3.8.11

O AÇÚCAR

Economia e Sociedade Canavieira
Durante toda a fase colonial brasileira, houve sempre um produto em torno do qual se organizava a maior parte da economia. A importância de determinado produto crescia até alcançar o apogeu e depois entrava em decadência. Embora sua produção continuasse, surgia outro produto que entrava rapidamente em ascensão, substituindo em importância o anterior. Esse mecanismo repetitivo levou muitos historiadores a usarem a denominação ciclo econômico para o estudo do período colonial, identificando o ciclo do pau-brasil (século XVI), o da cana-de-açúcar (séculos XVI e XVII) e mais tarde o da mineração (século XVIII).



Contudo, é importante observar os limites do nome "ciclo". Ele pressupõe que, após o apogeu de uma determinada atividade econômica, ocorre, sempre, o seu desaparecimento, e não foi isso que aconteceu com a economia da cana-de-açúcar, por exemplo, a qual continuou existindo durante toda a época da mineração no século XVIII. O ciclo do pau-brasil predominou em todo o período pré-colonial. Como sua exploração não fixava o homem à terra, levando apenas à instalação de algumas feitorias, não possibilitava a definitiva ocupação da colônia. Assim, ao decidir integrar efetivamente a colônia à metrópole, optou-se pelo plantio da cana-de-açúcar, que atingia dois objetivos: atendia às necessidades de colonização e possibilitava grandes lucros a Portugal.



(O latifúndio açucareiro, também conhecido por engenho, dividia-se em plantações, casa-grande, capela, senzala e a fábrica de açúcar.)

Quanto à mão-de-obra necessária para o empreendimento, contava-se com os indígenas e principalmente com os negros africanos que Portugal há muito escravizava. A instalação da empresa açucareira no Brasil exigia a aplicação de imensos capitais para a compra de escravos, o plantio da cana-de-açúcar e a instalação dos , onde se moía a cana e se fabricava o açúcar. Além disso, o transporte e a distribuição do produto para a Europa, a parte mais lucrativa do empreendimento, era uma tarefa gigantesca, para a qual Portugal não tinha recursos suficientes. Os portugueses associaram-se, então, aos holandeses que, em troca do financiamento para a instalação da empresa açucareira na colônia, ficariam com o direito de comercialização do produto final, o açúcar, na Europa. Dessa forma, foi a Holanda que financiou a instalação dos engenhos no Brasil. Na colônia, organizou-se a produção açucareira, sujeita às exigências metropolitanas de produção de riquezas, num processo de dependência denominado pacto colonial.

Latifúndio, monocultura e escravidão
Toda a vida colonial girava em torno das relações econômicas com a Europa: buscava-se produzir o que interessava à metrópole nas maiores quantidades possíveis e pelo menor custo.
Assim, o cultivo da cana-de-açúcar desenvolveu-se em grandes propriedades, chamadas latifúndios, originadas das sesmarias distribuídas pelos donatários e governadores-gerais.

Contando com o solo argiloso comum no litoral e nas margens dos rios, o Nordeste transformou-se no principal pólo açucareiro do Brasil, tendo à frente as regiões de Pernambuco e Bahia. Nos grandes engenhos só se plantava cana-de-açúcar, usando-se mão-de-obra escrava, o que caracterizava como monocultores e escravistas.

No latifúndio, conhecido como engenho, somente uma pequena parte das terras destinava-se ao cultivo de itens agrícolas para subsistência, como mandioca, milho, feijão, etc. Constituindo por extensas áreas desmatadas de florestas, seguidas de plantações de cana, o engenho tinha como núcleo central a casa-grande, onde residia o proprietário e sua família e concentrava-se toda a administração.

Próximo a ela, ficava a capela e, mais distante, situava-se a senzala, um grande barracão miserável onde se alojavam os escravos. Alguns engenhos maiores chegaram a possuir centenas de escravos, que viviam amontoados na senzala. O engenho propriamente dito, onde se frabricava o açúcar, era composto pela moenda, a casa das caldeiras e a casa de purgar.

Na moenda, a cana era esmagada, extraindo-se o caldo; na casa das caldeiras, esse caldo era engrossado ao fogo em grandes tachos; finalmente, na casa de purgar, o melaço de cana era colocado em fôrmas de barro para secar e alcançar o "ponto de açúcar".

Após algum tempo, esses blocos eram desenformados dando origem aos "pães de açúcar", blocos duros e escuros, formados pelo que hoje chamaríamos de rapadura. Os "pães de açúcar" eram então encaixotados e enviados para Portugal, e, de lá, para a Holanda, onde passavam por processo de refinação, ficando pronto o açúcar para comercialização e consumo.



(A moenda era o primeiro local onde a cana-de-açúcar se transformaria em açúcar.)

Senhores e escravos
Durante o ciclo da cana-de-açúcar, a sociedade colonial se definia a partir da casa-grande e da senzala. Formando o poderoso grupo socio-econômico da colônia, havia os brancos colonizadores, donos dos engenhos, que habitavam as casas-grandes. O poder dessa aristocracia canavieira ia além de suas terras, expandindo-se pelas vilas, dominando as Câmeras Municipais e a vida colonial.
A autoridade do senhor de casa-grande era absoluta: em família a obediência lhe era incondicional e o respeito como chefe superior, indiscutível, estando as mulheres submetidas a um papel subordinado, complementar. A sociedade açucareira teve, assim, um carácter explicitamente patriacal.

Os escravos, considerados simples mercadorias, formavam a base econômica dessa sociedade indígena e, principalmente, negros africanos eram responsáveis pela quase totalidade dos trabalhos braçais executados na colônia, constituindo "as mãos e pés do senhor". Os escravos, em sua maioria , trabalhavam de sol a sol na lavoura e na produção de açúcar, vigiados por um feitor, sofrendo constantes castigos físicos.

Alguns exerciam trabalhos domésticos na casa-grande como cozinheiras, arrumadeiras, amas de crianças, moleques de recados, etc. Formando uma pequena parcela da população, havia os homens livres, plantadores de cana com poucos recursos, que não possuíam instalações para produzir o açúcar (engenhos), sendo obrigados a vender a cana a um senhor de engenho.

A essa camada intermadiária pertenciam também os feitores, capatazes, comerciantes, artesãos, padres, militares e funcionários públicos,moradores das poucas vilas e cidades da época.

Auge do ciclo da cana-de-açúcar
Durante os séculos XVI e XVII, o Brasil tornou-se o maior produtor de açúcar do mundo, gerando imensas riquesas para os senhores de engenho, para Portugal e, sobretudo, para os holandeses. Ostentando sua opulência, os senhores de engenho do Nordeste importavam da Europa desde roupas e alimentos até louças e objetos de decoração. Como conseqüência da maciça
importação de mercadorias européias, da importação de escravos e da participação dos holandeses e portugueses no comércio de açúcar, quase toda a riqueza gerada por este ciclo econômico foi desviada da colônia para as áreas metropolitanas, caracterizando as condições do pacto colonial.
Actividades complementares da economia açucareira
Embora a economia do período colonial tenha se baseado num único produto, que concentrava quase completamente o interesse e as atividades de toda a colônia, havia algumas atividades secundárias, realizadas para complementar as necessidades da população. Sendo assim, havia, dentro do próprio engenho, uma paquena produção de aguardente e rapadura, utilizada no consumo interno da colônia e também no escambo de escravos africanos.
Ao mesmo tempo, iniciou-se a criação do gado que se desenvolveu no Nordeste, próximo aos engenhos, penetrando depois no interior. Sendo uma atividade complementar, importância comercial da criação de gado era muito menor que a da produção de açúcar. Entretanto, além de servir para mover as moendas e transportar o açúcar, o gado era fonte de alimentação e fornecia o couro que era usado na confecção de roupas, calçados, móveis e outros utensílios. Na criação de gado, quase não havia escravos, predominando o trabalho livre, principalmente dos indígenas.

O gado era criado de forma extensiva, ou seja, solto nas terras, sempre à procura de melhores pastagens. Dessa forma, o gado penetrou no interior, alcançado, já no século XVII, o Maranhão e o Ceará, ao norte, e, mais ao sul, as margens do rio São Franscisco. Originaram-se, assim, diversas fazendas no interior, o que acabou levando ao desbravamento da atual região Nordeste. Além da criação e gado, havia o cultivo de alguns produtos agrícolas complementares, como a mandioca que constituía a base da alimentação da população colonial, principalmente dos escravos.

O fumo ou tabaco era produzido principalmente para ser trocado por negros escravos na costa africana, onde era muito valorizado. Sua produção desenvolveu-se mais na Bahia e em Alagoas. Já o cultivo de algodão desenvolveu-se mais no Maranhão e visava apenas à produção de tecidos rústicos usandos na confecção das roupas dos escravos, já que, para os senhores de engenho e suas famílias, as vestimentas vinham da Europa.

A produção de artigos manufaturados na colônia era controlada pela metrópole portuguesa, a quem interessava assegurar a venda dos tecidos produzidos na Europa. No século XVII, a riqueza do açúcar levou os holandeses a invadirem o Brasil. Durante alguns anos, eles dominaram o Nordeste e se apropriaram de suas técnicas de produção. Após sua expulsão, em 1654, os holandeses tornaram-se os maiores concorrentes dos produtores nordestinos, passando a fabricar açúcar nas suas colônias das Antilhas. Isso marcou o início da decadênicia econômica do Nordeste açucareiro, o que levou toda a colônia a uma profunda crise.

Colônias de Exploração e Colônias de Povoamento
A colonização portuguesa no Brasil, assim como a espanhola na América, realizou-se com base no pacto colonial, produzindo riquezas que quase nunca ficavam nas áreas coloniais. Ao mesmo tempo, para garantir os ganhos e o domínio colonial, as metrópolos definiam o tipo de propriedade e a forma de produzir, além de exercerem o controle da produção.
Resulta daí uma economia e uma organização social que espelhavam a dominação e a dependência. Para atender às exigências metropolitanas, o Brasil e a América Espanhola transformaram-se num conjunto de colônias de exploração. Situação muito diferente aconteceu com a América Inglesa, em cuja colonização, só iniciada no século XVII, teve predomínio as colônias de povoamento. Para lá dirigiram-se colonos que fugiram de perseguições religiosas ou políticas e que tinham interesse em se instalar nas colônia e produzir para sua sobrevivência. Fundando as chamadas Treze Colônias, contavam com o clima temperado de boa parte de seu território, muito semelhante àquele que haviam deixado na Europa.



(da esquerda: colônia de povoamento, da direita: colônia de exploração)

Especialmente no norte (região conhecida como Nova Inglaterra) e no centro da costa atlântica da América do Norte, desenvolveu-se uma economia dinâmica, com produção para o mercado interno, logo desdobrando-se em actividades comerciais e manufatureiras, produzindo as origens da riqueza dos Estados Unidos.


Fonte:
http://palma1.no.sapo.pt