Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu na Vila do Campo Maior, Quixeramobim, Ceará, em 13 de março de 1830 e morreu em Canudos, Bahia, em 22 de setembro de 1897. Ele poderia ter sido apenas um pobre nordestino a mais, vivendo de maneira miserável, acossado pela seca e pelos donos do poder, mas já estava escrito que ele ficaria conhecido na História do Brasil como Antônio Conselheiro, um dos maiores líderes sociais brasileiro. Mas como se forma um líder? Nunca é por acaso. Sempre há algo a mais por trás da história de todos os líderes já nascidos, tanto no Brasil como em outras terras. Praticamente, todo o líder tem uma história de sofrimento ou de injustiça, que o leva a fazer o que tem que fazer. Essa, certamente, deve ser a maior luta de todo líder, pois é uma luta espiritual. Antônio Conselheiro não fugiu à regra. Dois anos após a morte do pai, Antônio Conselheiro, que ainda não era conhecido assim, casa-se com Brasilina Laurentina de Lima, fogosa e bela jovem filha de um tio do mesmo. No ano seguinte, o jovem casal muda-se para Sobral, onde Antônio passa a viver como professor do primário, dando aulas para os filhos dos comerciantes e fazendeiros da região e, mais tarde, como advogado prático, defendendo os pobres e desvalidos a título de pequena remuneração. Passa a mudar-se constantemente, em busca de melhores mercados para seus ofícios. Muda-se primeiro para Campo Grande (atual Guaraciaba do Norte), depois Santa Quitéria e finalmente Ipu, então um pequeno povoado localizado bem na divisa entre os sertões pecuaristas e a fértil Serra da Ibiapaba. Acima, desenho de Cunha, retratando o Conselheiro. Na foto ao lado, Canudos, já com suas casas completamente arrasadas pelos canhões e depois, pelo fogo. Cinco anos depois, em 1893, vamos encontrar um homem já cansado de tanto peregrinar pelos sertões e agora sendo um “fora da lei”, pois sobre ele caia a culpa de sediciar todo aquele povo que o seguia. Foi assim que Conselheiro decidiu se fixar numa fazenda abandonada às margens do rio Vaza Barris, de nome Canudos. Nasce ali uma experiência extraordinária, como 40 anos depois iria ocorrer no Caldeirão, com beato Lourenço e seus seguidores. Após a vergonhosa ação militar (que tal como no Caldeirão, é infelizmente uma nódoa na história do Exército), e a demência da medicina, a cabeça do líder de Canudos fica exposta à mórbida curiosidade pública, até que um incêndio ocorrido em 03 de março de 1905 na antiga Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, em Salvador (BA), destrói as dependências e consome a cabeça de Antônio Conselheiro, tal como se as chamas, em sua violência, fossem mais misericordiosas que os homens que fizeram o sertão virar um mar de sangue... Fontes: Enciclopédia Abril - 1978, Instituto do Patrimônio Cultural da Bahia, Itaú Cultural
apenas um homem que vagava pelo sertão na solidão da sua amargura e, sem que ele quisesse, foi eleito líder dos miseráveis e inimigo dos poderosos" - S.Ferraz
A única foto conhecida de Antônio Conselheiro, místico rebelde e líder espiritual do arraial de Canudos (1893-1897), tirada 2 semanas após sua morte, pelo fotógrafo Flávio de Barros, a serviço do Exército
Figura carismática, como só os que ousam levantar a cabeça diante dos poderosos pode ser, adquiriu uma dimensão messiânica ao liderar o arraial de Canudos, um pequeno vilarejo no sertão da Bahia, que atraiu milhares de sertanejos, entre camponeses, índios e escravos recém-libertos, e que foi destruído pelo Exército da República na chamada Guerra de Canudos em 1897.
Para a mídia da época, como também muitos historiadores, Conselheiro foi apenas um louco, fanático religioso e contra-revolucionário monarquista perigoso. Eles somente esqueceram de acrescentar a palavra profeta, já que a frase de que o sertão iria virar mar, creditada a ele, acabou se concretizando. O sertão realmente virou mar...mas mar de sangue.
O arraial, no desolação do sertão, alvo fácil para os ataques
Nascido menos miserável como grande parte do povo nordestino, pois teve condições de estudar, seus pais queriam que o menino seguisse a carreira sacerdotal, pois entrar para a igreja católica na época, era a única maneira viável, tangente e segura de fugir da pobreza e ascender na escala social. Mas com a morte de sua mãe em 1836, a meta de transformar o garoto Antônio Vicente Mendes Maciel em padre, é esquecida e seu pai casa-se novamente. Fatos da época indicam que a madrasta maltratava severamente o menino, então com apenas 6 anos de idade.
Em 1855, morre seu pai, e ele é obrigado a abandonar os estudos e assumir o comércio da família aos 25 anos de idade. Malogram de vez quaisquer sonhos sacerdotais. Os negócios iam mal e mais tarde o futuro líder seria processado pela não quitação de suas dívidas.
Mas uma personalidade não forma-se da noite para o dia. Às vezes é preciso andar por longos e tortuosos caminhos vida à fora, para ela se consolidar. Em 1861, Antônio apanha sua mulher o traindo com um sargento de polícia em sua própria residência, na Vila do Ipu Grande. Envergonhado, humilhado e abatido, abandona o Ipu e vai procurar abrigo nos sertões do Cariri, já naquela época um pólo de atração para penitentes e flagelados. Ali ele iniciaria uma vida de peregrinações pelos sertões do nordeste. Estava se consolidando de vez a personalidade do líder.
A partir de 1874, o jornal O Rabudo, do Sergipe, traz a primeira menção pública de Antônio Conselheiro como penitente conhecido nos sertões: Dizia a maldosa matéria: "Há seis meses que por todo o centro desta Província e da Provincia da Bahia, chegado, diz ele, do Ceará, infesta um aventureiro santarrão que se apelida por Antônio dos Mares. O que, a vista dos aparentes e mentirosos milagres que dizem ter ele feito, tem dado lugar a que o povo o trate por Santo Antônio dos Mares. Esse misterioso personagem, trajando uma enorme camisa azul que lhe serve de hábito, à forma de um sacerdote, pessimamente suja, cabelos mui espessos e sebosos entre os quais se vê claramente uma espantosa multidão de bichos (piolhos), distingue-se pelo ar misterioso, olhos baços, tez desbotada e de pés nus, o que tudo concorre para o tornar a figura mais degradante do mundo."
Esta primeira matéria sobre Antônio Conselheiro de que se tem notícia, foi publicada pelo jornal sergipano em 22 de Novembro de 1874. Mas, como já aconteceu inúmeras vezes, o tiro da mídia quase sempre sai pela culatra e, ao invés de espantar as pessoas com a humilhante narrativa sobre o misterioso personagem, o jornal acabou atraindo a curiosidade sobre ele. Assim, em 1876, ele já era famoso como "homem santo" e peregrino e já havia sido "batizado" como Antônio Conselheiro.
Com isso, começaram a aparecer seus seguidores e ele passa a ser visado - e perseguido, pelas autoridades. Foi primeiro preso nos sertões da Bahia, através de boato gerado pelos que já viam nele um perigo, de que ele teria matado mãe e esposa.
Antônio Conselheiro então é levado para o Ceará, onde se conclui que não há nenhum indício contra a sua pessoa: sua mãe havia morrido quando ele tinha 6 anos. Antônio Conselheiro é posto em liberdade e retorna à Bahia. Não mais o Antônio Vicente Mendes Maciel, não mais o peregrino miserável, mas já o líder formado. E, se não pela sua vontade, os próprios acontecimentos parecem empurrá-lo para isso. Em 1877 o Nordeste passa por uma das mais calamitosas secas de sua história. Levas de flagelados perambulam famintos pelas estradas em busca de socorro governamental ou de ajuda divina. O socorro jamais chegou e nem chegaria; e a ajuda divina continuaria a ser esperada. Bandos armados de criminosos e flagelados promovem justiça social com as próprias mãos assaltando fazendas e pequenos lugarejos, pois pela ética dos desesperados, roubar para matar a fome não é crime.
A partir desse caos social, cresce ainda mais a notoriedade da figura de Antônio Conselheiro entre os sertanejos pobres; para eles, Antônio Conselheiro, ou o “Bom Jesus”, como também passa a ser chamado, seria uma figura santa, um profeta enviado por Deus para socorrê-los.
E o que fazer um homem, sem lar, sem nada a perder, mas com uma cultura que o fazia sobrepujar aqueles miseráveis que buscavam sua ajuda? E, para elevar ainda mais a liderança de Conselheiro, em 1888, com o fim da escravidão, muitos ex-escravos, libertos e expulsos das fazendas onde trabalhavam, sem ter agora nenhum meio de subsistência, partem em busca de sua ajuda.
Em Belo Monte (ou Monte Santo, as histórias divergem no nome), como Antônio Conselheiro rebatizou a vila, os desabrigados do sertão e as vítimas da seca eram recebidas de braços abertos pelo peregrino. Era uma comunidade onde todos tinham acesso à terra e ao trabalho sem sofrer as agruras dos capatazes das fazendas tradicionais. Um "lugar santo”, segundo os seus adeptos. Mas os grandes e gananciosos fazendeiros e o clero (líderes locais da igreja católica), sentem que o poder deles está sendo ameaçado, e começam a se articular em busca de uma solução do "problema".
O episódio que desencadeou a sangrenta, cruel e indígna Guerra dos Canudos, ocorreu em 1896. No dia 24 de novembro daquele ano, é enviada a primeira expedição militar contra Canudos, mas a tropa é massacrada em Uauá, pelos seguidores de Antônio Conselheiro. Um mês depois, em 29 de dezembro de 1896, tem início uma segunda expedição militar contra Canudos. Assim como a primeira, esta expedição foi facilmente debelada pelos Conselheiristas.
Finalmente, no ano seguinte, começa a terceira expedição contra Canudos, desta feita comandada pelo capitão Antônio Moreira César, conhecido como “O Corta-Cabeças”, por suas façanhas bárbaras na Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul. Mas, acostumado aos combates tradicionais, Moreira César não estava preparado para eliminar Canudos, e foi abatido por tiros certeiros de homens leais a Antônio Conselheiro. A tropa foge em debandada, deixando para trás armamentos e munição. Para os Conselheiristas, trata-se de uma prova cabal da "santidade" do beato de Belo Monte.
Mas o poder real estava nas mãos dos políticos, religiosos e fazendeiros, que exigiram o extermínio de Antônio Conselheiro e seus seguidores. Assim, em 5 de abril de 1897, inicia-se a quarta e última expedição contra Canudos. Desta vez o cerco foi implacável. Até muitos dos que se rendiam foram mortos, pois após três derrotas impostas pelos habitantes do arraial, que só ali estavam procurando uma pacífica sobrevivência, eliminar Canudos e seus “fanáticos habitantes” tornou-se uma questão de honra para o Exército.
O Exército, com cerca de 5 mil homens, fortemente armados e até com canhões, marchou avassaladoramente sobre os moradores do arraial em 22 de setembro de 1897. Antônio Conselheiro é morto nessa data, não se sabendo ao certo até hoje como foi sua morte. Para alguns, ele morreu por ferimentos causados por uma granada; e outra versão, talvez maldosa, é que o líder teria morrido por causa de uma infecção nos intestinos. Quase um mês depois o Exército termina sua "heróica" batalha contra os miseráveis de Canudos, matando em 5 de outubro de 1897 os últimos defensores de Canudos. O arraial é destruído totalmente. O cadáver de Antônio Conselheiro é encontrado enterrado no Santuário de Canudos (foto ao alto), e sua cabeça é cortada e levada até a Faculdade de Medicina de Salvador, pois para a ciência da época, "a loucura, a demência e o fanatismo" estariam estampados na mistura de raças e nos traços faciais característicos do "monstro dos sertões". A ciência e o Exército se deram as mãos nessa ignomínia...
Os poucos sobreviventes, mulheres e crianças, poupados
na chacina, são vigiados por jagunços, ao fundo.
NE: Em Quixeramobim, onde nasceu o Conselheiro, existe hoje o Memorial Antônio Conselheiro, onde está narrada a história do líder. O memorial está situado no centro da cidade, próximo ao Banco do Brasil.
O Memorial construído na cidade abriga uma mostra arqueológica com o material resgatado durante as pesquisas. Na foto abaixo, à direita, outro memorial em homenagem aos combatentes seguidores de Antônio Conselheiro. Mais de seis mil sertanejos foram mortos. Todas as casas que sobraram do bombardeio, foram queimadas após o ataque. O conflito é retratado também no livro "Os Sertões" de Euclides da Cunha, que o testemunhou como repórter do jornal O Estado de S. Paulo.
De suas fotografias originais são conhecidas três coleções que pertencem ao Museu da República, no Rio de Janeiro (72 fotos), ao Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (68 fotos, que desapareceram) e à Casa de Cultura Euclides da Cunha de São José do Rio Pardo (24 fotos).