31.10.13

SEPÉ TIARAJÚ



Se as Missões Orientais fazem parte da História do Brasil, não há razão para que Sepé Tiaraju não faça como querem alguns. Sepé morreu lutando contra Espanha e Portugal; não lutou contra o país chamado “Brasil”.

Se o Brasil (Portugal) tivesse ficado com a Colônia do sacramento em vez da “região missioneira”, Sepé faria parte da história-pátria da terra Argentina, mas como o triângulo territorial dos Sete Povos veio fazer parte do Brasil, Tiaraju ganhou lugar na galeria dos campeadores brasileiros. Por acaso os Farroupilhas não fazem parte dessa galeria? - e lutaram contra o governo do Brasil. Sepé lutou por sua gente e sua terra, que depois se tornariam brasileiras, terra e gente.

Que importância tem se Tiaraju nasceu do lado de cá ou de lá do Uruguai? Por acaso Cabral, D. Pedro I, Estácio de Sá, Garibaldi, Fernão Dias Pais Lemes, Pe. Vieira, Anchieta, Tomé de Souza, Nassau e tantos outros personagens da História brasileira não nasceram do lado de lá do Atlântico?

Com referência à preocupação, de certos escritores ao enlevo dado a Sepé Tiaraju, em detrimento ao comandante maior Nicolau Neenguiru: deve-se ao fato de que Sepé vivia nos Sete Povos, enquanto que Neenguiru. residia no lado de lá do Uruguai.

Que importa conjeturar o rumo da História e suas conseqüências caso os guarani-missioneiros tivessem vencido a batalha de Caiboaté? - Nada. Suposições não fazem coisa alguma, muito menos História.

O gaúcho Mário Mattos, arranchado em Sorocaba, escreveu a macanuda "Décima de Sepé Tiaraju"; ... uma tropilha, dentre as 322 estrofes de sua obra:




“...

O que Sepé combatia

No Tratado de Madri,

Não era o tratado em si,

Do qual nem tinha noção;

Era sim, contra a expulsão

Do seu povo guarani.



Foi a ordem desumana

Resolvida no além-mar,

Sem nada considerar,

Mandando os índios embora,

Das suas terras pra fora,

Pra delas se apoderar!



Golpe baixo nas Missões,

Onde o índio progredia

E a riqueza produzia,

Mostrando ao resto do mundo

Um viver novo e fecundo,

Que ao seu redor não se via!



Com cidades e lavouras,

Oficinas, gado e estâncias,

Tinham tudo em abundância

Pois se uniram no trabalho;

O seu único atrapalho

Era do branco a ganância

Por ironia da História,

Os índios eram cristãos,

Desejavam dar as mãos

Aos brancos da mesma crença

Mas só levavam ofensas

Dos desalmados irmãos




Quem escravizava o índio

Por todo este continente,

Não podia estar contente

Vendo florir as Missões,

Pois elas davam lições, -

Mostravam que. o índio é gente.



Isso explica o tal Tratado

Entre as potências rivais;

Nele, as Cortes coloniais

Aplainavam suas questões,

Pra dar um fim nas Missões

Que já lhes eram demais



A insurreição guarani

Foi legítima defesa,

Teve heroísmo e beleza;

Só interessava aos potentados

Chamar heróis de coitados

E ignorar sua grandeza!



Quem pode entender teu gesto

De ao índio negar direito

E de chamar que foi perfeito

O invasor que o massacrou?

"Se foi luso, não errou" -

É esse o teu preconceito!



Nosso tronco é lusitano,

Mas a raiz é mestiça

Pois se criou na justiça

Como raça marginal,

E do patrão colonial,

Só vinha o mando e a cobiça.



É falso querer cobrar

De Sepé 'brasilidade'

Pois nesse tempo, em verdade,

Brasil ainda não havia:

Brasileiro não podia

Ter Pátria e nem liberdade!

Já te esqueceste, (...),

Da morte do Tiradentes

E o fim dos Inconfidentes,

Como traidores julgados

Pelas Cortes condenados,

Por se acharem diferentes?

Pretender marcar Sepé

Como súdito espanhol,

É como tapar o sol -

Só falta que me sustentes

Que era luso o Tiradentes,

Pra completar o teu rol!...



Entendo enfim que Sepé

Como súdito de sua gente; -

E que esse índio valente,

Nascido na nossa terra;

Contra a injustiça fez guerra,

Dando a vida heroicamente.



Querer negar a importância

De Tiaraju e das Missões,

É ignorar tradições

Da nossa faina campeira,

Que tem marca missioneira

Do focinho até os garrões.

..."


Na "Prosa dos Pagos", de Augusto Meyer, lê-se, que dezoito anos depois da morte de Sepé, quando Francisco João Róscio escreveu o seu Compêndio Noticioso, já constava o nome de "São Sepé" designando um rio, e que em 1787, José de Saldanha cita em notícias o mesmo rio “com suas margens pantanosas”.

Escreveu Meyer, textualmente:

"Quanto ao verdadeiro Sepé, a primeira referência que se encontra nos Documentos é uma carta do cura de São Miguel, Lourenço Balda, dirigida ao padre Tadeu Xavier Henis, em 22 de março de 1753. 'El Capitan Sepé' escreve o padre, ou 'el Capitan Josef’. Em carta de 15 de abril do mesmo ano, verificamos que o capitão Sepé já estava auxiliando a resistência contra os invasores.

No 'Documento 13’ aparece como 'Mestre de Campo del Pueblo de San Miguel'. O índio Caracará, num dos depoimentos jurados, refere-se ao 'Alferez Mayor de San Miguel llamado José Tiarayió'. O padre Tadeu, no seu admirável Diário, apresenta-o como 'uno de los mas famosos capitanes' e adiante, a propósito da prisão e fuga de Sepé, escreve: 'Joseph, celebre Capitan de los de San Miguel, que entonces mandaba la artillaria, que sabia pronunciar algunas voces de la lengua española y que era conocido de uno de los, portugueses con los medidores de tierras' ......

Disse ainda, Meyer, que se pode recompor a imagem de ser um índio valente, destro e dedicado aos padres, e que os dois episódios mais importantes em que figura a astúcia e agilidade, para traçar seu retrato, são a fuga e a morte em combate. É apenas "capitão" subordinado ao comando de "Don Nicolas Neenguiru, el principal de la Concepcion, que acababa de ser elegido Capitan General por común acuerdo de todos”, diz Tadeu Henis.

Ao subscritar a carta ao padre Miguel de Souto, quando em missão de olheiro para investigar a relação conflitiva entre os índios de outras bandas com os espanhóis, sabe-se, ora, como o cacique se identificava, por escrito:

"Envio o meu paje com notícia... a pouca gana que têm os índios de deixar seus Povos... Por essa razão viemos aqui, disse o espanhol, e estamos esperando carta do Superior. Disse o espanhol: e estamos aguardando que venha alguém falar conosco. É o que me há dito o Alcaide, segundo o que temos falado. E um índio acaba de trazer uns bois, que os tinha guardado um negro, e estes eram dos que traziam os espanhóis, Este pouco te escrevo da Estância das Éguas, de Santa Rosa, 27 de agosto.

Teu filho, quem deveras te ama. Joseph Tyarayú”.

"O ódio originário - escreve Capistrano de Abreu – torna-se hereditário; e era a estes inimigos de mais de três gerações que ingênua ou perversamente se entregavam, não a terra e a gente, mas a terra sem a gente? A gente haveria de deixar as suas igrejas que ainda hoje causam a admiração dos viajantes, suas lavouras, guas casas, suas chácaras fertilizadas indefesamente em labuta secular; tinha de emigrar em condições muito piores que da primeira vez, quando fugiram dos mamelucos, pois ao menos então estavam atreitos ao viver no mato e andavam alheios às comodidades da cultura ... ?"

Aos chefes das 700 famílias tapes-guarani que seguiram o exército de Gomes Freire, em 1757, são dados nomes portugueses, quando aldeados em N. Senhora dos Anjos (Gravataí), fazendo com que se confundissem com os povoadores brancos.

Após firmar-se outros tratados de limites, com avanços e recuos nas linhas, é que, em 1801, se conclui esta página de feitos heróicos, tal como se fossem uma saga, pelo pitoresco como se apresenta o histórico dos Sete Povos.

(Por Carlos Zatti em: “SUL” Edições ACPAI Curitiba – 1998)