por Ana Carolina Gomes
O período entre o fim do século XVIII e o começo do século XX, também é conhecido como o longo século XIX. Nesse período alguns países europeus (como a Inglaterra, França e Alemanha), e os EUA, lideram grandes mudanças na relação entre ciência e a sociedade na época, caracterizadas por forte valorização do sistema de ensino, com o intuito de profissionalizar e especializar os cientistas. Para isso foram criados cursos novos nas universidades, e matérias novas foram introduzidas nas escolas como Física e Química.
As máquinas inventadas na primeira etapa da Revolução Industrial junto das inovações tecnológicas marcam o início da segunda etapa da revolução industrial caracterizada por avanços na metalurgia, criação da siderurgia, consolidação do uso de eletricidade e o uso do petróleo. Transformando as técnicas de produção e criação de novos produtos e materiais.
Muitas empresas, e os próprios governos, começam a financiar as pesquisas científicas, para se tornarem mais fortes, tentando ganhar a dianteira na crescente competição internacional. O constante progresso tecnológico e o crescimento das empresas proporcionam uma nova imagem de poder, riqueza, luxo e modernidade. Para mostrar toda essa reorganização social e econômica foram criadas as Exposições Universais, que foram verdadeiras vitrines do mundo moderno e do ascendente ideal burguês, e dessa nova etapa industrial do século XIX.
As Exposições Universais
As Exposições Universais, ou Feiras Mundiais, foram auto representações populares da elite industrial, ricas em ideias e plenas em criatividade, uma demonstração da transformação nas relações comerciais do mercado mundial, do progresso visível e do inicio de um processo de auge econômico dos países industrializados tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.
O objetivo dessas exposições era mostrar a força e a consolidação do sistema fabril ao grande público e às outras nações. Os avanços técnico-científicos, que antes só se viam nos ambientes das fábricas, puderam ser vistos e mostravam as mercadorias do capitalismo triunfante. Faziam-se exaltações à razão humana que se propunha a dominar a natureza, provando assim a superioridade do ser humano, principalmente o europeu.
Segundo Werner Plum, a sociedade europeia, liderada pela burguesia industrial, estava empenhada em dominar o mundo e, inclusive, criar um a sua imagem e semelhança buscando a expansão da civilização pela expansão dos bens industriais. Avanços nos transportes e na comunicação (ferrovias, telégrafo, navios a vapor) criavam, ou pretendiam criar, uma interligação amistosa entre as nações industriais, essenciais para a consolidação do capitalismo como sistema internacional.
Essas exposições eram ponto de interseção de setores que não costumavam mesclar-se: autoridades estatais e representantes da economia, da indústria, da ciência, da pedagogia, artes plásticas, religião e etnologia, de forma interdiscilplinada. De acordo com Sandra Pesavento, mostravam tudo o que diz respeito à atividade humana, mas as máquinas e os novos inventos eram a atração principal. O ensino passou a ser institucionalizado e vulgarizado (no sentido de ampliação do acesso) para que os filhos da pequena burguesia (comerciantes, profissionais liberais) pudessem progredir e ter profissões que antes eram ofícios passados de um mestre para um aprendiz. A profissão de engenheiro na Inglaterra, por exemplo, só foi legalmente criada em 1898.
As feiras mundiais passavam a imagem de que o trabalho disciplinado tinha capacidades redentoras, a propriedade era a meta a ser alcançada por todos e o esforço individual era vital para o crescimento econômico do indivíduo e da nação. As nações industrializadas não europeias também participavam mas, com exceção dos Estados Unidos, não obtiveram muitos elogios como Canadá e Austrália. As colônias tiveramseu espaço nas exposições, mas em sua maioria, a imagem passada era de atraso e exotismo.
A propaganda teve destaque no século XIX. O mundo tinha que ser convencido a participar, e foi o que aconteceu, as nações mostravam seus produtos recém-saídos das fábricas visando mais a difusão das novas ideias da época do que o lucro, a principio. Na sociedade industrial os objetos não eram feitos para durar e sim para assegurar a continuidade do seu desenvolvimento.
Os romances de Júlio Verne exaltavam a capacidade inventiva do homem. No livro “A volta ao mundo em 80 dias” o personagem só conseguiu a façanha graças às evoluções nos transportes e nas comunicações. Em “Da Terra à Lua” a espaçonave era construída com alumínio, o autor previu seu uso em grande escala num momento de pouca valorização do material. Segundo Plum, suas histórias podem ser lidas como catálogos e introduções para as Exposições Mundiais.
Como exemplo da importância das exposições, mesmo para os contemporâneos, segue um artigo de jornal da época sobre a Exposição de Paris de 1889.
“Com que espírito é preciso visitar a Exposição? É preciso vê-la com o mesmo espírito que presidiu a sua organização: é preciso vê-la para se instruir e para se divertir. Ela é para todo mundo, para todas as idades, para os sábios, assim como para os menos instruídos, uma incomparável ‘lição de coisas’. O industrial aí encontra os modelos dos quais ele saberá aproveitar. O simples passante aí toma uma ideia geral e suficiente das maravilhas, sempre em progresso da indústria moderna. Um pode aí encontrar o caminho da fortuna, pelos estudos dos processos aperfeiçoados de fabricação, outro aí encontra, com os objetos usuais colocados sob seus olhos, a satisfação econômica do seu gosto.” Guide Bleu du Figaro eu du Petit Journal. Paris. Exposition de 1889, p.5
As principais exposições do século XIX foram:
Londres, 1851
A primeira grande exposição ocorreu em Londres em 1851. Teve como símbolo o Crystal Palace, com 563m de comprimento, 124 de largura e 33 de altura, cujo projeto era de um antigo jardineiro, John Paxton. Era de ferro e vidro, a transparência era valorizada, podia ser desmontado e aplicado a outros fins, da maneira mais econômica e racional possível.
Além de inventos, houve obras de artes e projetos como o do Canal de Suez que à época não chamou muito a atenção. Novos modelos de locomotivas e prensas hidráulicas foram apresentados, além de uma máquina de fabricar envelopes. A Inglaterra se julgava destinada a cumprir sua missão de líder mundial; por ser a primeira fazer a Revolução Industrial tinha também que ser a primeira a ter uma exposição universal.![]()
Vista geral de The Crystal Palace no Hyde Park, em 1851.
Filadélfia, 1876
Em comemoração aos 100 anos da Declaração de Independência Americana. Mais de 200 prédios foram construídos para a exposição que recebeu 9 milhões de pessoas. TheCentennial Tower foi um projeto para essa exposição mas nunca foi construído. Um diferencial dessa edição foi o eficiente serviço para os visitantes e numerosos serviços de transporte de carga.![]()
Foram mostrados pela primeira vez o telefone de Alexander Graham Bell e a máquina de escrever Remington.
Paris, 1878
Essa exposição teve como símbolo a Estátua da Liberdade de Frédéric Auguste Barthold que tinha como objetivo expressar o pensamento de amizade duradoura entre os povos. A cabeça é um lugar panorâmico construído para receber visitas. Foi oferecida aos Estados Unidos em 1886, em homenagem à Constituição Americana.
As datas e lugares das feiras não eram escolhidas ao acaso, tinham um fim político. Em 1878 procurou-se mostrar o ressurgimento da França depois da Comuna de Paris e da derrota na guerra franco-prussiana no início da década. A Benjamin Peugeot foi dada uma medalha pela invenção da máquina de costura.![]()
Construção da Estátua da Liberdade para a Exposição de Paris em 1878.
Paris, 1889
Em comemoração aos 100 anos da Revolução Francesa, essa edição teve como símbolo a Torre Eiffel de Gustave Eiffel que servia de entrada para a exposição. 300m de altura, toda de ferro, apontava para os céus de Paris demostrando racionalidade, modernidade e o progresso técnico além de transparência e penetração. Foi por muito tempo a obra arquitetônica mais alta do mundo. Assim como os outros monumentos, a torre não foi feita para durar.
Essa exposição seria lembrada por suas grandiosas construções, como a própria Torre Eiffel e a “Galeria das Máquinas”, que era o maior espaço interno já construído até então. Também é importante mencionar que uma de suas maiores atrações era um zoológico humano com 400 negros africanos cujo intuito era mostrar o ser humano primitivo.![]()
Torre Eiffel e pavilhões da Exposição de Paris de 1889 vistos de cima.
Considerações Finais
Apesar da exaltação fervorosa da técnica e do desenvolvimento tecnológico, estes deixam de ser elementos unificadores da humanidade e as feiras passam a refletir a grande diferença entre as potencias (europeias e americana) e as sociedades nãoindustrializadas. Na grandiosidade das exposições não havia lugar para a realidade das fábricas, insatisfações dos operários, a corrida imperialista que explicitava a concorrência entre as potencias industriais por conquistar novos mercados e matérias primas.
O início do século XIX foi marcado pela filosofia e música clássica e romântica (Haydn, Mozart, Beethoven, Schubert, Chopin). Em meados deste século, o tempo já era o da técnica, ciências naturais e indústrias. Nos últimos anos havia se tornado o século dos bancos, da concentração capitalista da propriedade dos centros de produção e das fontes de matéria prima. Tornou-se o século do imperialismo moderno. Com a eclosão da Primeira Guerra as feiras perderam o brilho inicial, tornando-se mais espaçadas e menos divulgadas, mas existem até hoje.
Autores: Ana Carolina Gomes, Priscilla Piccolo e Ricardo Rey
Tópicos Abordados
o que são exposições universais;
o que fora as feiras universais;
exposição universal de Londres, 1851;
exposição universal da Filadélfia, 1876;
exposição universal de Paris, 1878 e 1889;
exposições universais do século XIX;
Referências
PLUM, Werner. Exposições Mundiais no Século XIX: Espetáculos da Transformação Sócio-Cultural. Editora Friedrich-Ebert-Stiftung. República Federal da Alemanha, 1979.
KURY, Lorelai B. Entre utopia e pragmatismo: a História Natural no Iluminismo tardio. In SOARES, Luiz Carlos (Org). Da Revolução científica à big (business) Science. São Paulo-Niterói: Hucitec-Eduff, 2001. p. 105-153
SZMRECSÁNYI, Tamás. Esboços de história econômica da ciência e da tecnologia. In SOARES, Luiz Carlos (Org). Da Revolução científica à big (business) Science. São
Paulo-Niterói: Hucitec-Eduff, 2001. p. 155-200
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Exposições Universais: Espetáculos da Modernidade do século XIX. Editora Hucitec – São Paulo. 1997
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. 13ª edição
-_________________. A Era do Capital. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010. 15ª edição
Fonte: http://www.algosobre.com.br/historia/exposicoes-universais-ou-feiras-mundiais.html#.UlXtrdK-qpd
