Nascido em 13 de janeiro de 1852, primogênito do ex-combatente farroupilha Francisco Saraiva e Dª Propícia da Rosa, tem sido Gumercindo Saraiva um dos personagens mais injustiçados pela história oficial.
Acusado em primeiro lugar de nem ser sulista (alguns insistem em dizer que era uruguaio), foi redimido por Luís Felipe de Castilhos Goycochea, em seu livro “Gumercindo Saraiva na Guerra dos Maragatos” (Ed. Alba, Rio de Janeiro, 1943), onde foi apresentada transcrição de seu assentamento de batismo, provando definitivamente ter Gumercindo nascido em território Rio Grandense, no atual município de Arroio Grande.
Ainda criança transferiu-se com sua família para o departamento de Cerro Largo, Uruguai, onde seu pai faria fortuna, chegando a ser um dos homens mais ricos daquele país.
Quando Gumercindo, juntamente com seu irmão Aparício, atingiu a adolescência, foi enviado a Montevidéu, para estudar no colégio de Montero Vidaurreta, conhecido educador. Os pais achavam que eles poderiam ser médicos ou advogados, mas os dois logo se aborreceram e aproveitaram a primeira oportunidade para escapar da escola. A primeira que surgiu foi um levante contra o governo colorado de Lorenzo Batlle, em 1870. Essa revolução, liderada pelo caudilho rural Timoteo Aparicio, ficou conhecida comoRevolución de las Lanzas, devido à arma que predominou, o que testemunhava o primitivismo da tecnologia militar disponível na época. Por conta da revolução, Gumercindo começou a acumular prestígio, chegando a ser nomeado comissário, logo após seu término, em 1872. Seria o prenúncio da carreira do homem que, anos mais tarde, seria amado por seus correligionários e odiado mortalmente por seus inimigos políticos.
Casou-se aos 21 anos e teve 4 filhos. Após o casamento, cuidou da vida familiar e do progresso da estância que morava, ainda no Uruguai, sendo muito conhecidas suas habilidades como tropeiro.
Num dia de 1875 chegou a notícia de que don Angel Muniz estava em armas novamente. Gumercindo foi nomeado tenente em um piquete de Justino Muniz, irmão de don Angel. Aparício receberia o posto de alferes. A revolução, entretanto, não passou de algumas movimentações de tropas e um ou outro entrevero com os adversários, já que o caudilho Timoteo Aparicio desautorizou o movimento armado. Logo chegou a notícia de que a revolução acabara, antes mesmo dos primeiros conflitos armados.
Gumercindo, entretanto, já era um homem marcado. Todos sabiam de sua afeição às revoluções e que era um blanco, inimigo dos colorados. Por conta disso, seus vizinhos de estância, que eram colorados, armaram um conflito de divisa de terras visando provocar algum incidente que o prejudicasse. No entrevero que se seguiu acabou atirando em um peão do vizinho. Um processo penal foi instituído com todo o júri colorado. Ante a ameaça de ser preso, Gumercindo deixa o Uruguai e vem viver em Santa Vitória do Palmar, administrar uma das estâncias de seu pai. Em seguida consegue o respeito e simpatia de seus vizinhos, principalmente por ser ativo combatente do abigeato (roubo de gado) na região.
Seu biógrafo Manuel Fonseca disse: “Gumercindo era um chefe nato, um caudilho senhoril, um cavalheiro bem apessoado, que de imediato conquistava o coração dos que se lhe aproximavam”.
Em seguida comprou suas próprias terras e logo foi nomeado delegado; o Imperador Pedro II ofereceu-lhe o título de Barão de Santa Vitória do Palmar, que ele recusou a um pretexto qualquer, mas em verdade por ser republicano, como era seu pai desde a Guerra dos Farrapos.
Julio de Castilhos em 1890, quando cogitou organizar o Partido Republicano em Santa Vitória, mandou oferecer-lhe a chefia local do mesmo, por intermédio de Assis Brasil, a qual oferta recusou por não admitir a colaboração dos antigos conservadores, seus tradicionais inimigos de longa data. Segundo alguns autores, aquela recusa foi a causa do ódio que passou a devotar-lhe Julio de Castilhos, e a causa de todas as acusações que passou Gumercindo, de então em diante.
Com a ascenção de Julio de Castilhos ao governo do Rio Grande, foi exonerado da função de delegado passando, por ser inimigo deste, a ser perseguido, tendo inclusive enfrentado processos judiciais, que culminaram com sua prisão e, em seguida uma fuga espetacular do cárcere.
Numa fase de instabilidade no governo Rio Grandense, estabeleceu-se a dualidade de poder, de um lado o federalista Joca Tavares, e do outro o castilhista Victorino Monteiro. O Rio Grande estava prestes a se convulsionar. A revolução estava próxima. Gumercindo voltou ao Uruguai para se juntar aos rebeldes, que organizavam suas tropas em Melo.
Quatrocentos cavaleiros atravessaram a fronteira no passo do Aceguá, silenciosos e graves. Gumercindo estava vestido de negro, e levava o lenço branco atado ao pescoço, assim como Aparício. Todos os demais usavam lenços vermelhos - a marca dos maragatos -, e que se transformariam também no símbolo da revolução.
Gumercindo e Aparício, entretanto, jamais colocariam aquela cor ao pescoço, mesmo que estivessem indo para uma guerra. O lenço branco, símbolo do Partido Nacional, pelo qual eles haviam dado o sangue, nunca seria trocado pelo do antigo inimigo. Os dois irmãos, ao que parece, professavam um respeito sagrado aos símbolos. Não importava que a guerra fosse em outro país, por outros motivos, talvez por outras idéias.
As batalhas se sucederam e em seguida os rebeldes, que eram doze mil, tomaram várias cidades do Rio Grande. Mas uma decisão controversa de Joca Tavares, o chefe da revolução, fez com que recuassem e voltassem ao Uruguai, depondo armas. Os orgulhosos revolucionários que haviam invadido o Rio Grande a menos de dois meses voltavam ao Uruguai humilhados e perplexos diante da decisão de seu chefe.
Mas na tensa reunião em que os rebeldes decidiram a volta ao Uruguai para reorganizar suas forças, o Coronel Gumercindo Saraiva declarou solenemente que não atravessaria a fronteira. A decisão de Gumercindo naturalmente deve ter causado mal-estar na cúpula. Afinal, o general Joca Tavares e o general Salgado sabiam o que faziam. Tinham galões, tinham feridas, tinham história. E esse castelhano quem era? São questões que dizem respeito ao amor-próprio dos caudilhos, mas havia também a questão política. Em que princípio Gumercindo Saraiva era mais atilado e reto do que qualquer outro deles? Tais questões ficavam no ar. De qualquer forma a iniciativa de Gumercindo teve que ser aceita. Na mesma noite partiu com seus quatrocentos lanceiros. O primeiro desafio seria evadir o cerco governista. Mesmo com o descrédito de muitos, conseguiu passar e, já na manhã seguinte assaltou um potreiro republicano e levou 1600 cavalos gordos. A lenda estava começando.
Logo as suas histórias começavam a percorrer o Rio Grande: um trem assaltado em Bagé, um curral incendiado em Jaguarão, fios de telégrafo sabotados em São Gabriel, a tomada de Lavras e a entrada triunfal em São Sepé.
Aparecia e desaparecia com uma velocidade desconcertante, desmoralizando as propostas de paz e as ofertas de garantias para os federalistas que depusessem as armas. Contra todos os pareceres, a guerra continuava, e tinha um nome: Gumercindo. A Divisão do Norte foi chamada para perseguir, encurralar e destroçar o contingente de Gumercindo Saraiva. Perseguiram-no dia e noite e quando pensavam que o tinham encurralado em Vacacaí Grande perderam-no num capão cerrado.
Apareceu de repente em Herval, deu um susto em Arroio Grande e depois se apresentou diante de Jaguarão e postou-se em posição de ataque. Pinheiro Machado compreendeu que Gumercindo tinha a intenção de avançar até a cidade de Rio Grande para apoiar Wandenkolk que, agora estava diante do porto de Rio Grande, com sua precária armada. Se Gumercindo pudesse dar-lhe apoio, as coisas começariam a ficar complicadas. Pinheiro Machado compreendeu que Gumercindo poderia incendiar os ânimos dos federalistas mais uma vez. Acelerou a marcha da Divisão do Norte para tomar-lhe a frente. Gumercindo parou sua marcha, esperou, depois retrocedeu. Recebera a notícia de que os federalistas já estavam recompostos, mais bem armados e tinham tornado a entrar em território gaúcho. A reunião seria em Ponche Verde, perto de Dom Pedrito. Com rapidez desmobilizou o cerco e tocou no rumo do oeste. Quando Pinheiro Machado chegou na região não encontrou mais vestígio dos federalistas. Pinheiro Machado começava a entender por que Assis Brasil, certa vez, fizera questão de aliciar o caudilho. O homem fora um tropeiro. Como ele, conhecia os atalhos.
Com a Revolta da Armada e a tomada de Desterro, atual Florianópolis, pelos revoltosos, os federalistas pensaram em uma união com esses para a derrubada de Floriano Peixoto (uma vez que esse apoiava Julio de Castilhos) e assim Gumercindo iniciou a invasão de Santa Catarina e, posteriormente, do Paraná, invadindo Curitiba em janeiro de 1894, onde estabeleceu o quartel general. Em seguida procedeu, juntamente com seu irmão Aparício, o memorável Cerco da Cidade da Lapa, onde venceu os governistas após 26 dias de batalha. Em fins de março, chegou a Ponta Grossa. Nessa cidade lançou a ordem do dia anunciando a invasão de São Paulo, na qual consta a primeira manifestação documentada da intenção da criação de um novo país constituído pelos três Estados do Sul, unidos: “a consciencia me diz que eu devo proclamar a independencia do Estado do Paraná e dos seus dois irmãos do Sul.” (Ordem do Dia nº 6 – Ponta Grossa – Paraná – 7 de abril de 1894).
Com a reorganização das tropas da ditadura de Floriano, recuou ao Rio Grande, onde, logo após reorganizar as tropas federalistas, ao fiscalizar alguns piquetes revolucionários, foi baleado por governistas tocaiados em meio a um capão de mato, num ato considerado indigno por qualquer combatente rio grandense da época. Em 10 de agosto de 1894, no Carovi, expirou, sendo sua morte um golpe na organização da revolução.
Enterrado em Santiago do Boqueirão, seu túmulo foi profanado pelos governistas que, ao saberem que se encontrava enterrado ali, o desenterraram para cortar sua cabeça e leva-la a Julio de Castilhos.
Hoje, seu corpo sem cabeça encontra-se sepultado no Cemitério Municipal de Santa Vitória do Palmar.
Acusado de atrocidades pela propaganda de guerra governista, centenas de testemunhos desmentiram tais fatos, inclusive de inimigos políticos seus. Em casos de abusos cometidos por seus comandados, punia exemplarmente, pois não aceitava que as tropas maragatas fossem consideradas violentas e não de soldados disciplinados. Quando soldados maragatos foram acusados de roubar uma coleção de moedas do Museu Paranaense, a título de ressarcimento o então General Gumercindo Saraiva doou sua espada ao acervo do Museu, onde encontra-se até hoje. Afastou seu primo do comando de uma brigada por ter recebido denúncias de que este era cruel com seus prisioneiros. Em suma, seus atos provaram ser dotado de uma retidão de caráter visível em poucos líderes da época.
Cumpre lembrar que os revolucionários Federalistas, ao ganhar as batalhas, garantiam os direitos e a vida dos adversários, como nas capitulações de Tijucas e da Lapa, onde todos os oficiais e praças florianistas foram libertados sem punição. Entretanto, as mesmas tropas governistas, quando venceram, não demonstraram a mesma grandeza; ao contrário, partiram para a retaliação e vingança, ente tantos, citamos o célebre caso do martírio do Km 65 da estrada de ferro Curitiba – Paranaguá, onde foram fuzilados o Barão do Serro Azul e outros célebres cidadãos paranaenses inocentes.
Em Desterro, atual Florianópolis, ocorreram centenas de fuzilamentos de prisioneiros inocentes, entre eles o Barão do Batovi e seu filho; muitos cidadãos catarinenses foram tirados de suas casas sem nunca terem colaborado com a Revolução, sendo assassinados também, por ordem de Floriano Peixoto e sob o comando do tristemente memorável coronel Moreira César, famoso por suas atrocidades, como foi em Curitiba o famigerado general Ewerton Raimundo de Quadros. Os fuzilamentos somente pararam quando negociada a mudança do nome da capital catarinense para Florianópolis, em triste homenagem ao verdugo dos filhos da nobre terra catarinense.
Castilhos Goycochea, Luiz Felipe – Gumercindo Saraiva na Guerra dos Maragatos – Ed. Alba – Rio de Janeiro – Brasil – 1943.
Ruas, Tabajara; e Bones, Elmar – A Cabeça de Gumercindo Saraiva – Ed Record – Rio de Janeiro – Brasil – 1997.
Dourado, Ângelo – Voluntários do Martírio – Fac-símile da edição de 1896 – Martins Livreiro Editor – Porto Alegre – 1992.
Fonte: http://pampasturismo.com.br/terrasdosul/personalidades.htm#GUAIRACÁ