A história da escravidão no mundo é tão antiga quanto a da própria humanidade. Porém a forma mais comum de escravidão registrada historicamente tem origem a partir da relação de forças entre conquistadores e conquistados, com os primeiros impondo a condição servil aos segundos. Povos inteiros eram submetidos à servidão por terem sucumbido ao poder de um determinado conquistador.
No entanto, o tipo de escravidão que se deu nas Américas, logo após seu descobrimento por Cristóvão Colombo, em 1492, era praticamente inédita, baseada no subjugamento de uma raça, em razão da cor da pele.
No Brasil - como nos demais países do continente - havia os indígenas, formada por populações autóctones que, de início, foram utilizadas para o trabalho, tanto escravo quanto remunerado, por meio de transações de escambo. Porém, após o fortalecimento do lucrativo tráfico negreiro - que garantia grande acumulação de recursos à Metrópole -, a mão-de-obra indígena foi abandonada. Essas populações originárias de nosso continente passaram a ser simplesmente perseguidas e praticamente foram dizimadas.
A chegada de escravos da África teve início já nas primeiras décadas de colonização do Brasil. Um dos registros mais antigos do tráfico de escravos para nosso país data de 1533, no qual Pero de Góis pedia ao rei "17 peças de escravos". Poucos anos depois, em 1539, o donatário de Pernambuco na recente colônia, Duarte Coelho, solicitou ao rei de Portugal D. João III que fosse concedida permissão para "haver alguns escravos de Guiné (como eram chamados os africanos)". Porém o ciclo de exploração do pau-brasil - o primeiro comercialmente relevante da história do país - foi substancialmente viabilizado por mão-de-obra indígena.
Ciclo da cana
Foi com o ciclo econômico da cana-de-açúcar que a mão-de-obra negra se consolidou no Brasil, principalmente em Pernambuco e na Bahia. A partir de 1549, intensificou-se o tráfico negreiro para estas regiões, principalmente em razão dessa florescente cultura agrícola. Em 1559, o tráfico foi legalizado por iniciativa de um decreto do rei D. Sebastião, pelo qual ficava autorizada a captura de negros na África para o trabalho em território brasileiro.
O escravos negros, raptados de sua terra natal (principalmente da África Setentrional, onde hoje estão, por exemplo, Angola, Moçambique e a República Democrática do Congo) e levados a um lugar estranho, eram controlados com mão-de-ferro pelos senhores de engenho, que delegavam aos feitores e outros agregados a fiscalização dos cativos. Os castigos físicos, como o açoitamento, estavam entre os métodos de intimidação que garantiam o trabalho, a obediência e a manutenção dos servos e se prolongaram pelos mais de 300 anos de escravidão no Brasil.
Uma grande estrutura de controle dos escravos também foi criada, tanto no nível da administração colonial quanto dos próprios senhores de escravos, com seus capitães-do-mato - profissionais especializados na recaptura de escravos fugitivos - e outros agregados, além da própria rede de informações informal que servia para controlar os fugitivos.
Como a condição de escravo era simplesmente determinada pelas características raciais dos subjugados no Brasil, era praticamente impossível a fuga e a reinserção social de eventuais fugitivos. O estigma da cor da pele foi determinante para o prolongamento da escravidão por mais de três séculos no país.
Quilombos
Poucos foram os exemplos de comunidades formadas por escravos fugitivos que tiveram sucesso. Entre eles, o mais lembrado é o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, entre Alagoas e Pernambuco, que teria durado quase 100 anos, de 1602 a 1694, e reunido até 20.000 habitantes em diversas comunidades.
Deve-se lembrar que a construção do país hoje conhecido como Brasil foi possível devido à força de trabalho dos povos negros africanos e de seus descendentes durante os períodos Colonial e Imperial. Sem estes trabalhadores, a Metrópole portuguesa dificilmente teria condições de povoar e explorar os ricos recursos encontrados em nosso território, principalmente em razão da restrita população de Portugal à época.
O problema a se considerar é a forma completamente desumana a que estes trabalhadores foram seqüestrados de sua terra natal e forçados a servir os senhores de então. Os escravos, além da própria situação servil, viviam em condições muito precárias, sem qualquer qualidade alimentar, sanitária ou de habitação, já que era mais barato ao senhor de escravos adquirir um novo servo do que manter os trabalhadores por muitos anos.
Outros grandes legados do povo negro ao Brasil foram a sua cultura e a própria constituição da população tipicamente brasileira a partir da miscigenação. No primeiro caso, são notórias as influências da música, arte, religião, folclore e culinária dos africanos e seus descendentes na origem de nossa cultura. Um dos exemplos é o prato mais brasileiro de todos: a feijoada. Ao aproveitar as partes menos nobres do porco, que eram dispensadas pelos senhores aos escravos, os negros foram responsáveis pela criação de uma das iguarias mais saborosas de nossa culinária.
Já em relação à formação do "povo brasileiro", a miscigenação entre os negros e as outras populações presentes no país (brancos e indígenas) deu base à composição racial tipicamente brasileira. Segundo as respostas espontâneas dadas pelos entrevistados ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no Censo Demográfico 2000, a população brasileira é formada por 53,74% de brancos, 38,45% de pardos, 6,21% de pretos, 0,45% de amarelos, 0,43% de indígenas e 0,71% de cidadãos que não declararam cor nem raça específica na pesquisa.
Além de terem sido o alicerce do trabalho na lavoura da cana-de-açúcar durante o ciclo econômico alimentado por este produto, os escravos também foram a base da mão-de-obra no chamado ciclo do ouro, com a exploração do metal raro na região de Minas Gerais.
Somente na segunda metade do século XIX, com os movimentos abolicionistas ganhado corpo no país, é que a mão-de-obra escrava passou a ser substituída pelo trabalho livre, principalmente dos imigrantes europeus, que começaram a chegar ao Brasil nas últimas décadas daquele século e se dedicaram, principalmente, à lavoura do café, o quarto grande ciclo econômico da história brasileira.
Primórdios da libertação
Os ideais abolicionistas ganharam força a partir da independência do Brasil de Portugal, em 1822. Porém, como toda a base econômica do país era dependente da mão-de-obra escrava, os interesses da aristocracia vigente eram mantidos, apesar das pressões em contrário. Assim, o Brasil acabou sendo o último país das Américas a abolir a escravidão, somente em 1888, ou 84 anos depois da proclamação do Haiti como primeiro Estado negro do continente, em 1804.
Outro fator que colaborou com o declínio da exploração dos escravos no Brasil foi o empenho da Inglaterra em banir o tráfico de escravos. A partir de 1815, o governo inglês - sentindo-se prejudicado pelo comércio de mão-de-obra escrava e prevendo a necessidade de ampliar mercados para seus produtos manufaturados em massa a partir da Revolução Industrial - proibiu o tráfico entre a África e a América e passou a perseguir aqueles que o praticavam. Neste período, foi amplamente utilizado um sistema de repressão baseado em ações da expressiva armada naval inglesa, que caçava navios negreiros pelo Oceano Atlântico.
Àquela época, foram notórios os episódios de extermínio de escravos capturados na África quando algum navio negreiro se deparava com uma nau da armada britânica em plena rota para a América. Simplesmente, os capturados, ainda atados a suas correntes, eram atirados ao mar com pesos amarrados aos corpos para que desaparecessem no fundo das águas. Sem a prova do crime (os próprios africanos capturados), os ingleses não podiam deter os comerciantes de escravos. Imagem similar foi reproduzida no filme "Amistad", do diretor norte-americano Stephen Spielberg.
Somente em 1831 o governo brasileiro começou a implementar medidas para restringir o tráfego negreiro. Na ocasião, o governo brasileiro respondia a uma exigência britânica imposta para que a independência do Brasil fosse reconhecida. No entanto, a determinação legal brasileira nunca foi realmente cumprida. Somente em 1850, com a lei Euzébio de Queiroz, é que a repressão oficial ao tráfico negreiro tomou corpo.
Estima-se que cerca de 4,5 milhões de negros africanos teriam sido trazidos ao Brasil nos três séculos de tráfico negreiro, sem contar os mortos no transporte em navios negreiros que, acredita-se, chegavam a cerca de 40% do número total de capturados.
Estímulos à abolição
Em 1865, os Estados Unidos da América aboliram a escravidão em seu território. A seguir, a Guerra do Paraguai (1865-1870) foi outro impulso importante aos chamados movimentos abolicionistas, já que os escravos que engajavam ao combatente recebiam como prêmio a própria liberdade. Porém, aqueles que sobreviveram aos combates e voltavam da batalha sofriam pressões de seus antigos donos para que retornassem à condição de servos.
Em 28 de setembro de 1871, foi promulgada a chamada Lei do Ventre Livre, por iniciativa do visconde de Rio Branco, que estabelecia que os filhos de escravos nascidos a partir daquela data seriam pessoas livres. Porém, a lei não chegou a ter valor, já que dava aos senhores de escravos a tutela dos libertos até os 21 anos de idade, o que, na prática, representava a manutenção da condição servil. Como a abolição aconteceu em 1888, nenhuma pessoa chegou a ser beneficiada pela lei.
O movimento abolicionista ganhou corpo a partir de 1880, com o engajamento de importantes personalidades políticas e da vida pública de então. Alguns baluartes desse movimento foram Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, André Rebouças, Luís Gama e Silva Jardim. Em 1884, o Ceará antecipou-se ao governo imperial e decretou o fim da escravidão em seu território.
Em 1885, foi promulgada a chamada Lei do Sexagenário, ou Lei Saraiva-Cotegipe, que dava liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade, desde que os proprietários fossem indenizados. Como a Lei do Ventre Livre, os resultados da nova lei foram restritos, já que poucos cativos conseguiam atingir tal idade.
Abolição
A história da escravidão oficial no Brasil termina em 13 de maio de 1888, com a promulgação da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, filha do Imperador D. Pedro II. O texto da lei trazia apenas dois artigos: "Artigo 1º - É declarada extinta a escravidão no Brasil; Artigo 2º - Revogam-se as disposições em contrário". Na ocasião, existiam pouco mais de 700 mil escravos no país.
No entanto, o destino imediato dos negros libertos não foi o mais confortável. Deixaram a condição de servos mas não obtiveram qualquer concessão oficial de assistência, sendo sujeitos à miséria completa. Largado à própria sorte, esse grande contingente de pessoas se viu sem perspectivas de trabalho (afinal, a mais bem qualificada mão-de-obra dos imigrantes europeus já estava presente), de educação e de inclusão social.
Passados quase 116 anos desde a abolição da escravatura, a dívida social de nosso país com as populações descendentes dos antigos escravos africanos é ainda enorme. Indicadores sociais mostram que grande parte dos negros e pardos do Brasil vivem em condições precárias. O acesso a benefícios básicos, como educação, trabalho, saneamento e alimentação suficiente para uma correta nutrição, é bastante restrito a estas parcelas da população.
O estigma da escravidão hoje é transferido em forma de preconceito contra minorias menos assistidas, que são impelidas a viver em condições precárias e, muitas vezes, à merce de ambientes violentos e insalubres.
Algumas iniciativas que visam dirimir tais dívidas sociais com os afrodescendentes vêm sendo adotadas nos últimos anos, como é o caso da instituição de cotas raciais para o ingresso em universidades públicas. Porém as discussões ainda não tomaram um corpo que viabilize a efetiva adoção de tal política e nem há como garantir que a iniciativa garantirá uma inserção social mais efetiva aos beneficiados.
O que é certo é que sem a inclusão social democrática, plena e completa de todos os diversos grupos populacionais quem formam a Nação brasileira a um sistema mínimo de direitos, deveres e perspectivas, o almejado desenvolvimento nacional, meta vislumbrada desde o início de nossa história, nestes 500 anos de existência, não passará de retórica vazia.
Fontes:
ABREU, Capistrano - Capítulos da História Colonial - Ministério da Cultura - Fundação Biblioteca Nacional - Departamento Nacional do Livro - versão eletrônica
ALENCASTRO, Luiz Felipe de - O Trato dos Viventes - Formação do Brasil no Atlântico Sul - São Paulo: Companhia das Letras, 2000
COSTA, Emília Viotti da - Da Monarquia à República - momentos decisivos - São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas Ltda., 2ª edição, 1979
História do Brasil - Editor: Carlos Mendes Rosa - São Paulo: Publifolha - Divisão de Publicações do Grupo Folha, 2ª edição, 1997
Hora da Pesquisa - Editor: Arnaldo Soveral - São Paulo: Atualidades Pedagógicas Editora Ltda., 1ª edição, 1995
No entanto, o tipo de escravidão que se deu nas Américas, logo após seu descobrimento por Cristóvão Colombo, em 1492, era praticamente inédita, baseada no subjugamento de uma raça, em razão da cor da pele.
No Brasil - como nos demais países do continente - havia os indígenas, formada por populações autóctones que, de início, foram utilizadas para o trabalho, tanto escravo quanto remunerado, por meio de transações de escambo. Porém, após o fortalecimento do lucrativo tráfico negreiro - que garantia grande acumulação de recursos à Metrópole -, a mão-de-obra indígena foi abandonada. Essas populações originárias de nosso continente passaram a ser simplesmente perseguidas e praticamente foram dizimadas.
A chegada de escravos da África teve início já nas primeiras décadas de colonização do Brasil. Um dos registros mais antigos do tráfico de escravos para nosso país data de 1533, no qual Pero de Góis pedia ao rei "17 peças de escravos". Poucos anos depois, em 1539, o donatário de Pernambuco na recente colônia, Duarte Coelho, solicitou ao rei de Portugal D. João III que fosse concedida permissão para "haver alguns escravos de Guiné (como eram chamados os africanos)". Porém o ciclo de exploração do pau-brasil - o primeiro comercialmente relevante da história do país - foi substancialmente viabilizado por mão-de-obra indígena.
Ciclo da cana
Foi com o ciclo econômico da cana-de-açúcar que a mão-de-obra negra se consolidou no Brasil, principalmente em Pernambuco e na Bahia. A partir de 1549, intensificou-se o tráfico negreiro para estas regiões, principalmente em razão dessa florescente cultura agrícola. Em 1559, o tráfico foi legalizado por iniciativa de um decreto do rei D. Sebastião, pelo qual ficava autorizada a captura de negros na África para o trabalho em território brasileiro.
O escravos negros, raptados de sua terra natal (principalmente da África Setentrional, onde hoje estão, por exemplo, Angola, Moçambique e a República Democrática do Congo) e levados a um lugar estranho, eram controlados com mão-de-ferro pelos senhores de engenho, que delegavam aos feitores e outros agregados a fiscalização dos cativos. Os castigos físicos, como o açoitamento, estavam entre os métodos de intimidação que garantiam o trabalho, a obediência e a manutenção dos servos e se prolongaram pelos mais de 300 anos de escravidão no Brasil.
Uma grande estrutura de controle dos escravos também foi criada, tanto no nível da administração colonial quanto dos próprios senhores de escravos, com seus capitães-do-mato - profissionais especializados na recaptura de escravos fugitivos - e outros agregados, além da própria rede de informações informal que servia para controlar os fugitivos.
Como a condição de escravo era simplesmente determinada pelas características raciais dos subjugados no Brasil, era praticamente impossível a fuga e a reinserção social de eventuais fugitivos. O estigma da cor da pele foi determinante para o prolongamento da escravidão por mais de três séculos no país.
Quilombos
Poucos foram os exemplos de comunidades formadas por escravos fugitivos que tiveram sucesso. Entre eles, o mais lembrado é o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, entre Alagoas e Pernambuco, que teria durado quase 100 anos, de 1602 a 1694, e reunido até 20.000 habitantes em diversas comunidades.
Deve-se lembrar que a construção do país hoje conhecido como Brasil foi possível devido à força de trabalho dos povos negros africanos e de seus descendentes durante os períodos Colonial e Imperial. Sem estes trabalhadores, a Metrópole portuguesa dificilmente teria condições de povoar e explorar os ricos recursos encontrados em nosso território, principalmente em razão da restrita população de Portugal à época.
O problema a se considerar é a forma completamente desumana a que estes trabalhadores foram seqüestrados de sua terra natal e forçados a servir os senhores de então. Os escravos, além da própria situação servil, viviam em condições muito precárias, sem qualquer qualidade alimentar, sanitária ou de habitação, já que era mais barato ao senhor de escravos adquirir um novo servo do que manter os trabalhadores por muitos anos.
Outros grandes legados do povo negro ao Brasil foram a sua cultura e a própria constituição da população tipicamente brasileira a partir da miscigenação. No primeiro caso, são notórias as influências da música, arte, religião, folclore e culinária dos africanos e seus descendentes na origem de nossa cultura. Um dos exemplos é o prato mais brasileiro de todos: a feijoada. Ao aproveitar as partes menos nobres do porco, que eram dispensadas pelos senhores aos escravos, os negros foram responsáveis pela criação de uma das iguarias mais saborosas de nossa culinária.
Já em relação à formação do "povo brasileiro", a miscigenação entre os negros e as outras populações presentes no país (brancos e indígenas) deu base à composição racial tipicamente brasileira. Segundo as respostas espontâneas dadas pelos entrevistados ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no Censo Demográfico 2000, a população brasileira é formada por 53,74% de brancos, 38,45% de pardos, 6,21% de pretos, 0,45% de amarelos, 0,43% de indígenas e 0,71% de cidadãos que não declararam cor nem raça específica na pesquisa.
Além de terem sido o alicerce do trabalho na lavoura da cana-de-açúcar durante o ciclo econômico alimentado por este produto, os escravos também foram a base da mão-de-obra no chamado ciclo do ouro, com a exploração do metal raro na região de Minas Gerais.
Somente na segunda metade do século XIX, com os movimentos abolicionistas ganhado corpo no país, é que a mão-de-obra escrava passou a ser substituída pelo trabalho livre, principalmente dos imigrantes europeus, que começaram a chegar ao Brasil nas últimas décadas daquele século e se dedicaram, principalmente, à lavoura do café, o quarto grande ciclo econômico da história brasileira.
Primórdios da libertação
Os ideais abolicionistas ganharam força a partir da independência do Brasil de Portugal, em 1822. Porém, como toda a base econômica do país era dependente da mão-de-obra escrava, os interesses da aristocracia vigente eram mantidos, apesar das pressões em contrário. Assim, o Brasil acabou sendo o último país das Américas a abolir a escravidão, somente em 1888, ou 84 anos depois da proclamação do Haiti como primeiro Estado negro do continente, em 1804.
Outro fator que colaborou com o declínio da exploração dos escravos no Brasil foi o empenho da Inglaterra em banir o tráfico de escravos. A partir de 1815, o governo inglês - sentindo-se prejudicado pelo comércio de mão-de-obra escrava e prevendo a necessidade de ampliar mercados para seus produtos manufaturados em massa a partir da Revolução Industrial - proibiu o tráfico entre a África e a América e passou a perseguir aqueles que o praticavam. Neste período, foi amplamente utilizado um sistema de repressão baseado em ações da expressiva armada naval inglesa, que caçava navios negreiros pelo Oceano Atlântico.
Àquela época, foram notórios os episódios de extermínio de escravos capturados na África quando algum navio negreiro se deparava com uma nau da armada britânica em plena rota para a América. Simplesmente, os capturados, ainda atados a suas correntes, eram atirados ao mar com pesos amarrados aos corpos para que desaparecessem no fundo das águas. Sem a prova do crime (os próprios africanos capturados), os ingleses não podiam deter os comerciantes de escravos. Imagem similar foi reproduzida no filme "Amistad", do diretor norte-americano Stephen Spielberg.
Somente em 1831 o governo brasileiro começou a implementar medidas para restringir o tráfego negreiro. Na ocasião, o governo brasileiro respondia a uma exigência britânica imposta para que a independência do Brasil fosse reconhecida. No entanto, a determinação legal brasileira nunca foi realmente cumprida. Somente em 1850, com a lei Euzébio de Queiroz, é que a repressão oficial ao tráfico negreiro tomou corpo.
Estima-se que cerca de 4,5 milhões de negros africanos teriam sido trazidos ao Brasil nos três séculos de tráfico negreiro, sem contar os mortos no transporte em navios negreiros que, acredita-se, chegavam a cerca de 40% do número total de capturados.
Estímulos à abolição
Em 1865, os Estados Unidos da América aboliram a escravidão em seu território. A seguir, a Guerra do Paraguai (1865-1870) foi outro impulso importante aos chamados movimentos abolicionistas, já que os escravos que engajavam ao combatente recebiam como prêmio a própria liberdade. Porém, aqueles que sobreviveram aos combates e voltavam da batalha sofriam pressões de seus antigos donos para que retornassem à condição de servos.
Em 28 de setembro de 1871, foi promulgada a chamada Lei do Ventre Livre, por iniciativa do visconde de Rio Branco, que estabelecia que os filhos de escravos nascidos a partir daquela data seriam pessoas livres. Porém, a lei não chegou a ter valor, já que dava aos senhores de escravos a tutela dos libertos até os 21 anos de idade, o que, na prática, representava a manutenção da condição servil. Como a abolição aconteceu em 1888, nenhuma pessoa chegou a ser beneficiada pela lei.
O movimento abolicionista ganhou corpo a partir de 1880, com o engajamento de importantes personalidades políticas e da vida pública de então. Alguns baluartes desse movimento foram Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, André Rebouças, Luís Gama e Silva Jardim. Em 1884, o Ceará antecipou-se ao governo imperial e decretou o fim da escravidão em seu território.
Em 1885, foi promulgada a chamada Lei do Sexagenário, ou Lei Saraiva-Cotegipe, que dava liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade, desde que os proprietários fossem indenizados. Como a Lei do Ventre Livre, os resultados da nova lei foram restritos, já que poucos cativos conseguiam atingir tal idade.
Abolição
A história da escravidão oficial no Brasil termina em 13 de maio de 1888, com a promulgação da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, filha do Imperador D. Pedro II. O texto da lei trazia apenas dois artigos: "Artigo 1º - É declarada extinta a escravidão no Brasil; Artigo 2º - Revogam-se as disposições em contrário". Na ocasião, existiam pouco mais de 700 mil escravos no país.
No entanto, o destino imediato dos negros libertos não foi o mais confortável. Deixaram a condição de servos mas não obtiveram qualquer concessão oficial de assistência, sendo sujeitos à miséria completa. Largado à própria sorte, esse grande contingente de pessoas se viu sem perspectivas de trabalho (afinal, a mais bem qualificada mão-de-obra dos imigrantes europeus já estava presente), de educação e de inclusão social.
Passados quase 116 anos desde a abolição da escravatura, a dívida social de nosso país com as populações descendentes dos antigos escravos africanos é ainda enorme. Indicadores sociais mostram que grande parte dos negros e pardos do Brasil vivem em condições precárias. O acesso a benefícios básicos, como educação, trabalho, saneamento e alimentação suficiente para uma correta nutrição, é bastante restrito a estas parcelas da população.
O estigma da escravidão hoje é transferido em forma de preconceito contra minorias menos assistidas, que são impelidas a viver em condições precárias e, muitas vezes, à merce de ambientes violentos e insalubres.
Algumas iniciativas que visam dirimir tais dívidas sociais com os afrodescendentes vêm sendo adotadas nos últimos anos, como é o caso da instituição de cotas raciais para o ingresso em universidades públicas. Porém as discussões ainda não tomaram um corpo que viabilize a efetiva adoção de tal política e nem há como garantir que a iniciativa garantirá uma inserção social mais efetiva aos beneficiados.
O que é certo é que sem a inclusão social democrática, plena e completa de todos os diversos grupos populacionais quem formam a Nação brasileira a um sistema mínimo de direitos, deveres e perspectivas, o almejado desenvolvimento nacional, meta vislumbrada desde o início de nossa história, nestes 500 anos de existência, não passará de retórica vazia.
Fontes:
ABREU, Capistrano - Capítulos da História Colonial - Ministério da Cultura - Fundação Biblioteca Nacional - Departamento Nacional do Livro - versão eletrônica
ALENCASTRO, Luiz Felipe de - O Trato dos Viventes - Formação do Brasil no Atlântico Sul - São Paulo: Companhia das Letras, 2000
COSTA, Emília Viotti da - Da Monarquia à República - momentos decisivos - São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas Ltda., 2ª edição, 1979
História do Brasil - Editor: Carlos Mendes Rosa - São Paulo: Publifolha - Divisão de Publicações do Grupo Folha, 2ª edição, 1997
Hora da Pesquisa - Editor: Arnaldo Soveral - São Paulo: Atualidades Pedagógicas Editora Ltda., 1ª edição, 1995