Advogado que, esgotados todos os recursos normais, usou a Lei de Proteção aos Animais para defender um prisioneiro comunista na época do Estado Novo, Heráclito Sobral Pinto foi um cultivador das liberdades democráticas.
Nasceu em Barbacena (MG), no dia 5 de novembro de 1893. Quando tinha 13 anos, sua família se mudou para Nova Friburgo (RJ), onde estudou no Colégio Anchieta, uma instituição de jesuítas que iria marcar para sempre sua vida de católico fervoroso. Em 1917 formouse em direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Tinha apenas 31 anos, em 1924, quando assumiu a Procuradoria Criminal do Governo Arthur Bernardes. Quatro anos depois renunciou ao cargo por motivos pessoais. Anticomunista, Sobral Pinto foi o advogado indicado pela OAB para defender, no Tribunal de Segurança Nacional do Estado Novo, os comunistas Luiz Carlos Prestes, líder do levante de 1935, e o alemão Harry Berger, que foi torturado na prisão, onde era tratado como um animal.
Sobral tornou-se amigo de Prestes. Anos mais tarde, comentaria, brincando: “Prestes tentou converter-me ao comunismo. Eu tentei convertê-lo ao catolicismo. Nenhum dos dois conseguiu.” Durante a fase ditatorial de Getúlio Vargas, escrevia cartas abertas para protestar contra a situação. O católico devoto que fazia papel de coroinha nas missas da capela próxima de sua casa, no Rio de Janeiro, também foi advogado de outras ilustres figuras da História, como o escritor Graciliano Ramos e os ex-governadores Miguel Arraes e Carlos Lacerda.
Defendeu, ainda, a legalidade das posses dos presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart. Mas também tomou partido de gente do povo: defendeu um quitandeiro contra o presidente do Tribunal de Segurança Nacional, Barros Barreto, que não tinha pago uma conta na quitanda e ainda mandara prender o dono do estabelecimento. No primeiro momento, Sobral foi a favor do golpe militar de 1964, mas quando percebeu que o Brasil havia caído numa ditadura, se manifestou contrário. Por isso, foi detido em 1968.
Durante o interrogatório, ouviu de um coronel que tentava justificar o regime: “Doutor Sobral, estamos implantando uma democracia à brasileira”. Ele, então, respondeu: “Existe peru à brasileira, mas não existem soluções à brasileira. A democracia é universal, sem adjetivos.” Em 1984, durante um comício da campanha Diretas Já!, no Rio, pediu silêncio e leu o artigo da Constituição que proclama: Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido. Foi ovacionado pela multidão. Desde 1956, quando uma de suas sete filhas morreu, ficou de luto e só se apresentava em público vestido de terno preto. Morreu em 1991, aos 98 anos.
Fonte:
Livro 100 Brasileiros (2004)