31.10.13

BENTO GONÇALVES





Bento Gonçalves da Silva, sobre cujos ombros pesou a responsabilidade imensa de toda a Revolução de 1835, nasceu na então Freguesia do Senhor Bom Jesus do Triumpho, atual município de Triunfo, a 23 de setembro de 1788, existindo ainda, naquela cidade, a casa que nasceu. Ali residiam seus pais, quando veio ao mundo, o futuro herói gaúcho, e eram eles o alferes Joaquim Gonçalves da Silva e D. Perpétua da Costa Meirelles, sendo o pai natural de Portugal e a mãe filha do Triunfo.

Fôra Bento Gonçalves destinado ao sacerdócio, mas, como relutasse em seguir a carreira eclesiástica, foi substituído por seu irmão Roberto Gonçalves, que ficou sendo o padre da família.

Educou-se o valente gaúcho nas lides campeiras, até que, em 1811, com 23 anos de idade, começou a sua carreira militar na chamada "Campanha de D. Diogo". Bento Gonçalves foi juiz de paz na Vila de Mello, (atual cidade de Melo), Uruguai, naquela época ainda Província Cisplatina, onde casou-se com D. Caetana García da Silva, filha do espanhol Narciso García, no Departamento do Cerro Largo, onde residiu até 1818, mais ou menos, sempre se correspondendo com as autoridades militares da fronteira do Rio Grande, e organizando partidas e guerrilhas contra os castelhanos, o que lhe valeu ser elevado ao posto de capitão de milícias ficando no comando de uma "partida volante da fronteira de Jaguarão".


Começou daí a destacar-se com gestos de coragem e de audácia, perante seus superiores hierárquicos, numa série de pequenos encontros. Em 1824 era promovido a Tenente Coronel e, em 1825, ao posto de Coronel, logo depois da sangrenta batalha do Sarandy, contra os Orientais. Comandando uma Brigada de Cavalaria tomou parte saliente na indecisa batalha do Passo do Rosário, em 1827. Nomeado, em 1829, Coronel de Estado Maior foi destacado outra vez para a fronteira do Jaguarão, afirmando-se dia a dia e cada vez mais o seu prestigio.

A partir da abdicação de D. Pedro I (7 de Abril de 1831), a política na terra gaúcha tornou-se áspera e violenta. É que o movimento contra D. Pedro I fora feito com esperanças de que os portugueses, adotivos, "caramurus" ou "pés de chumbo", como eram conhecidos, fossem afastados dos cargos públicos aos quais eles se haviam perdido, quais sanguessugas vorazes. O que é verdade, porém, é que no Rio Grande eles continuaram, após aquele movimento, nos cargos oficiais com acintoso menosprezo aos Rio Grandenses.




Havia dois partidos, por isso, que se degladiavam violentamente, na Província. Um formado pelos adeptos da Sociedade Defensora da Independência, que queria manter a autonomia política do Brasil e constituído, na maioria, por brasileiros natos; o outro, que era partidário da Sociedade Militar e que pretendia promover a volta de D. Pedro I ao Brasil, formado quase que só por portugueses. No desdobramento histórico desses partidos, eles tornaram-se mais tarde, respectivamente, Luzia e Saquarema, e Liberal e Conservador, durante o segundo reinado.

Para Bento Gonçalves voltava-se, naquele momento, todo o Rio Grande do Sul nas suas aspirações de liberdade. Mas, sobre o futuro chefe, pairava o olhar adunco dos retrógrados, que não tardaram em o acusar perante os grandes do Império. Chamado em 1833, à Corte, Bento Gonçalves seguiu imediatamente para o Rio de Janeiro, tendo por advogado o major Lima e Silva, seu amigo e correligionário e irmão do Regente, o qual pulverizou as mesquinhas intrigas dos inimigos do Coronel, demonstrando à Regência a falsidade das acusações que haviam movido contra o valente militar e acusando por sua vez os detentores do poder no Rio Grande. Regressou, assim, Bento Gonçalves mais prestigiado para a sua terra natal, mantido no comando de seu corpo e com uma pensão do governo em atenção aos relevantes serviços por ele prestados ao Império.

Historiar os primórdios da revolução desde as grandes agitações que sacudiram e sublevaram a alma rebelde dos continentinos até o seu evento incoercível e violento, assim como o drama e a tragédia da luta nas coxilhas esmeraldinas, seria impossível dentro das contingências de um artigo, que nem é a biografia de Bento Gonçalves, senão, apenas, uma ligeira resenha de sua vida. Basta dizer que, em tudo isto, o nosso herói era a figura central, em torno da qual desdobravam-se os destinos da revolução.

Concorrendo com o valor de seu braço e o prestigio de seu nome para o 20 de Setembro de 1835 e depondo Fernandes Braga, procurou Bento Gonçalves imediatamente prestar obediência ao Governo Imperial, mas este não o quis ouvir e ele bem andou em trazer de sobreaviso seus partidários prontos para o que desse e viesse. Não tardou, de fato, que os grandes patriotas daquele movimento vissem que o Governo Imperial apenas contemporizava com eles para logo que se visse forte persegui-los e processá-los. Então Bento Gonçalves e seus bravos companheiros de causa saíram para o campo raso das batalhas e começaram a escrever, com heroísmo inigualável, as paginas mais brilhantes da História sul-americana. No combate da Ilha do Fanfa, a 4 de Outubro de 1836, foi Bento Gonçalves aprisionado por Bento Manoel Ribeiro, que assim vibrava um profundo golpe na revolução, ferindo-a em cheio, no que ela tinha de mais caro. Os ânimos daqueles bravos inquebrantáveis não se entibiavam jamais diante dos revezes. Proclamada a República por Antonio de Souza Netto, nas margens do Seival, foi, pouco depois, escolhido Bento Gonçalves para seu presidente. E assim, enquanto o chefe revolucionário amargava os dias na fortaleza de Santa Cruz, no Rio, e, mais tarde, no Forte do Mar, na Bahia, os seus irmãos daqui o homenageavam desse modo, e, ainda mais, era ele promovido ao posto de general, por decreto do governo Farroupilha de 12 de Novembro de, 1836, por seu "merecimento, valor, acrisolado patriotismo, perícia militar e relevantes serviços que ha prestado à causa da liberdade Rio Grandense". Lançavam, deste modo, um cartel desafio aos imperiais, certos de que ele um dia ainda volveria aos pagos para novamente pôr-se à frente daquele grupo de heróis. E Bento Gonçalves, de fato, a 10 de Setembro de 1837, conseguiu evadir-se da Bahia e retornar à sua terra, assumindo outra vez, o comando da luta.

O grande combate de Rio Pardo travado a 30 de Abril de 1838, o mais importante da Guerra, com a formidável vitória obtida pelos Farrapos, veio dar-lhes muita força moral e material. A república parecia consolidar-se e o governo ia, aos poucos, se organizando. A invasão de Santa Catarina, em 1839, por Canabarro, auxiliado eficazmente por Garibaldi, foi um segundo desafio aos Imperiais.

Convocada e reunida a constituinte farroupilha, em 1842, dela, que tanto se esperava, surgiu a desavença entre os amigos da véspera e uma acirrada luta partidária, que as intrigas mais acentuaram, levou Bento Gonçalves a se demitir da Presidência da República e a entregar o comando do Exército Rio Grandense a David Canabarro num grande e nobre gesto de renúncia e desprendimento.

O duelo por ele travado com seu parente Onofre Pires, do qual resultou a morte deste, ainda mais veio desgostá-lo. Entretanto, continuava o mesmo soldado de sempre, brioso e leal. E só, no ultimo momento, em 1845, quando o último soldado seu recolheu-se ao rancho da querência distante, é que Bento Gonçalves, pobre e abandonado, despiu se, por fim, da armadura de cavaleiro andante, envolvendo-se na penumbra para morrer, dois anos mais tarde, na residência de Gomes Jardim, em Pedras Brancas, atual município de Guaíba.

Erros poderia ter esse Gaúcho de valor. Erros tiveram muitos homens da sua estatura moral e a História lhes perdoa. Mas, nós simbolizamos nele todo o decênio heróico, glorioso, memorável, inesquecível, da Guerra dos Farrapos. Foi ao aceno da sua espada sem mácula, ao seu caráter adamantino, ao seu prestigio oriundo de um passado que era uma garantia para o porvir, que os Rio Grandenses se ergueram um dia, cansados de tanto desapreço em que eram tidos por aqueles áulicos da Corte, que, como o governo de Brasília de hoje, só exigiam o nosso trabalho, a nossa coragem, o nosso sangue, os nossos recursos financeiros e humanos, sem dispensar-nos sequer a mínima consideração.

Honremos, por isso, Bento Gonçalves da Silva, cuja figura legendária é bem a encarnação de toda uma raça de titãs!




Condensado de:
Episódios e Perfis de 1835
Deoclécio
Paranhos Antunes
Ed. Livraria do Globo
Porto Alegre - 1935

Fonte: http://pampasturismo.com.br/terrasdosul/personalidades.htm#GUAIRACÁ