Juan Domingo Perón, presidente e quase ditador da Argentina. Sua doutrina ainda vive, embora ele e sua mulher Evita tenham morrido há muito tempo.
Na década de trinta, a vida política argentina estava falida devido a uma série de fracassos e fraudes vinculados ao poder dos estancieros, exportadores agropecuários e banqueiros britânicos. Isso tudo seria verdadeiramente abalado alguns anos depois quando com o surgimento de Perón e a transformação do peronismo em expressão política das massas. Perón surgiu junto aos setores populares e oficializou sindicatos, valendo-se de uma estratégia que lhe possibilitou, a um só tempo, atrair os trabalhadores para si e subordiná-los mediante uma organização sindical de tipo estatal.
O surgimento de Perón na cena política se deu a partir dos anos 40.
Em 04 de junho de 1943, num dos golpes militares que se generalizaram neste século na vida política argentina, o General Pedro Ramírez ocupou o governo. Ramírez pertencia ao GOU (grupo secreto) que contava com Perón entre seus membros. Uma vez no governo, Ramírez decretou a dissolução dos partidos políticos, implementando uma política indefinida, complicada ainda mais pela pressão de ter que tomar uma posição diante das potências mundiais em guerra. Perón, nessa conjuntura, foi nomeado chefe da Secretaria de Trabalho, cargo a partir do qual começou a promover sua estratégia de inserção popular. Assim, por meio destes primeiros eventos históricos da carreira política de Perón, consolidou-se um partido político, um bloco feminino e um conjunto de organizações sindicais que, junto ao apoio popular, conformaram o chamado movimento peronista.
O peronismo implementou na década de 40, um modo inovador de fazer política na Argentina, com base na participação de trabalhadores e sindicatos. As estratégias do poder, até então, tinham seguido a tradição contrária, pondo em prática políticas que tratavam com arrogância os mais pobres e menos organizados. Recluídas nessa visão, as elites, banqueiros, fazendeiros e, mais tarde, industriais, não eram capazes de perceber em que medida a força popular viria a ser protagonista da vida política argentina. A massa ganhou definitivamente seu espaço político na história argentina com Perón, e Perón com as massas. Por isso é que o surgimento do peronismo, com seu impacto sobre os setores populares, deixou os partidos tradicionais num verdadeiro impasse e ainda surpreendeu os partidos de esquerda, uma vez que eles, mesmo sendo anteriores ao peronismo, não tinham conseguido uma adesão popular dessa dimensão.
Com a oposição absolutamente dominada, Perón foi reeleito presidente em 1951.
Sua mulher, Eva Perón, conhecida como Evita, ex-artista de rádio e de cinema, era idolatrada pelos pobres da Argentina. Começou a trabalhar com o marido no programa de reformas sociais e foi chamada de "mãe dos descamisados".
Em julho de 52, Evita morreu de leucemia. Quase um milhão de argentinos acotovelaram-se para seguir o cortejo do seu funeral. Com sua morte, o país perdeu a estabilidade e a popularidade de Perón começou a declinar.
Após sucessivas crises durante três anos, a chamada "revolução da libertação", liderada pelo exército e apoiada pela Igreja, depuseram Perón, que seguiu exilado para a Espanha.
Mesmo do exílio, o carismático Perón continuou a exercer forte influência na Argentina. Em Torremolinos, na Costa do Sol espanhola, ele esperou por seu destino. A fotografia de sua mulher Evita, sua partidária mais leal, estava sempre por perto.
Em 1971, teve início uma campanha para a volta de Perón. Seus partidários exerceram tanta pressão que, após 17 anos de exílio, ele foi anistiado. Em 72, o Partido Peronista sobiu ao poder e Héctor Cámpora tornou-se presidente.
Perón voltou em triunfo para um país dividido e tenso. Três meses após sua volta, Héctor Cámpora não resistiu mais à pressão do Partido Peronista e deixou a presidência.
Em primeiro de julho de 74, um ano depois de uma apoteótica vitória eleitoral, Juan Domingo Perón morre aos 77 anos de idade. Embora muitos o chamassem de fascista e ditador, ele foi o símbolo do movimento trabalhista da Argentina.
Até hoje se vêem pôsteres de Perón e Evita nas paredes de Buenos Aires. Isabel, a terceira mulher de Perón, substituiu o presidente, mas em 76 foié deposta por um golpe militar. Os sucessivos governos militares tentaram apagar a imagem do peronismo, ou justicialismo, uma doutrina que até hoje vive nos corações de muitos argentinos.
O peronismo e o nazismo
Inspiração: treinado pelos alemães, o exército argentino
envergava capacetes e uniformes iguais aos do III
Reich
Mesmo depois da primeira eleição do general Juan Domingo Perón à Presidência da Argentina, em fevereiro de 1946, as tortuosas relações de seu regime com criminosos de guerra nazistas ainda causavam profundo mal-estar no país – algo semelhante ao sentimento perturbador que acomete os franceses quando o assunto é a França sob o regime colaboracionista de Vichy, durante a Segunda Guerra Mundial.
Bloco pró - Eixo
As relações de Perón e de parte da oficialidade do Exército argentino com o nazi-fascismo datam dos anos 1930. Os militares acreditavam na vitória do Eixo e sonhavam em construir um bloco sul-americano liderado pela Argentina e aliado do III Reich – se necessário, fomentando golpes de Estado nos países vizinhos.
A partir de 1943, quando tomou o poder o Grupo de Oficiais Unidos (GOU) formado por coronéis nacionalistas liderados por Perón, os agentes alemães da SD (divisão de inteligência exterior das SS) passaram a agir com desenvoltura na Argentina. Os nazistas ajudaram inclusive os militares argentinos a organizar um golpe de Estado na Bolívia, ainda em 1943. Os coronéis do GOU foram tão longe em seu alinhamento com o III Reich que a Argentina só abandonou sua “neutralidade” no conflito em março de 1945, declarando guerra à Alemanha um mês antes do suicídio de Adolf Hitler. Mas não se tratava de rompimento com os antigos aliados. “Apesar de, à primeira vista, parecer contraditório, a Alemanha se beneficiaria com a nossa declaração de guerra: se a Argentina se tornasse um país beligerante, teria direito a entrar na Alemanha quando tudo acabasse. Isso significava que os nossos aviões e navios estariam em condições de prestar um grande serviço (...) Nós informamos os alemães que iríamos declarar guerra para salvar vidas. Foi assim que um grande número de pessoas conseguiu entrar na Argentina”, disse o próprio Perón em 1970.
O cérebro: o nazista Freude (à esq.)
chefiava o serviço secreto da
Presidência de Perón
A operação para salvar criminosos de guerra teve início nos últimos dias do conflito através de dois argentinos de dupla nacionalidade: um deles era o alemão nascido na Argentina Carlos Fuldner, ex-capitão da SS, que desembarcou em Madri em 1945 para sondar o terreno. De lá, partiu para Buenos Aires. Em 1948 retornou à capital espanhola como agente especial de Perón. Montou escritórios de resgate em Gênova e Berna e, para facilitar a passagem clandestina de ex-nazistas para a Argentina, estabeleceu ligações com o Vaticano e com funcionários suíços. O outro é o criminoso de guerra Charles Lesca, francês nascido na Argentina, que conheceu Perón nos anos 1930. Ele organizou em Madri a primeira rota de fuga para a Argentina de agentes das SS. Na Casa Rosada, o esquema era dirigido pelo germano-argentino Rodolfo Freude (Rudi), secretário particular de Perón que controlava o serviço secreto da Presidência. Rodolfo era filho do empresário alemão Ludwig Freude, radicado na Argentina, ligado à inteligência nazista e responsável pela arrecadação de fundos de empresários pró-nazistas para a campanha de Perón em 1946.
Vingança: Eichmann, que vivia na Argentina,
foi seqüestrado pelo serviço secreto israelense
O esquema argentino foi complementado no final de 1946 quando a Igreja Católica começou a montar uma rede com o objetivo de ajudar especificamente colaboradores e fascistas católicos (franceses, belgas e croatas) a se abrigarem na Argentina. Nesse esquema teve um papel fundamental o padre e criminoso
Barbie foi um dos últimos a
receber abrigo
de guerra croata Krunoslav Draganovic, que operava em Roma na igreja de San Girolamo. O Vaticano era encarregado de dar passaportes com nomes falsos
aos fascistas em fuga. Alguns recebiam até dinheiro de padres e de bispos.
Através da Santa Sé, os trânsfugas do “Reich de mil anos” obtiveram passaportes da Cruz Vermelha. O trabalho do Vaticano ganhou alento a partir de 1947 quando os americanos deixaram de lado o interesse em capturar nazistas e levá-los a julgamento. Com a guerra fria, os países ocidentais abandonaram esse objetivo, especialmente em relação aos criminosos croatas, tchecos e de outros países que caíram na órbita soviética. Para o papa e aliados ocidentais, salvar colaboradores nazistas e assassinos das SS para não extraditá-los a países com governos comunistas era parte de um pacote destinado a fazer avançar a agenda anticomunista que ambos partilhavam. O papa, diga-se, era Pio XII, o mesmo que foi acusado de ter feito vista grossa ao extermínio de judeus durante a guerra.
Sequestro
Mesmo depois da queda de Perón, que se exilou na Espanha franquista, os criminosos nazistas continuavam a viver tranqüilamente na Argentina. Essa tranquilidade perdurou até 1960 quando um comando do Mossad (serviço secreto israelense) sequestrou Adolf Eichmann em Buenos Aires e o levou para Jerusalém – lá foi julgado e enforcado.
O médico Joseph Mengele foi para o Paraguai e depois veio para o Brasil, onde morreu em 1979, afogado numa praia de Bertioga. Sua ossada foi identificada pela Polícia Federal brasileira em 1985. Klaus Barbie, o “carniceiro de Lyon”, instalou-se na Bolívia, onde ajudou a formar esquadrões da morte.
Com a volta da democracia naquele país, Barbie acabou preso e foi extraditado para a França. Condenado à prisão perpétua em 1987, morreu no cárcere em 1991. O ex-SS Erich Priebke foi descoberto por uma equipe de tevê e extraditado em 1995 para a Itália, onde foi condenado à prisão perpétua.