de jogos, mas com o tempo ganharam público e tornaram-se um espetáculo independente. As arenas eram enfeitadas para lembrar o ambiente natural dos animais, que muitas vezes eram colocados para lutar entre si, como por exemplo, urso contra o leão e elefante contra touro.
As matanças nesses espetáculos nos assustam e questionamos quantos animais não foram sacrificados e o prejuízo ecológico causado com a morte deles. Alguns dados nos deixam estupefatos:


Captura de rinoceronte. Mosaico da Piazza Armarina (século IV)

“Em 250 a.C., foram mortos no circo 142 elefantes; no ano 168 a.C., 63 panteras e quarenta ursos. Sila, um dos ditadores que governaram Roma no século I a.C., mandou cem leões para o combate; Pompeu, um dos sócios de César no governo romano, encaminhou para a morte 365 leões e vinte elefantes. O próprio César apresentou no circo quatrocentos leões, além de colocar em luta 640 gladiadores. Anos mais tarde, Augusto (27 a.C.-14 d.C.) promoveu oito espetáculos, nos quais cerca de 10 mil gladiadores se enfrentaram; o imperador Trajano (98-117) fez matar 11 mil animais para comemorar uma de suas vitórias militares."(5) Mesmo assim, para a maioria dos romanos a morte dos animais era um espetáculo muito natural. Contudo, Cícero nos deixou uma descrição de um festival ocorrido em 55 a.C. onde ele se questionava da utilidade desse tipo de espetáculo: “O resto das caçadas aconteceu duas vezes por dia durante cinco dias. Elas eram magníficas e ninguém nega isto, mas qual prazer pode existir para um homem civilizado quando um ser humano fraco é rasgado por um animal incrivelmente forte ou um belo e animal é perfurado por uma lança? Mas esse espetáculo você deve ter visto e não foi nenhuma novidade. O último dia pertenceu aos elefantes. A multidão admirou esse evento, mas não desfrutou dele. Pelo contrário, uma certa piedade foi despertada pelos elefantes na platéia e a opinião da multidão era que eles compartilhavam alguma semelhança com a raça dos humanos."
A arena como punição

A arena também era usada como punição. Criminosos condenados à morte eram levados às arenas para receberem a pena capital. Os crimes que levavam à arena eram o assassinato, a traição, o roubo e o incêndio premeditado. Os cristãos eram condenados à morte por se recusarem a fazer sacrifícios para o imperador que era considerado uma divindade, por não acreditar nas outras divindades romanas e ainda por se recusarem a pagar seus impostos.

Uma das formas de realizar essa pena capital era o combate entre criminosos. Não podemos dizer que eles eram gladiadores, haja vista que não haviam recebido treinamento e nem se sujeitavam às regras impostas aos gladiadores. Era comum que vários criminosos entrassem na arena armados e lutassem entre si até que sobrasse um, que era executado.

Outra execução era chamada “ad bestias” ou “para os animais". Os criminosos poderiam ser amarrados em postes para serem devorados por animais selvagens, ou serem obrigados a separar dois animais em luta, ou ainda serem levados à arena onde animais seriam soltos e fatalmente acabariam caçando-os.


Mosaico do século II onde observa-se um condenado sendo devorado por um felino (esquerda) e um outro sendo empurrado em um pequeno carro para um tigre.

Para os romanos esse tipo de espetáculo também era encarado com naturalidade, já que as pessoas levadas à arena nessa situação eram marginais sendo punidos merecidamente. No caso dos cristãos, o mesmo ocorria, já os romanos os consideram como criminosos que não seguiam sua religião.
Atualmente, tudo isso parece bárbaro, mas não podemos nos esquecer das brigas de galo e rinhas de pitt bulls e outros cachorros, mas provavelmente, a prática mais famosa do uso de animais para a morte seja a tourada, tão famosa na Espanha e em outros países hispânicos.
Naumachias: combates na água

Os romanos também apreciam combates marítimos, as naumachias. Essas batalhas eram realizadas nos anfiteatros, nos circos ou em locais especialmente preparadas para receber um volume suficiente de água para a flutuação dos navios. A primeira exibição foi promovida por Júlio César que mandou cavar uma parte do Campo de Marte onde ocorreria a batalha entre 10 mil homens.


Gravura moderna de uma naumachia no Coliseu

A maior naumachia foi realizada pelo imperador Cláudio (41-54), onde 19 mil criminosos lutaram em 100 navios. A batalha que foi travada foi realizada de forma tão corajosa que os sobreviventes foram perdoados de seus crimes.

Escravos e criminosos eram os mais utilizados nesses espetáculos, sendo chamados de naumachiarii. Normalmente, as naumachias relembravam batalhas marítimas históricas.


O anfiteatro: o palco dos gladiadores

Os jogos gladiatórios sempre atraíram público, mas inicialmente, não existiam locais próprios para esses eventos, utilizando-se do fórum de Roma, onde erguiam-se arquibancadas de madeira para acomodar a platéia dos combates.

Os romanos foram os inventores do anfiteatro, aperfeiçoando o teatro dos gregos, mas ao contrário destes que aproveitavam as colinas para construir seus teatros, os romanos, com raras exceções, construíram seus anfiteatros em locais planos. Etimologicamente palavra “anfiteatro” significa “teatro de dois lados”,(9) ou seja, era dois teatros que virados um para outro formavam uma elipse.


Gravura moderna do Coliseu

O primeiro anfiteatro foi construído em madeira no ano de 53 a.C. era móvel e quando não havia jogos ele poderia ser transformado em dois teatros. Contudo esse material se mostrou inadequado para o peso do público e acidentes ocorreram. Há o registro de um anfiteatro construído em Fidenae, em 27 d.C., no reinado de Tibério (14-37), que desmoronou sepultando entre 20 e 50 mil. O primeiro anfiteatro de pedra foi construído em Roma no reinado de Augusto (27 a.C.-14 d.C) em Roma, mas foi destruído em um incêndio em 64.


Fotografia da situação atual do Coliseu

Os anfiteatros existiram em várias regiões do Império Romano. Hispânia, Gália, África do Norte, Grécia e a própria Itália tiveram os seus, mas somente os de pedra resistiram ao tempo e o mais famoso foi o Coliseu. Construído no local do jardim da Domus Aurea (casa dourada) de Nero (54-68), teve sua construção iniciada pelo imperador Vespasiano (69-79) entre 70 e 72, sendo inaugurado por Tito (79-81) em 80 e concluído por Domiciano (81-96).

Na época o Coliseu não tinha esse nome. Ele era chamado por Anfiteatro Flávios em referência aos imperadores da dinastia Flávia que o ergueram. Sobre o nome Coliseu existem duas versões. Uma diz que esse nome se refere ao colosso de Nero, uma estátua localizada próxima ao anfiteatro e uma outra versão diz, que somente a partir da Idade Média ele recebeu esse nome por causa de seu tamanho colossal.

O Coliseu tinha quatro andares, podendo abrigar em suas arquibancadas um público entre 40 e 90 mil pessoas, dependendo da estimativa utilizada, mas provavelmente a capacidade mais correta seja de 50 mil. O anfiteatro foi erguido em mármore, pedra travertina, ladrilho e tufo. Era enfeitado com colunas nos estilos dório, jônio e coríntio e possuía uma série de estátuas que o embelezavam.

Como sede principal dos jogos gladiatórios até o séc. V, o Coliseu recebia seu público por 80 entradas numeradas que facilitavam também seu esvaziamento. Os assentos também eram numerados, contudo, as pessoas não sentavam onde desejavam. As arquibandas reproduziam a estrutura social de Roma. A primeira fileira de baixo para cima era chamada de podium e era reservada a elite romana.

Nela havia o pulvinar (tribuna imperial) reservada ao imperador ou ao seu represente nos jogos. A segunda fileira era maeniana e onde as pessoas de condição social mediana sentavam-se. O portici ou pórtico eram as duas últimas fileiras, onde os pobres e as mulheres, exceto as virgens vestais, ficavam na primeira fileira para ver o espetáculo.


Entrada XXVIIII do Coliseu.


A arena do Coliseu sem o piso mostrando seu subsolo

A arena onde as lutas ocorriam tinha o chão de madeira coberto com areia - por isso, o nome arena - e em seu subsolo existiam jaulas onde os animais ficavam presos, celas para os prisioneiros, locais onde os gladiadores se aqueciam e onde armas recebiam seu afiamento. Esse subsolo tinha 6 metros de altura.
Um dia de jogos gladiatórios

Os jogos gladiatórios não começavam no dia das lutas. Na verdade começavam alguns dias antes quando os combates eram anunciados com cartazes afixados nas casas e edifícios públicos. Nos cartazes pregados e nos vendidos na rua, veríamos todas a programação do dia de jogos, com os tipos de combates, horários, os nomes dos lutadores e o patrocinador da competição.

O dia dos jogos começava logo pela manhã. Romanos de todas as classes sociais se dirigiam ao Anfiteatro Flávios para presenciar um espetáculo que duraria até o crepúsculo. Nos arredores do anfiteatro, novos programas eram distribuídos. Nesse dia o público não precisaria comprar ingressos, já que o imperador era o promotor do evento. As pessoas se dirigiam para seus lugares segundo seu grupo social. A elite ocuparia a fileira mais perto da arena; os grupos médios ocupariam a segunda fileira e plebe e as mulheres ocupariam as duas últimas fileiras. Nesse dia, ainda era esperada a presença do imperador.

Para alívio dos espectadores, o velarium (os toldos de pano) estava sendo estendido para proteger o público do sol que brilhava radiante no céu limpo de nuvens de Roma. Para as pessoas que haviam saído com pressa de casa, e por isso, estavam em jejum, existiam vendedores que ofereciam refrescos, salsichas e bolos, como nos estádios de futebol da atualidade.


Treinador com o seu leão amestrado. Observe a cabeça de burro próxima à pata do leão. Piso em uma villa em Nennig (século II ou III)

O primeiro espetáculo do dia estava reservado aos animais. Primeiramente entraram os treinadores com animais amestrados. Panteras puxando carroças, elefantes que rolavam no chão ao comando de seu treinador e outros animais selvagens que faziam coisas fantásticas ao som da orquestra que os acompanhava, como nos espetáculos circenses do mundo contemporâneo.

Com o fim desse número, iniciava-se o segundo espetáculo da manhã, com as lutas entre os animais. Para a arena vários animais foram trazidos e lutaram entre si, em variadas combinações: leão X pantera, urso X leão, pantera X urso, urso X cachorros selvagens e uma infinidade de combinações que começavam a excitar a platéia.

Para finalizar os espetáculos pela manhã, os romanos assistiriam os primeiros gladiadores a pisar na arena neste dia, os bestiarii, especialmente treinados para combates com animais. No entanto, antes disso haveria um intervalo para a preparação da arena. Do seu chão foi erguida uma decoração que a transformou em uma floresta. Leões foram soltos. Os bestiarii em maior número entraram na arena e começaram a caçada que terminou com a morte dos leões e alguns gladiadores feridos.


Relevo com bestiarii lutando contra leões. EUR Museum


Desenho moderno de cristãos na arena do coliseu. Ao fundo, criminosos sendo queimados em postes

Ao meio-dia o sol castigava a arena. Escravos entraram para retirar os corpos dos animais, e por ventura de algum bestiarii que houvesse morrido pela porta libitinensis. Ao mesmo tempo, a decoração para o espetáculo era recolhida, e outros escravos se encarregavam de trazer mais areia para cobrir as manchas de sangue. Com a arena novamente limpa, era a hora de uma nova etapa do espetáculo: criminosos seriam levados à arena para morrerem. Quando entraram, um grito de alegria percorreu as arquibancadas. Escravos declararam os crimes cometidos por aqueles homens, enquanto alguns eram amarrados em postes de madeira. Novamente, animais foram soltos na arena, mas dessa vez não seriam as vítimas. Leões e panteras famintos avançaram nos criminosos amarrados e devoraram-nos. Em outro momento, um criminoso foi enviado à arena para separar uma briga de dois animais, e acabou devorado. Por último, duas dezenas de criminosos, incluindo cristãos foram deixados na arena, onde os leões atacaram e destroçaram seus corpos.






O êxtase da platéia estava chegando ao ponto máximo. Um novo intervalo foi feito e novamente, escravos entraram para recolher os corpos e cobrir o chão manchado de sangue com areia. Os músicos da orquestra tocavam animadamente para distrair o público, que aproveitava esse novo intervalo para se alimentar. Nesse momento, o imperador chegou ao anfiteatro e todos perceberam sua chegada que foi saudada com aplausos e gritos da platéia. Após mais algumas músicas, a orquestra iniciou a última parte dos jogos do dia, o tão esperado momento, o combate entre os gladiadores.

Transportados em carruagens abertas, os gladiadores entraram pela porta trumphalis na arena e atrás deles, seus criados carregando seus armamentos. A platéia explodiu em alegria gritando os nomes de seus preferidos. Os gladiadores vestiam uma capa púrpura com detalhes em ouro e deram uma volta em torno da arena para que o público pudesse vê-los. A carruagem parou em frente à tribuna imperial, o pulvinar, onde estava o imperador e os gladiadores saudaram-no erguendo o braço direito.

Um par de gladiadores se equipou para o combate e o restante saiu de cena, esperando para lutarem em um outro momento. O combate seria entre um retiarius e um secutor. Com um toque da orquestra o combate começou. O anfiteatro tremia com fervor. A luta era muito disputada. O ferimento mais leve tirava urros da torcida. Espectadores gritavam o nome do retiarius, enquanto outros incentivavam o secutor. O retiarius tentava com prender com sua rede a espada de seu oponente, enquanto o secutor esperava um descuido do retiarius para ferir um de seus braços para inutiliza-lo para o combate. Após minutos de combate, num descuido do retiarius, o secutor cravou a espada em sua barriga. A multidão começou a gritar: Degola! Degola! Degola!


Desenho de um combate entre um retiarius (com a rede) e um secutor (com o escudo). Desenho de Christian Hook

O retiarius ferido e caído no chão esperava seu destino: a morte. O vitorioso, ainda ofegante, dirigiu seu olhar para o pulvinar, esperando a decisão imperial. O imperador por sua vez, observou a platéia do anfiteatro esperando seu posicionamento. A platéia não demonstrou clemência e pediu a morte do retiarius. O imperador virou-se para o secutor e sinalizou para a morte do adversário. Em um último momento de dignidade, o derrotado expôs o pescoço para o vitorioso que em um golpe preciso cravou a espada no pescoço do adversário. A multidão gritou extasiada, enquanto a areia se encharcava com o sangue do morto.

Após a morte do gladiador, criados entraram na arena para recolher o corpo e limpá-la. Após esse pequeno intervalo, novos combates se sucederam, dessa vez com vários gladiadores lutando ao mesmo tempo. E por várias vezes o ritual da morte se repetiu, com os vitoriosos indagando ao imperador, que por sua vez indagava à platéia, se os derrotados deveriam morrer. As batalhas duraram toda a tarde e ao entardecer, os gladiadores vitoriosos retornaram à arena e receberam a palma como símbolo de suas vitórias, moedas, pratos dourados e outros objetos de valor. Assim terminava um dia de jogos gladiatórios em Roma.
Além do pão e circo: interpretações sobre os jogos gladiatórios

“O público, que antes outorgava comandos, consulados, legiões e tudo o mais, agora não interfere e anseia apenas por duas coisas: pão e circo." Com esse posicionamento de Juvenal, a opinião sobre os jogos gladiatórios era que eles eram uma forma de manter o povo romano afastado da política e das reivindicações sociais. Essa manipulação da plebe romana, faminta e empobrecida, que receberia comida e diversão do Estado ficou conhecida como a “política do pão e circo”. Até hoje, essa interpretação é predomina nos livros didáticos. No entanto, outros historiadores apresentaram uma série de interpretações sobre os jogos, que podem ajudar a explicar o fascínio que os jogos exerciam na população de Roma.

Com certeza não podemos esquecer de forma alguma a interpretação do “panem et circenses”. Na República romana, os políticos buscavam o voto popular patrocinando jogos para a população, como acontece com os “showmícios” na política brasileira, onde estrelas da música são contratadas por grandes somas para cantarem em comícios de determinados políticos, chegando ao ponto de pedirem votos para o candidato que está pagando o seu cachê. Assim, o político almeja conseguir mais votos para sua eleição, da mesma forma que os candidatos romanos faziam ao patrocinar jogos gladiatórios. Essa situação em Roma ficou tão séria, que o Senado aprovou uma lei em 63 a.C. proibindo a candidatura de quem realizasse jogos no período de dois anos que antecedessem uma eleição.

No Império, essa busca pelos votos terminou, mas os imperadores assumiram a função de promover jogos para a plebe. Com a promoção de jogos gratuitos para a população, os imperadores mostravam seu apreço pelo povo de Roma, medindo também sua popularidade durante os jogos. Para os espectadores era uma oportunidade ímpar, haja vista que a segurança do anonimato permitia aos espectadores manifestarem seus verdadeiros sentimentos ao imperador. O público poderia reclamar do preço do trigo e da corrupção de funcionários. Era um contato cara a cara com o imperador, era o rompimento das barreiras entre indivíduo e Estado, que se transformava de um corpo impessoal e distante em uma pessoa de carne e osso. Mesmo que o imperador não conseguisse ouvi-lo direito, isso não importava, pois a imagem de uma comunicação direta valia mais do que a própria comunicação.

A arena também tinha outra função, nela os criminosos recebiam a pena capital publicamente. Quando os criminosos eram levados à arena e recebiam a pena de morte, simbolicamente era a vitória da lei e da ordem contra a ilegalidade e o caos. Para os romanos, a morte dos criminosos em público dava a sensação de segurança e de funcionamento das leis do Estado. Além disso, a morte em público servia de exemplo para outros “prováveis” infratores.

O uso de animais na arena também continha sua simbologia. Ao trazerem animais das áreas mais distantes do império para exibi-los, os romanos lembravam a extensão de seu território e a vitória da civilização sobre a natureza selvagem, a vitória do homem sobre a natureza.

O Império Romano foi fundado sob a violência e a arena tinha a função simbólica de representá-la. O fato de escravos lutarem e morrerem na arena mostrava a vitória de Roma sobre seus inimigos, assim como a vitória da civilização, representada pelos romanos, sobre a barbárie, representada pelos povos vencidos.

Outra interpretação sugere que o aumento da popularidade dos jogos gladiatórios durante a Pax Romana, nos dois primeiros séculos da Era Cristã, quando os romanos reduziram sua expansão e as guerras diminuíram, os romanos dirigiram sua atenção para a guerra fictícia, os jogos gladiatórios.

Os jogos gladiatórios também davam lições para o povo romano, pois em um combate, a decisão de vida ou morte poderia seria baseada na justiça, haja vista que um desempenho honrado poderia significar a vida. Para o romano o exemplo do gladiador na arena deveria ser seguido, já que o comportamento virtuoso dos gladiadores mostrava que se tais homens podiam lutar nobremente, os romanos não poderiam fazer menos.

Os cristãos foram os maiores críticos dos jogos, mesmo assim, eram freqüentadores assíduos dos anfiteatros. Um pesquisador levanta uma teoria para essa repulsa dos cristãos. Para ele, a ressurreição gladiatória ocorria quando o gladiador escapava da morte por sua virtude e ganhando a redenção era um rival popular para a ressurreição de Jesus.

Como podemos observar, as interpretações são múltiplas e mostram que entrelaçam e que a interpretação da “política do pão e circo”, se não está errada, está longe de ser a única a ser levada em conta nos livros didáticos.
Ludi circenses: As corridas de carruagens

Um outro esporte muito apreciado pelos romanos era a corrida de carruagens. Espetáculo mais antigo que os jogos gladiatórios, tinha sua origem nas lendas romanas que atribuíam a Rômulo a criação dessas competições, provavelmente em homenagem à Plutão ou como estratagema para distrair os homens e facilitar o seqüestro das sabinas. Mas, assim como os jogos gladiatórios, as corridas perderam seu lado religioso com o decorrer dos tempos.
Os veículos das corridas eram principalmente as bigas (carruagem puxada por dois cavalos) e quadrigas (puxada por quatro cavalos)(12) guiadas por seus condutores, os aurigas. Vestidos com uma túnica leve, os aurigas usavam um capacete de metal, faixas protegendo as pernas, um chicote na mão direita e as rédeas presas à cintura. Os escravos formavam o maior contingente de aurigas, mas existiam muitos corredores profissionais que ganhavam altas somas para correr. Os corredores ganhavam entre 15 mil e 30 mil sestércios, com alguns ganhando 60 mil por corrida. Juvenal reclamava que um auriga ganhava em uma hora 100 vezes mais que um advogado.


Quadriga em uma corrida. Observe as rédeas em volta do corpo do auriga

O mais famoso auriga foi Caio Apúlio Diócles, um hispânico que abandonou as corridas aos 42 anos com 24 anos (122-146) de carreira. Sua primeira vitória foi no ano de sua estréia, participando de 4257 corridas, vencendo 1462 e ficando em segundo lugar em 1437 vezes. Diócles ganhou durante sua carreira mais de 35 milhões de sestércios.(14)


Maquete mostrando o Circus Maximus

As corridas aconteciam em hipódromos que existiam em várias partes do território romano. Somente em Roma existiam cinco pistas, o mais famoso hipódromo era o Circus Maximus com capacidade para 250 mil espectadores. O Circus Maximus tinha a forma da letra “U” fechada com 640 X 190 metros. Sua construção foi realizada aproveitando uma ladeira existente e levantando uma outra no lado oposto. No centro havia um muro chamado de espinha.

O evento começava com a entrada do patrocinador dos jogos em uma carruagem, seguido dos competidores, normalmente em número de quatro. Após ocupar um local de honra no hipódromo, a largada era dada pelo patrocinador que deixava um lenço branco cair ao chão. As carruagens partiam em grande velocidade para uma corrida de sete voltas na pista do hipódromo. Os aurigas faziam parte de equipes coloridas, chamadas, factio Existiam as equipes vermelho (factio russata), branco (factio albata), azul (factio veneta) e verde (factio prasina). Parece que as equipes representavam as estações do ano. O vermelho, o verão; o azul, o outono; branco, o inverno e o verde, a primavera. As equipes tinham torcidas. Muitas vezes as torcidas acabavam entrando em conflito no hipódromo e a violência se espalhava pelas ruas. Juvenal deixou escrita sua opinião sobre a torcida do verde: “Hoje, (...), Roma inteira está no circo (...). Venceu o Verde. Se perdesse, veríamos toda a cidade aflita e atordoada, como no dia em que os cônsules foram derrotados em Canas." A semelhança com os torcedores das equipes de futebol no Brasil é inevitável.

Outros autores tinham uma opinião divergente sobre o comportamento das torcidas. Plínio disse que “Eu não me espantaria se os espectadores fossem ver a velocidade dos cavalos ou a habilidade dos aurigas, mas tudo o que eles apóiam é cor da equipe do auriga. Se eles trocassem as cores no meio da corrida, eu juro que eles seguiriam apoiando as mesmas cores."

Durante as corridas eram comuns os acidentes devido a instabilidade das carruagens. Mesmo assim, o povo romano vibrava com as corridas. Os espectadores eram atraídos pela estratégia utilizada pelos aurigas e pela ação constante durante a competição. Eles tentavam se manter sempre na parte interna da pista, perto da espinha e como todos tentavam isso, os choques eram constantes, e como os aurigas estavam com as rédias presas em suas cinturas, caso uma carruagem fosse destruída, ele poderia ser arrastado pelos cavalos e serem esmagados por outros cavalos e pelas rodas das carruagens. O interesse era tamanho que, Nero (54-68) e Calígula (37-41) se tornaram torcedores apaixonados da equipe Verde. Domiciano (81-96), outro amante das corridas, chegou a criar mais duas equipes, a áurea (factio aurata) e a púrpura (factio purpurea), mas não tiveram uma longa vida. Em outra ocasião, Domiciano (81-96) reduziu o número de voltas de sete para cinco, realizando 100 corridas em um dia.


Local onde existiu o Circus Maximus. Foto de Albert Hoxie

Mesmo sendo um dos esporte preferidos dos romanos, encontramos alguns relatos contrários às corridas. Plínio escreveu que “As corridas não me interessam. Se você viu uma corrida, você viu todas. Eu não posso entender por que milhares de pessoas desejam ver cavalos correndo e homens dirigindo carruagens. Por que eles não crescem?"
A última corrida de carruagens no Circus Maximus registrada ocorreu em 549 d.C.

Fonte: www.cav-templarios.hpg.ig.com.br