Ele influiu na forma de o homem comer, pensar, se proteger, criar. O colunista Adilson de Oliveira fala de como o domínio do fogo foi mola propulsora do progresso e de como a termodinâmica surgiu a partir da sempre atual questão: pode-se construir uma máquina com 100% de eficiência? Por: Adilson de Oliveira Publicado em 16/07/2010 | Atualizado em 16/07/2010 Antes do fósforo: num acampamento, homem demonstra como fazer fogo, descoberta que mudou o rumo da humanidade milênios atrás (foto: flickr.com/knitting iris – CC BY-NC-ND 2.0). Há centenas de milhares de anos, nas noites frias de inverno, a escuridão era um grande inimigo. Sem a lua cheia, a negritude da noite, além de assustadora, era perigosa. Havia muitos predadores com sentidos aguçados, e que poderiam atacar facilmente enquanto dormíamos. O frio intenso era outro inimigo. Não eram fáceis os primeiros passos da humanidade, dados por antepassados muito diferentes de nós. Até que, um dia, talvez ao observar uma árvore atingida por um raio, os hominídeos primitivos descobriram algo que modificaria complemente o rumo da nossa evolução: o fogo. Ao dominar essa entidade, foi possível se aquecer, proteger-se dos predadores e ainda cozinhar os alimentos. Como nenhuma outra criatura do nosso planeta, conseguimos usar a nosso favor um fenômeno natural para ajudar a vencer as dificuldades diárias. Com o fogo, a noite já não era mais tão perigosa, e diminuía a necessidade de se esconder ou lutar. Acredita-se que a descoberta de seu uso tenha agido diretamente sobre a nossa forma de pensar, pois permitiu mais tempo para pensarmos. O filme A guerra do fogo (1981), do diretor francês Jean-Jacques Annaud, retrata em forma de ficção como o fogo influenciou a forma de viver dos primeiros hominídeos. O fogo surge do processo de rápida oxidação de um material combustível, liberando luz, calor e os produtos da reação, como dióxido de carbono e água. Dessa forma, o fogo é um mistura de gases em altas temperaturas e por isso emite luz na faixa do infravermelho e visível. Para certas faixas de temperatura, os gases ficam totalmente ionizados. Isso ocorre porque os elétrons são arrancados dos átomos que os compõem, levando-os ao estado de plasma. O plasma (que nada tem haver com o material contido no sangue) pode ser observado, por exemplo, em lâmpadas fluorescentes, em que o gás fica ionizado devido à descarga elétrica. Um grande salto no desenvolvimento tecnológico ocorreu justamente quando se desenvolveu a máquina a vapor, dando início à Revolução Industrial, no final do século 18. Nesse caso, o principal combustível era o carvão e, a partir da sua queima, produzindo fogo, foi possível transformar a energia liberada em outra, com capacidade de realizar trabalho – ou seja, impulsionar máquinas e equipamentos a fazerem tarefas que antes dependiam da força bruta humana Nas primeiras máquinas térmicas, o fogo era utilizado para aquecer a água até a temperatura em que ela se transforma em vapor. A partir disso, com o acúmulo de vapor, a pressão aumentava, fazendo com que ele empurrasse um pistão que colocava uma roda, por exemplo, em movimento. Essas primeira máquinas foram usadas para extrair a água das minas de carvão, mas logo foram aplicadas nas indústrias e no desenvolvimento dos trens. Em poucas décadas, essas máquinas transformaram o mundo. Desde aquele tempo existia a preocupação em desenvolver tecnologias mais eficientes para o aproveitamento da energia, ou seja, construção de máquinas com maior rendimento – que produzam mais consumindo menos. De fato, já no século 19 se fazia uma pergunta cuja resposta até hoje não é fácil: é possível construir uma máquina com 100% de eficiência? Seria possível conseguir isso? A resposta a essa questão não foi simples e mostrou que não se tratava apenas de uma limitação tecnológica, mas sim uma limitação da natureza. Esses estudos levaram ao desenvolvimento de um novo ramo da física conhecido como termodinâmica. A termodinâmica estuda o comportamento de sistemas com muitas partículas (como, por exemplo, um gás), levando em conta os efeitos de trocas térmicas. Dois de seus princípios fundamentais, conhecidos como a 1ª e a 2ª leis da termodinâmica, foram elaborados a partir de tentativas de desenvolver a máquina perfeita. A 1ª lei da termodinâmica é, basicamente, a conhecida a lei da conservação da energia. Ou seja, independentemente de qual for o processo físico que esteja ocorrendo, a energia nunca é criada ou destruída, mas simplesmente transformada em outra forma de energia. Era dessa maneira que a energia liberada pela queima do carvão nas antigas máquinas era transformada em energia de movimento, por exemplo. Nas usinas nucleares, em vez de utilizar o fogo para aquecer a água, a energia contida no núcleo atômico é liberada para aquecer e transformar a água em vapor, que, em altíssima pressão, movimenta as turbinas. Entretanto, nem toda a energia gerada, seja qual for o processo, poderá ser sempre útil para nós. É um fato observado que, em todo processo no qual ocorre uma transformação de energia, parte dela se transforma numa energia que não pode ser aproveitada, e é perdida para o ambiente na forma de calor. Todos nós já observamos que qualquer máquina, seja a movida a vapor, eletricidade, gasolina etc., sempre fica aquecida. Esse aquecimento surge justamente da perda de energia em forma de calor, que ocorre quando realizamos qualquer processo de transformação de energia. Foi o engenheiro e matemático francês Nicolas Léonard Sadi Carnot (1796-1832) que, ao estudar o desenvolvimento de máquinas térmicas, chegou à conclusão de que seria impossível construir uma máquina térmica com 100% de eficiência, levando ao 2º princípio da termodinâmica (ou 2ª lei). A 1ª lei estabelece que a energia não pode ser criada nem destruída, referindo-se à quantidade de energia. A 2ª lei qualifica isso, acrescentando que a forma que a energia assume nas diversas transformações acaba se ’deteriorando’ em formas menos úteis de energia. Ela se refere, portanto, à ’qualidade’ da energia, levando em consideração também a energia que se torna mais difusa e acaba se degenerando em dissipação. A partir da 2ª lei é que chegamos ao conceito de entropia (veja a coluna "O caos e a ordem"), que está associada a uma medida de desordem de um sistema. O domínio do fogo pelos primeiros hominídeos foi de fundamental importância para a sobrevivência da nossa espécie. Em milhares de anos utilizando o fogo, o homem conseguiu produzir diversos materiais (metálicos, cerâmicos) que impulsionaram o desenvolvimento civilizatório. Com o advento da máquina a vapor, usando o fogo como fonte de energia, ocorreu o grande processo de industrialização que nos levou ao atual estágio tecnológico. Ao compreender como ocorrem os processos de transformação de energia, a termodinâmica se estabeleceu com um dos mais importantes ramos do conhecimento da física, que se aplica desde as máquinas a vapor até as modernas usinas nucleares. Sem dúvida, o fogo acendeu a curiosidade humana e foi uma das molas propulsoras do nosso progresso. Fonte: Assista aqui ao trailer do filme ‘A guerra do fogo’, de 1981
A importância da utilização do fogo como instrumento de transformação da nossa sociedade se acelerou com o progresso da cultura humana. Além de fornecer conforto térmico e melhorar a preparação de alimentos, ele desde cedo foi usado em rituais dos mais diferentes povos, na fabricação de armas (até os dias atuais), na produção de novos materiais (ajudando a fundir metais, por exemplo) e como fonte de calor para máquinas térmicas. Entretanto, o que é o fogo?Revolução Industrial
Em busca da máquina perfeita
Limites para a eficiência
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São CarlosSeções
16.7.10
Fogo - A descoberta que mudou a humanidade
Como nenhuma outra criatura, conseguimos usar um fenômeno natural para ajudar a vencer as dificuldades diárias
A partir da queima do carvão, foi possível transformar a energia liberada em outra, que impulsionasse máquinas a fazerem tarefas
A energia nunca é criada ou destruída, mas simplesmente transformada em outra forma de energia
O fogo acendeu a curiosidade humana e foi uma das molas propulsoras do nosso progresso