Uma década após o início da guerra, os Estados Unidos começaram a retirada do Afeganistão no ano mais mortífero para suas tropas e em um contexto complicado, marcado pelo aumento dos ataques de grupos extremistas e pelas tensões com o Paquistão. Os talibãs estão imersos em uma "nova campanha de ataques terroristas", constata um recente estudo de Anthony Cordesman, do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais (CSIS). Segundo ele, a violência no leste do Afeganistão, sobretudo nas áreas de fronteira com o Paquistão, cresceu 40% em 2011. Com 67 militares mortos, agosto passado foi o mês mais mortífero para as tropas americanas desde que o Governo do ex-presidente George W. Bush decidiu invadir o Afeganistão em outubro de 2001 numa campanha para eliminar a rede terrorista Al Qaeda, responsável pelos atentados do 11 de Setembro. Esse número inclui os 30 mortos na derrubada de um helicóptero em 6 de agosto na província afegã de Wardak, no que foi considerado o ataque mais sangrento contra as tropas dos EUA desde que começou a guerra há dez anos. Os militares americanos mortos desde então já passam dos 1,7 mil, segundo meios de comunicação como o jornal "The Washington Post" e o site independente icasualties.org. O fim do conflito não parece fácil nem próximo. Tal como o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, advertiu em um relatório divulgado nesta quarta-feira, a violência aumentou 39% ao longo deste ano no Afeganistão em relação ao mesmo período de 2010. De acordo com as Nações Unidas, o número de atentados suicidas múltiplos, como o cometido por um comando talibã em meados de setembro contra a embaixada dos EUA e o quartel-general da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em Cabul, também cresceu 50% neste ano e se situa em uma média de três por mês. O Governo do presidente Barack Obama acusa a rede talibã Haqani de envolvimento em vários atentados contra alvos americanos, inclusive o que atingiu a embaixada em Cabul, e está na "fase final" da análise para decidir se inclui o grupo extremista em sua lista de organizações terroristas. O chefe do Estado-Maior americano, o almirante Mike Mullen, descreveu na semana passada a rede Haqani como "um braço estratégico do ISI" - os serviços de inteligência do Paquistão. A Casa Branca não se alinhou às acusações de Mullen, negadas categoricamente pelo Governo de Islamabad, mas o porta-voz de Obama, Jay Carney, classificou-as como "consistentes" com a posição do Governo. Comentários como os de Mullen abriram velhas feridas e tensões não superadas entre os dois países, que foram crescendo desde que, em maio passado, um comando especial da Marinha americana matou o líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, na localidade paquistanesa de Abbottabad, a cerca de 100 quilômetros de Islamabad. As forças armadas paquistanesas, que viram o episódio como uma humilhação, responderam de forma hostil, reduzindo a cooperação militar na área e, em particular, na fronteira com o Afeganistão. Por sua vez, os EUA retiraram o envio de ajuda militar de US$ 800 milhões. "(O Paquistão) continua sendo um santuário para os insurgentes", ressalta Cordesman em seu relatório, no qual destaca também que o Governo afegão do presidente Hamid Karzai "é substancialmente mais fraco do que se esperava". Mas este analista vai além e afirma que o desafio para os EUA e às tropas aliadas que estão sob o comando da Otan no Afeganistão é "derrotar a insurgência não só em termos táticos, mas também eliminando seu controle e influência sobre a população". Alguém que muito contribuía na busca da tão almejada estabilidade do Afeganistão era o ex-presidente do país Burhanuddin Rabbani, chefe do Conselho de Paz encarregado de negociar com os talibãs e outros rebeldes, mas ele foi assassinado em setembro por um terrorista suicida. A conjuntura é adversa, mas a retirada das tropas estrangeiras já está em andamento desde julho para transferir gradualmente a competência da segurança às forças afegãs, num processo que deve concluir em 2014, segundo os prazos previstos. Dos 90 mil americanos que estão no Afeganistão, cerca de 10 mil voltarão para casa ainda neste ano, outros 33 mil em setembro de 2012 e o restante de forma paulatina até 2014, data estipulada na cúpula da Otan de novembro de 2010 em Lisboa. Em 2012, serão realizadas as eleições presidenciais nos EUA, e o conflito no Afeganistão pode ser decisivo para Obama, que busca a reeleição, assim como ocorreu com Bush com o conflito no Iraque.