18.1.11

CHICO XAVIER : O MENSAGEIRO DOS ESPÍRITOS

Ele foi o homem mais importante do espiritismo enquanto viveu; psicografou mais de 400 livros, ditados por almas desencarnadas; e transformou o Brasil na maior nação espírita do mundo

Quatrocentos e doze livros. Quem, numa única vida, conse­guiria escrever tanto? O mineiro Francisco Cândido Xavier, ou simplesmente Chico Xavier, con­seguiu. Ele afirmava ter psicogra-fado -- ou seja, recebido e trans­crito -- mensagens enviadas por mais de 2 mil espíritos. Na prática, passou a vida inteira conversando com os mortos. Escreveu um livro atrás do outro, ou vários ao mesmo tempo, não para ganhar dinheiro -- já que sempre doou os direitos autorais a associações espíritas ou instituições de caridade --, mas para provar uma máxima do espiritismo: nossa alma é imortal. E acabou convencendo um número incalculável de pessoas ao longo de seus 92 anos. Se hoje o Brasil é considerado a maior nação es­pírita do mundo, com quase 2,5 milhões de adeptos e cerca de 30 milhões de simpatizantes, isso se deve, em boa parte, ao trabalho de divulgação executado por Chi­co - o homem mais importante da doutrina espírita mundial enquan­to viveu, até junho de 2002.

Se ainda fosse vivo, Chico Xavier estaria completando 100 anos. Filho de pais analfabetos, nasceu no dia 2 de abril de 1910, na pequena cidade de Pedro Leo­poldo (MG), 35 quilômetros ao
norte de Belo Horizonte. Foi criado na fé católica. E teve um fância, no mínimo, incomum . Enquanto as outras crian brincavam, ele recebia mensagens do além. "Uma noite, seu pai , Cândido Xavier, conversava a mulher, Maria João de Deus, sobre o aborto sofrido por uma vizinha, e desancava a moça", conta o jornalista Marcel Souto Maior, autor da biografia "As Vidas de Chico Xavier" (Planeta). "O filho interrompeu o julgamento e, do alto de seus 4 anos, proferiu a sentença: "O senhor está desiinformado. O que houve foi um problema de nidação inadequada do ovo, de modo que a criança adquiriu posição ectópica".

Quando Maria João morreu, em 1915, Chico tinha apenas 5 anos de idade -- e supostamente a comunicação com espíritos, que já era incrivelmente precoce, tornou-se ainda mais intensa. A madrinha, responsável pelo garoto na ausência da mãe, dava-lhe surras com vara de marmelo, irritada com as visitas que aquele "menino esquisito" afirmava receber: "Esse moleque tem o Diabo no corpo!", ela berrava. Hoje, os espíritas não têm dúvidas quanto à natureza daqueles fenômenos: Chico era um médium nato, que já veio ao mundo com o poder da mediunidade. E mais. Teria sido um espírito evoluído, daqueles que nem precisam reencarnar para chegar à perfeição.

Foi aos 17 anos, em 1927, que Chico começou a colocar no papel as supostas mensagens espirituais. Quatro anos mais tarde, segundo o médium, uma alma desencar­nada veio à Terra especialmente para lhe entregar uma missão: escrever livros e divulgar o espi­ritismo. Seu nome era Emmanuel - representante do Império Ro­mano numa de suas encarnações anteriores, vida na qual teria até conhecido Jesus Cristo. Nas pa­lavras do espírito, as obras psicografadas por Chico Xavier seriam "a chuva que fertiliza lavouras imensas, alcançando milhares de almas". Dali em diante, Emmanuel seria seu mentor espiritual. E di­taria dezenas de livros ao longo das décadas seguintes.

O primeiro deles saiu em 1932: "Parnaso de Além-Túmulo" (FEB), uma coletânea de poemas atribuídos a vários autores brasileiros e portugueses, todos mortos -- entre eles, Augusto dos Anjos, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Olavo Bilac e Antero de Quental. Chico Xavier psicografou os poe­tas, mas teria sido Emmanuel quem apontou quais poemas de­veriam ser publicados nas seguidas edições do livro. Dois anos depois, em 1934, morreria o poeta Hum­berto de Campos, ocupante de uma cadeira na Academia Brasi­leira de Letras desde 1920. E de lá, do além, ele seria mais um famoso a entrar em contato com Chico. De 1937 a 1969, o médium psicografou 12 obras supostamen-te ditadas por Campos -- entre as quais Brasil, "Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" (FEB), considerada uma das mais impor­tantes de Chico Xavier (leia mais abaixo).

A viúva do poeta, Catharina de Campos, não gostou, e entrou na Justiça em 1944. A ação movida contra o médium e a Federação Espírita Brasileira, que publicava os livros, colocava ambos contra a parede. Se a autenticidade das psicografias fosse referendada judicialmente, ela reivindicaria diretos autorais -- afinal, era her­deira de Humberto. Caso a mediunidade de Chico não fosse reco­nhecida, abriria mão dos direitos, mas exigiria punição por uso in­devido do nome de seu falecido marido. O juiz responsável consi­derou que a petição da viúva, na verdade, era uma consulta -- e a Justiça não poderia atuar como órgão consultivo. Resultado: a pendenga deu em nada. Mas foi a primeira de muitas suspeitas que seriam lançadas sobre Chico Xavier ao longo de toda a sua vida.

Impressionava ver o médium em transe, durante uma psicogra-fia. Chico se concentrava, fechava os olhos e aparentemente alcan­çava um estado alterado de cons­ciência. Estabelecida a suposta ponte com o além, ele colocava a mão esquerda na testa e deixava que o espírito escrevesse com a direita. Uma pessoa sempre ficava ao seu lado, para trocar lápis e papel -- tamanha era a velocidade com que o médium escrevia.

Outro grande parceiro de Chico Xavier ao longo de sua profícua carreira foi o espírito André Luiz, que teria sido médico em sua encar­nação anterior. Uma das 16 obras ditadas por ele foi "Nosso Lar" (FEB), de 1944 - o livro espírita brasileiro mais bem-sucedido da história. O sucesso acabaria conduzindo o médium mineiro à condição de líder do movimento espírita. Alguns o enxergavam quase como guru, um guia espiritual. Outros, como um homem santo. Os céticos, como um trambiqueiro cara de pau. Mas todos, sem exceção, como um personagem misterioso e fascinante.

Não é por acaso que os quatro­centos e tantos livros psicografa­dos por Chico Xavier já acumulam mais de 25 milhões de exemplares vendidos -- um recorde, superado apenas por Paulo Coelho entre os autores brasileiros. Durante dé­cadas, o médium foi um verdadei­ro pop star. Hoje, algumas dessas obras são consideradas as mais relevantes do espiritismo mundial, quase tão importantes quanto os livros de Allan Kardec, o codificador da doutrina espírita.

A linha que ele imprimiu ao espiritismo, de aproximação com o catolicismo, foi mais um fato que impulsionou a expansão da doutrina por aqui. Seus livros popularizavam os códigos espíritas mas dentro dos preceitos cristãos, sem assustar os católicos. Na verdade, o que acontecia era exatamente o contrário. Ele transformou-se em exemplo abnegação e amor ao próximo, fez voto de pobreza e liderou ações filantrópicas; tudo isto à medida que conquistava a simpatia até dos mais raivoso.s adversários "Seguia à risca uma instrução ditada por Emmamuel: fidelidade irrestrita a Jesus Cristo e a Kardec, o codificador da doutrina", diz Souto Maior.

POR CARLA SOARES MARTIN E EDUARDO LIMA DESIGN MICHELE KANASHIRO
ILUSTRAÇÃO CAVANI ROSAS E MURILO MACIEL CALIGRAFIA ANDRÉA BRANCO

A partir da revista "Aventuras na História - Espiritismo". Aquira o exemplar na Loja Abril