10.3.12

Brasil colônia, riqueza e pobreza

Engenho no Nordeste. Foto: Reprodução
As primeiras histórias econômicas
O padre José Antônio Antonil SJ, inicialmente, deve ter exultado ao receber a autorização da censura portuguesa liberando-o para editar seu trabalhoso livro Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e Minas, saído do prelo em Lisboa, em 1711.
A obra de Antonil
Chegado a Salvador, na Bahia, desembarcado da Europa, ele que nascera em Luca, na Toscana, logo se empenhou em ir servir o grande padre Antônio Vieira, o maior sermonista da língua portuguesa em todos os tempos, homem da Corte e das lides diplomáticas. Mas, jesuíta de ampla formação, curioso das coisas da terra do Brasil, Antonil resolveu registrar detalhadamente suas impressões sobre a maior riqueza da colônia daquela época; a lavoura de açúcar.
Ainda que o ouro tivesse sido descoberto há pouco na capitania das Minas Gerais, o jesuíta concentrou sua atenção maior na produção feita no engenho. Sem, todavia, deixar de dar tratos ao plantar do tabaco, à criação de gado e ao comércio do couro. O intento dele era pragmático. Queria deixar algo de útil aos produtores rurais brasileiros. Pensou que suas anotações e observações - extraídas do dia-a-dia do engenho Sergipe do Conde de propriedade da Companhia de Jesus - poderiam servir como uma espécie de Manual da Lavoura para os donos de terra e um norte para o reinol que no Brasil viesse a se estabelecer.
Terminou escrevendo o melhor livro sobre a economia colonial que se conhece, não lhe ficando mal o título de pai ou precursor-mor da história econômica do Brasil, ainda que na sua soberba monografia sobre a história colonial brasileira, José Honório Rodrigues o tenha colocado apenas no tópico da 'Literatura Açucareira'(ver José Honório Rodrigues - História da História do Brasil: 1 parte Historiografia colonial, S; Paulo: Companhia Editora Nacional, pag. 371 e 393).
Talvez por isto mesmo, as autoridades da metrópole voltassem atrás. A licença de circulação do livro foi suspensa e os funcionários do rei tiveram ordem de recolher todos os exemplares que encontrassem pelas livrarias de Lisboa ou que tivessem expostos em alguma repartição.
É possível que a razão maior da reviravolta, tenha sido o fato de Antonil, ingênuo, descrever os vários caminhos que poderiam ser usados para, partindo-se do litoral brasileiro, atingir-se às regiões da lavra do ouro, uma espécie de roteiro que podia cair em mãos adversas e assim proporcionar aos inimigos de Portugal boas informações para que lhe roubassem a riqueza finalmente encontrada. Calculam que sobraram apenas sete livros desta edição de Antonil.
Mas este incidente de bibliofobia é revelador de outra situação que explica a pobreza intelectual e cultural do Brasil colônia.
Vigiando a colônia
Dono de um território vastíssimo, imenso, com uma linha costeira de mais de sete mil e tantos quilômetros de extensão, litoral que devia ser guarnecido de tanto em tanto com poderosos fortes, para os portugueses, além da atenta vigilância, somente uma permanente 'operação silêncio' poderia manter os curiosos a distância.
Sempre com pouquíssima gente e escassez de funcionários, a Coroa não tinha como policiar seu colossal império que se desdobrava por outros continentes e oceanos. Os cuidados então eram redobrados. Não podiam circular informações sobre a nova possessão, pois a metrópole não desejava atrair colonos ou outros povoadores como os ingleses fizeram nas suas terras americanas, mas sim somente explorar suas riquezas.
A esta preocupação isolacionista juntou-se a da Igreja Católica impulsionada pelos medos da Contra-Reforma que a fazia ver heresia em qualquer canto, redobrando-se assim o policiamento.
Assim, nos principais ancoradouros do Brasil daquele tempo, fiscais atentos reviravam as embarcações para evitar a exportação de relatos comprometedores escritos por algum desavisado ou o desembarque de 'obras perigosas', particularmente as que tinham origem francesa, matriz da subversão iluminista, que corroia a autoridade do rei e os dogmas da Santa Madre Igreja.
Esta vigilância extrema terminou por fazer com que, por vezes, livros contrabandeados alcançassem São Paulo e o Rio de Janeiro trazidos por tropeiros do extremo sul, em rotas de mais de mil quilômetros, vindos da região do rio da Prata.
Isto - esta paranóia - por igual explica o motivo de jamais permitirem a abertura de universidade no Brasil, como a Coroa espanhola aceitou que se fizesse na cidade do México e em Lima, no Peru, ainda no século XVI.
Um centro de ensino superior, por mais mirrado e acanhado, implica abrir pontes para o mundo, em importar livros e acadêmicos de outras partes, em deixar circular as idéias e em abrir-se às inovações, em excitar o olho dos curiosos, em abrigar tratados, polígrafos e manuais. E, certamente, em ter um prensa.
Nada disto era do agrado do poder colonial. O pequeno reino Ibérico, ciumento do seu achado, não queria partilhá-lo com ninguém. Mantê-lo no silêncio e no atraso, quando não bronco e alheio às coisas do mundo, era uma questão estratégica de sobrevivência dos seus interesses.
O 'Diálogo das Grandezas'
Destino similar ao livro de Antonil teve outro 'clássico' do Brasil Colonial, surgido um século antes da obra do jesuíta. Tratou-se do Diálogo das Grandezas do Brasil, de autor anônimo que apareceu em 1618, e que somente foi encontrado na Biblioteca Nacional de Lisboa pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, no século XIX.
É o registro de um interessante e hipotético diálogo mantido por dois homens, um luso que há muito está na terra nordestina, provavelmente na capitania da Paraíba, chamado Brandônio, e um reinol recém desembarcado de nome Alviano. O primeiro, quase um brasileiro, procura expor as potencialidades da colônia, a excelência do clima e a abundancia de terras e, depois de descrever as capitanias uma a uma, elenca as promessas de riquezas que aguardam os destinos dos moradores frente ao português que, somente aos poucos vai sendo convencido do futuro dadivoso que aguarda a região conquistada.
Ainda que no presente, o torrão se ressentisse da falta de tudo, de bons portos, de estradas, de pontes e outras melhorias que permitissem a circulação das coisas e dos homens, Brandônio é um entusiasta das coisas da nova terra. É um panorama extraordinário do Brasil e da sua gente, seus brancos, índios, caboclos e escravos, dos começos do século XVII baseado na relação direta que o autor, provavelmente dono de lavoura, tinha com os fatos locais (*).
(*) Este mesmo modelo de diálogo vai ser retomado no romance Canaã de Graça Aranha, quando dois imigrantes alemães no Espírito Santo, Lentz e Milkau comentam as possíveis excelências do Brasil.
A ironia disto, é que as reclamações de Brandônio sobre as questões de infraestrutura terminarão por serem atendidas vinte anos mais tarde não pelos reinos Ibéricos, mas sim em razão da invasão holandesa do Nordeste, quando funcionários da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais, a WIC (West Indian Co.), entre eles o conde Mauricio de Nassau, a partir de 1637, vão providenciar as obras necessárias - canais, diques, drenagens - ao tráfico de mercadorias e ao escoamento da produção açucareira.
A dialética colonial
Deste modo, seguindo a perversa lógica da dialética colonial, a riqueza do Brasil contribuiu decisivamente para sua pobreza cultural, pois o país se viu por três séculos sem universidades, sem livrarias, sem jornais e muito menos impressoras ou editoras, enquanto que nos Estados Unidos, prosperava a Liga de Hera (as universidades de Harvard, Bronw, Columbia, Dartmouth, Pensilvânia, Princeton e Yale) e mais de dois mil títulos de jornais chegaram a circular antes dos norte-americanos obterem a Independência, em 1776.
Dado o abandono em que a colônia se encontrava não se deve estranhar que a primeira tentativa de se organizar as coisas da cultura no Brasil e seu primeiro organismo oficial tenha sido a Academia Brasílica dos Esquecidos, fundada na Bahia, em 1724.
É este imenso déficit cultural que gerações de Brasileiros têm, século após século, tentado de todos os modos superar.
Fonte:http://www.terra.com.br/portal/