Deise Banedito*
*Presidente da Fala Preta Organização de Mulheres Negras, Coordenadora de Articulação Política e Direitos Humanos, Membro do CNPIR-Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Secretaria Executiva do Fórum Nacional de Mulheres Negras/AMB e Membro do Conselho Editorial do Jornal Cidadania Ibase.
Artigo
Gerações de mulheres negras da América Latina e do Caribe sobreviveram, através da religiosidade, ao rigor da escravidão que foram vítimas nestes países. Com a abolição da escravatura nestes países, tinham a sua frente um novo desafio: resistir ao preconceito religioso e as inúmeras formas de discriminação provocadas pelo racismo, que foram combatidas através de várias formas de organização, como forma de resistência cultural e em defesa da continuidade de seus valores, éticos e culturais.
No Brasil, na década de 30, é criada a Frente Negra Brasileira. Em 16/09/ 1931, em São Paulo, esse movimento nasce da indignação de negros(as) abnegados(as), tendo como um dos seus objetivos a integração de negros no mercado de trabalho, o combate ao preconceito e a discriminação que eram vítimas. A Frente Negra Brasileira tinha seu departamento feminino, que era responsável pela alfabetização de homens negros e mulheres negras, crianças e jovens. Esta se constituiu em um movimento de caráter nacional com repercussão internacional sendo então extinta em 1938, pelo então Presidente Getulio Vargas, 50 anos após a Abolição.
A Integração da Mulher de Cor na vida Social “A mulher negra sofre várias desvantagens sociais, por causa do seu despreparo cultural, por causa da pobreza, pela ausência adequada de educação profissional.” “O Conselho Nacional das Mulheres Negras terá um setor especializado em assuntos relativos a mulher e a infância, este departamento feminino tem como objetivo lutar pela integração da mulher negra na vida social pelo seu elevantamento educacional cultural e econômico.” “Desejamos fazer funcionar imediatamente um curso de artes culinárias, corte e costura, alfabetização, datilografia, admissão, ginásio, e outros mais, contaremos com professores voluntários; será uma campanha voluntária para elevação educacional das mulheres negras.” Partes de discursos proferidos nos fins dos anos 40 já apontavam os caminhos a serem construídos pelas mulheres negras no Brasil, ao longo das décadas de 60, 70, 80, 90 chegando ao século XXI.
As mulheres negras sempre desenvolveram a luta contra a ideologia escravocrata, revivendo e recriando contos, lendas, mitos e recriando o patrimônio civilizatório africano na Diáspora Africana. A discriminação racial e a violência são problemas sociais que atingem as mulheres negras e as impede de ter uma vida digna e de serem respeitadas como cidadãs. A sua representação na sociedade não é vista pelas suas qualidades e valores, competência e sabedoria, mesmo assim ela sobrevive numa luta insana para sobreviver, para sustentar a família, reviver e manter a consciência negra.
Nas décadas de 60, 70 e nos anos 80,as mulheres negras no Brasil, tiveram um papel fundamental na Constituinte, propondo, intervindo de forma ativa no combate a discriminação no mercado de trabalho, na saúde e na educação. Buscando sempre assegurar os direitos básicos e fundamentais para a pessoa humana - o acesso ao trabalho remunerado com dignidade, moradia, assistência à saúde adequada, respeito aos seus valores éticos sociais, culturais e morais - essa sempre foi a luta das mulheres negras no Brasil. Em 25 de julho de 1992, durante o I Encontro de Mulheres Afro-latinoamericanas e Afro-caribenhas, em San Domingos, República Dominicana, estipulou-se que este dia seria o marco internacional da luta e da resistência da mulher negra na América Latina e no Caribe. Desde então, muitas ONGs de Mulheres Negras têm atuado para consolidar e dar visibilidade a esta data, tendo em conta a condição de opressão de gênero e racial/étnica em que vivem essas mulheres, explícita em muitas situações cotidianas. Nesse sentido, cabe destacar a influência que este debate teve internamente, disponíveis nos documentos que foram apresentados como no Eco 92 - Conferencia de Meio Ambiente, no Rio de Janeiro, e na Conferencia de Direitos Humanos, de Viena em 1993. Essa luta permitiu, através de muita pressão e articulação com movimentos feministas anti-racistas, que a discriminação racial sofrida pelas mulheres negras também fosse destacada na Conferência Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994, na Conferência de Populações do Cairo, na Declaração e na Plataforma de Ação de Pequim de 1995. E mais recentemente, no Plano de Ação da Conferência de Durban, onde pela 1a vez na história das Conferências das Nações Unidas, uma mulher negra, oriunda de movimento social, foi a Relatora Geral da Conferência da ONU, a sra. Edna Roland, presidenta de honra da Fala Preta Organização de Mulheres Negras. A partir destes Planos de Ações e declarações, esses instrumentos interna-cionais impulsionaram o movimento de mulheres negras a exigir, no plano local, a implementação de avanços obtidos na esfera internacional.
A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial – CERD é destinada a proteger e promover os grupos raciais, étnicos ou de origem nacional ameaçados ou historicamente prejudicados, e nestes grupos estão incluídas as mulheres negras. Ressalte-se, no entanto, os avanços das mulheres negras brasileiras obtidos no plano internacional através da participação em conferências, tais participações foram capazes de propiciar transformações internas.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW está destinada a proteger e promover as mulheres negras que sedimenta as bases da formação de uma identidade política. Do total da população negra, aproximadamente a metade é composta de mulheres. As mulheres negras são mais de 41 milhões de pessoas, o que representa 23,4% do total da população brasileira. São estas que sofrem com o fenômeno da dupla discriminação, ou seja, estão sujeitas a “múltiplas formas de discriminação social (...), em conseqüência da conjugação perversa do racismo e do sexismo, as quais resultam em uma espécie de asfixia social com desdobramentos negativos sobre todas as dimensões da vida” O dia 25 de Julho é um marco para as mulheres negras organizadas na América Latina e no Caribe, a busca pela dignidade, o fim das desigualdades raciais, da violência e dos efeitos nocivos do racismo é uma bandeira única entre as mulheres negras da América Latina e do Caribe. A necessidade do reconhecimento destas mulheres negras, jovens, idosas, fora da África que redimensionam suas vidas como agentes de transformação e símbolo de resistência tem sua origem na África. Os ideais libertários, que dignificam a pessoa humana em toda sua dimensão, sempre foram e serão a bandeira de luta das Mulheres Negras fora da África, que perdura a mais de cinco séculos.
Bibliografia Roland Edna - Ministério Trabalho e Emprego Relatório IPEA/2005
Protocolo CEDAW Convenção CERD Programa Nacional de Direitos Humanos/2000
Nascimento Abdias, Jornal Quilombo/1950
Fonte: http://www.mundonegro.com.br/noticias
pedido feito por: Nadir Azevedo de Abreu Marques