29.12.10

Jean-Paul Sartre

Em uma de suas definições sobre oexistencialismo, Jean-Paul Sartre afirmou que, se Deus não existe, há pelo menos um ser cuja existência precede a essência – isto é, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer concepção de si. Esse ser é o homem. Para ele, o homem existe, descobre-se, aparece no mundo – e se define depois. Sartre considera que o homem não é definível a priori, porque, para começar, ele não é nada. Cada ser humano só será alguma coisa mais tarde e, então, será aquilo que fizer de si mesmo.

Enquanto viveu, Sartre foi um dos filósofos mais populares do mundo. O existencialismo, filosofia que ele se tornou o porta-voz, emergiu como o pensamento que melhor preencheu o vazio para estudantes, intelectuais e revolucionários de uma Europa em ruínas logo após a Segunda Guerra Mundial. A incessante contestação da autoridade, a revolta contra os valores burgueses e a busca pela liberdade última do indivíduo estão entre as principais características do existencialismo defendido por Sartre. Essas ideias foram adotadas como uma estimulante “filosofia da ação” por jovens ao redor do planeta nas décadas de 50 e 60.


O existencialismo segundo Sartre

O homem é uma paixão inútil.
(O Ser e o Nada)

O inferno são os outros.
(Entre Quatro Paredes)

A consciência é o completo vazio (porque o mundo inteiro está fora dela).
(O Ser e o Nada)

O homem está condenado a ser livre.
(O Existencialismo é um Humanismo)

O mundo das explicações e da razão não é o da existência.
(A Náusea)

Sartre usou sua brilhante imaginação para fazer dele mesmo e do existencialismo os personagens filosóficos com a maior popularidade no século 20. Mas, ele não se limitou a tratados e ensaios filosóficos – área em que muitos o consideram superficial – e escreveu também sobre política, além de contos, romances e peças teatrais.

A juventude de Jean-Paul Sartre

A infância de Jean-Paul Sartre foi bastante marcante para sua vida. Primeiro quando tinha apenas um ano de idade, perdeu o pai, um jovem oficial naval que morreu por conta de uma febre. O menino que havia nascido em 21 de junho de 1905, em Paris, foi com a mãe Anne-Marie morar na casa dos avós maternos. Seu avô, Karl Schweitzer, era um típico patriarca francês, mas não conseguiu ocupar o papel psicológico do pai para o pequeno Sartre. Já sua mãe, ele quase a via como uma irmã.

Além da ausência do pai, a infância do futuro filósofo foi marcada pelo estrabismo e perda parcial da visão em função de um leucoma em seu olho direito. Para completar, sua mãe decidiu se casar novamente e eles mudaram para a distante cidade portuária de La Rochelle, onde o pequeno e pedante Sartre iria viver em conflito com o padrasto autoritário e extremamente burguês.

Na escola local, Sartre era alvo de zombarias. Elegantemente vestido, um verdadeiro janotinha, ele destoava dos colegas. Sua inteligência excepcional o consolava enquanto escrevia, na solidão do seu quarto, histórias românticas de cavalaria, textos autobiográficos e novelas inteiras, em que revelava uma combinação de angústia, violência e extremismo mortal. Sua infelicidade em La Rochelle o faz preferir voltar para Paris e viver com os avós. Aos 15 anos, ele retorna à capital francesa e vai estudar como interno no prestigioso Liceu Henrique IV. Quatro anos depois, Sartre consegue ingressar na Escola Normal Superior, que reúne a nata dos universitários franceses. Lá ele convive com Raymond Aron, Maurice Merleau-Ponty, Claude Lévi-Strauss, Simone Weil e Simone de Beauvoir.

A vida universitária fez Sartre brilhar entre seus jovens colegas intelectuais. Sua rebeldia contra os hábitos burgueses o fez até dispensar os banhos. Nessa época, ele conhece e se apaixona pela encantadora Simone de Beauvoir. Além de ter sido amor à primeira vista, Sartre encontrou nela alguém intelectualmente à sua altura. A revolta de Sartre contra os valores burgueses o impediam, no entanto, de assumir um relacionamento permanente e tradicional. Apesar disso, no fim, Sartre acabou estabelecendo a relação entre eles de forma bem burguesa e capitalista: um “contrato” que previa que eles passariam dois anos de intimidade juntos e depois se separariam por dois ou três anos. Na época, o relacionamento anticonvencional dos dois foi um choque mesmo para a moderna Paris, capital dos amantes.

Após concluir a universidade e servir o exército, Sartre assumiu o cargo de professor na cidade portuária de Havre. Nesse período descobriu a fenomenologia de Husserl. Em 1933, partiu para Berlim para estudar a obra do filósofo alemão. Lá começou a desenvolver suas ideias existencialistas.

Sartre: fenomenologia e existencialismo

O indivíduo existente é a única base para uma filosofia significativa. O pensador dinamarquês Soren Kierkegaard acreditava no século 19 que o ser humano era mais do que pensamento. As emoções também são parte da experiência humana e, portanto, a verdadeira filosofia deveria ser uma “filosofia da existência” ou o “existencialismo”. Quase um século depois de Kierkgaard ter “inventado” o existencialismo, Sartre decidiu debruçar-se sobre ele, o que o tornaria o mais popular porta-voz dessa linha de pensamento.

Após Kierkgaard quem desenvolveu o existencialismo foi o filósofo alemão Edmund Husserl. Mas ao contrário do seu antecessor, Husserl conservou uma certa crença na filosofia tradicional e direcionou seus estudos para os fenômenos básicos da experiência humana, atividade que ele chamou defenomenologia. Husserl, na verdade, tentou transformar a filosofia numa ciência exata. Quando voltou a França, Sartre começou a redigir suas investigações fenomenológicas. Simone de Beauvoir o convenceu a fazer a partir de suas anotações filosóficas um romance. O resultado foi a obra “A Náusea”, um romance filosófico sem ser abstrato ou didático, publicado em 1938.

Logo após a publicação de “A Náusea”, Sartre lançou também um livro de contos, “O Muro” e, no ano seguinte, chegou sua aplicação dos métodos fenomenológicos na obra “Esboço de uma teoria das emoções”. As obras receberam aclamação e elevaram o crédito intelectual de Sartre, que àquela altura já estava prestes a se tornar mundialmente famoso. Enquanto eclodia a Segunda Guerra Mundial, Sartre estudava Heidegger, avançava no seu próximo romance, pensava em elaborar um tratado filosófico e suas idéias existencialistas evoluíam rapidamente.

Foi durante a ocupação da França pelas tropas nazistas que Sartre começou a escrever uma de suas mais conhecidas obras: “O Ser e o Nada”. Todos os pensamentos filosóficos desenvolvidos por Sartre articulam-se a partir da liberdade de escolha do indivíduo. Na obra, um dos conceitos-chave apresentados pelo filósofo é o mauvaise (auto-engodo) que significa que agimos de má fé quando enganamos a nós mesmos, particularmente quando tentamos racionalizar a existência humana impondo-lhe um significado ou coerência. Outro conceito fundamental apresentado por ele é de que a existência precede a essência. Para ele, um ser humano nada mais é do que aquilo que faz de si mesmo. No livro, a explicação de Sartre sobre o comportamento humano passa por interpretações psicológicas, uma certa psicanálise existencial que ele usa para interpretar várias ações humanas. “O Ser e o Nada” foi publicado em 1943 na Paris ocupada pelos nazistas.

Após o final da Segunda Guerra, Sartre lança “O existencialismo é um humanismo”, onde em trinta páginas faz a sua mais clara exposição do existencialismo. Em 1952, declarou-se marxista, mas apesar de ter se tornado um filósofo da revolução, recusou-se a ingressar em qualquer partido político. Em 1960, publica “Crítica da Razão Dialética”, sua última importante obra com pretensões filosóficas. Os revolucionários anos 60 foram o auge de sua popularidade e reconhecimento. Em 1964, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, graças ao livro “As Palavras”, uma autobiografia da sua infância, mas o rejeitou. Para manter sua produção intelectual e suas ações políticas recorria cada vez mais à ajuda química de remédios e bebidas. Em 15 de abril de 1980, quando já não estava mais na “moda”, Jean-Paul Sartre morreu aos 74 anos em Paris. O cortejo fúnebre pelo Quartier Latin (o bairro boêmio e intelectual parisiense onde ele passou boa parte de sua vida) foi acompanhado por 25 mil pessoas.

Fonte: