23.8.19

Sistemas Políticos



Feudalismo

Você tem duas vacas. Seu senhor pega parte do leite para ele.

Socialismo

Você tem duas vacas. O governo as tira de você e as coloca num curral, juntamente com as vacas de todo mundo. Você tem que cuidar de todas as vacas. O governo lhe dá um copo de leite.

Comunismo Russo

Você tem duas vacas. Você tem que cuidar delas, mas o governo fica com o leite todo. Você rouba o máximo possível do leite e o vende no mercado negro.


Comunismo Cambojano

Você tem duas vacas. O governo pega as duas e fuzila você, acusando-o de ser um capitalista criminoso centralizador dos recursos de produção da Nação e aumentando a fome de seu povo.

Ditadura Iraquiana

Você tem duas vacas e é fuzilado por suspeita de serem instrumento do imperialismo americano com o objetivo único de contaminar todos os rebanhos do país.

Democracia Representativa Britânica

As duas vacas estão loucas, mas a família real mantém as aparências perante a imprensa.

Capitalismo Norte Americano


Você tem duas vacas. Você vende uma delas e compra um touro, que usa para inseminar a outra vaca e também as demais vacas do pedaço (cobrando pela cobertura, naturalmente). Depois, começa a exportar esperma bovino para mercados emergentes. Após vários anos de expansão, sua empresa lança uma oferta pública inicial para ser apresentada na Bolsa de Valores de Nova York. A Comissão de Valores Mobiliários abre um processo contra você e sua mulher por negociação com informações privilegiadas. Depois de uma longa e cara briga nos tribunais, você é considerado culpado e condenado a 10 anos de prisão, dos quais acaba cumprindo sete semanas. Quando sai da cadeia, você compra duas galinhas. Aí você vende uma delas e compra um galo…

Capitalismo de Hong Kong

Você tem duas vacas. Você vende três delas à sua empresa de capital aberto, usando cartas de crédito abertas pelo banco de seu cunhado, depois executa um swap de dívida por crédito com uma oferta global associada, de modo a receber todas as suas vacas de volta, com redução de impostos por manter cinco vacas.

Os direitos ao leite de seis vacas são transferidos, via uma holding panamenha, a uma empresa com sede nas Ilhas Cayman, de propriedade secreta do acionista majoritário, que revende os direitos ao leite de todas as sete vacas à empresa de capital aberto, enquanto adia o pagamento do produto da venda. O relatório anual diz que a empresa possui oito vacas, com opção para aquisição de mais uma. Enquanto isso, você vende suas duas vacas para uma nova seita recém fundada na Índia por seu cunhado, ao preço unitário de US$ 1 mihão por tratarem-se de animais sagrados realizadores do milagre da multiplicação.

Capitalismo Maicrosóftiano ( Mercado de “Livre Concorrência”)

Você tem duas vacas. Seu vizinho, Bio Gueites, faz uma oferta para comprar as duas de você, que não tem interesse no negócio. Após meses de tentativas infrutíferas, o Sr. Bio Gueites compra duas cabras e inicia uma campanha de marketing na região demonstrando as vantagens do leite de cabra em relação ao de vaca. Após algum tempo, os consumidores acostumam-se com o leite de cabra – vendido diretamente pelo Sr. Bio Gueites – e passam a exigir tal produto nos pontos de vendas tradicionais. Um reduzido grupo de não consumidores de leite de cabra, após vários desarranjos intestinais ao experimentarem o novo padrão em leite não se convence com os argumentos do produtor, “que o problema não está no leite de cabra e sim na configuração do seu aparelho digestivo, recomendando fazer um “úpigreide” de seu fígado para uma versão peintiummmm 32 bitis”.

Mas felizmente são uma minoria. Pressionados pelos consumidores locais, os laticínios aceitam os termos do acordo para compra de leite de cabra do Sr. Bio Gueites: não deverão mais comprar mais leite de vaca. Após alguns poucos anos, a empresa do Sr. Bio passa trabalhar secretamente com vacas anãs, convencendo o público de que trata-se de uma nova linhagem de cabras, denominadas WinCabras95. Parte dos consumidores – que ainda recordavam do paladar do leite de vaca – acham o gosto do leite destas “novas cabras” muito parecido com o de vaca, mas certamente deverão estar equivocados. O resto da história talvez você já conheça.

Democracia Burocrática Brasileira

Você tem duas vacas. Primeiro, o governo federal traça normas para determinar como você vai poder alimentá-las e quando vai poder tirar leite delas. Depois, ele lhe paga para não tirar leite delas em determinadas épocas do ano, sob o argumento do controle de preços (pois leite com excesso de oferta fará cair o preço no mercado interno e externo, podendo oscilar perigosamente a balança de pagamentos). Nos demais meses que lhe é permitida a ordenha, o Congresso institui o IOL – Imposto sobre a Ordenha do Leite – que abocanha 24,3% do valor da Venda sobre um faturamento médio projetado – mesmo que você não consiga vender o leite, pois a base tributária incide sobre uma estimativa de produtividade. O governo estadual, sabendo da existência das duas vacas, institui o ICVDL – Imposto de Circulação de Vacas e Derivados de Leite – com a alíquota de 27,8% calculados sobre o valor de aquisição venal das vacas e/ou sobre o preço mínimo venal estipulado para o leite e derivados naquela Região. Logicamente que, tendo sido vendido o leite a preço superior ao preço venal fixado, a base de cálculo será a maior das duas. Entrementes, o governo municipal, sabendo da existência de um “boom” bovino na cidade, institui o IPTURAVDB – Imposto Predial Territorial Urbano e Rural sobre Abrigos de Vacas e Demais Bovinos – calculados à base de 318,9876435 UFMs por metro quadrado da propriedade. Lei Municipal Complementar, proíbe a criação de Vacas e Demais Bovinos em outros tipos de propriedades móveis ou imóveis não abrangidas pelo IPTURAVDB. Após poucos meses, um acordo entre os governos municipais e estaduais com a benção do governo federal, é instituído o rodízio de vacas e demais bovinos nas ruas de cada cidade, com o nobre propósito de reduzir a poluição estercal das ruas.O desrespeito implicará na multa de US$ 100,00 por vaca por dia de autuação. Você, cidadão, esmagado pela carga tributária, doa uma vaca para uma instituição de caridade e abate a segunda, oferecendo um churrasco para amigos e vizinhos. Ao receber – no exercício seguinte – todos os carnês dos impostos federal, estadual e municipal incidentes sobre as duas vacas, alega que já não as possui mais há meses. Mas como os computadores do SERPRO não foram atualizados você tem que recolher todos estes impostos – ou depositá-los em juízo – até provar que não é mais proprietário das bovinas. Diante da sua insistência em “sonegar” os impostos, estranhamente você é denunciado à receita federal, que o convoca a apresentar as declarações de imposto de renda dos últimos cinco exercícios. Como você não declarou nem as vacas compradas nem a origem do capital utilizado para esta aquisição, você torna-se devedor do fisco. Ao chegar em casa, vindo da delegacia da receita federal, dois fiscais da vigilância sanitária estão te aguardando com uma intimação para depor no abate não autorizado de animais para consumo alimentar.


Fonte: www.geocities.com
Sistemas Políticos


Política e Economia – O sistema político mundial do século 21

Governo e governabilidade são problemas centrais da política neste mundo de final de século, pelo fato de que a política moderna caduca e a política “pós-moderna” consegue estabelecer seu lugar e definir seu papel dentro das novas realidades e dos novos problemas mundiais.

Certo, a desconfiguração política do mundo moderno, tanto no nível nacional como internacional, e a configuração de um possível novo mundo, trazem consigo a problemática de conformação de uma nova dimensão política mundial. Um novo sistema político mundial? Os processos de globalização, supra-regionalização, continentalização e localização não só provocaram a crise do mundo moderno senão que, numa perspectiva de transição, traçam as novas linhas do esboço de um novo mundo e de uma nova dimensão política mundial, que ainda se encontra em estado virtual. A crise política do mundo moderno se resume na crise do Estado-nação, do sistema interestatal internacional e da Organização das Nações Unidas (ONU). A emergência de uma dimensão política no novo mundo se pode visualizar como o conjunto de seus virtuais níveis global, supra-regional e local, junto à redefinição do nível nacional, onde já se tem apresentado inéditos problemas de governo e governabilidade e, por sua vez, a constituição de formas originais do político. Esta dimensão política mundial estaria conformada pelas dimensões políticas particulares dos níveis espaciais mencionados e, por suas inter-relações (entre níveis) e intra-relações (no interior de cada nível).

A nova dimensão política emergente, como acabamos de apontar, se encontra ainda em estado virtual, em forma de esboço de um grande cenário, faltando muito para se materializar, ganhar forma, decantar seus fundamentos, precisar as suas funções e afinar os seus sentidos. Entretanto, seus traços virtuais permitem visualizar uma primeira possível configuração dessa dimensão política, onde o político toma forma e a política define-se em geral sobre o mundo e em particular em relação a cada um dos níveis espaciais. Bem que poderíamos falar do político-mundial e da política mundial, dispostos pelo político e pela política globais, o político e a política regionais, o político e a política nacionais e o político e política locais.

Um sistema político mundial em níveis múltiplos e multidimensional? Como imaginar tal organização política? Como pensar a organização do político em cada um dos níveis espaciais?

O estudo do virtual sistema político mundial requer um enfoque macrometapolítico. Macro, porque parte do sistema mundial (o sistema social), tendo presente suas dimensões especiais e temporais e suas escalas. Meta, porque a política no sistema mundial se transforma em ação transespacial, interníveis e intraníveis, ou em práticas transnacional e mundial. Este enfoque permitirá aproximarmos a dimensão política do sistema mundial como um (sub) sistema político, que se organiza por níveis espaciais e se dinamiza de maneira transespacial.

O político no novo mundo

Os processos de globalização, supra-regionalização, continentalização e localização questionam a realidade do mundo moderno e geram um novo mundo ainda em estado virtual.

Está em questão a organização do mundo em três níveis espaciais:internacional, nacional e local.

Assim, está em questão e em crise os componentes políticos do mundo moderno: o Estado-Nação e o sistema político nacional, o sistema interestatal internacional e a ONU, isto se falamos somente de formas históricas. Na realidade, todos os componentes do político, sob quaisquer de suas formas organizativas, estão em questão; atores, práticas, doutrinas, regras, organizações, objetivos, entre outros.

Os quatro processos mencionados, ao lado do questionamento, estão gerando um novo mundo organizado em quatro níveis: global, supra-regional, nacional e local, isto é, um novo sistema mundial de quatro níveis espaciais.

A dimensão política deste novo sistema mundial em formação pode ser concebida como um sistema político virtual, com níveis espaciais que se organizam e se dinamizam politicamente de modo específico. Neste sentido, este sistema político é mundial, porque se constitui como uma unidade planetária, e espacializado, porque se organiza por níveis espaciais. Possivelmente, possamos nos referir a uma dinâmica política mundial, expressão de uma dinâmica política global e de dinâmicas políticas supra-regionais, nacionais e locais.

Além disso, este novo sistema mundial assim se caracteriza porque, no nível global, o global é uma realidade única, enquanto que nos outros três níveis, o supra-regional, o nacional e o local, são em si mesmas realidades múltiplas. O nível global é abrangido por um sistema global. O nível supra-regional está ocupado por um número importante de sistemas supra-regionais. O nível nacional está ocupado por um número maior de sistemas nacionais, e o nível local por um número muito maior de sistemas locais.

Em outras palavras, possivelmente teremos um sistema político global, um número pequeno de sistemas políticos supra-regionais, um número médio de sistemas políticos nacionais e um número maior de sistemas políticos locais.

Tudo isso nos faz pensar na complexidade do novo sistema político mundial:é uma grande unidade planetária, diferenciada por níveis espaciais e fragmentada em seus níveis inferiores. Trata-se de um sistema político que se organiza no espaço segundo níveis (espacialização), onde o nível global é uma realidade única e os níveis supra-regional, nacional e local se constituem cada um como realidades múltiplas.

Será esta a arquitetura do novo sistema político mundial? Mas sabemos que quando dizemos arquitetura nos referimos à forma. Onde se encontram as bases de tal forma? Onde se encontram as bases de poder político de tal forma política?

O político global

A globalização política é um processo inicial, pois não conseguiu ainda precisar sua forma, ainda que tenha conseguido bastante relevância nestes últimos anos.

Esta importância deve-se à presença de crescentes problemas globais (científicos e tecnológicos, comunicacionais, econômicos, sociais, políticos, culturais, ambientais, entre outros), que requerem solução por meio de uma regulação pública e, portanto, contribuem para configurar uma dimensão de assuntos públicos globais. Esta é uma dimensão política global que não tem precedente na história da humanidade, trata-se de um fenômeno original. Além disso, situa-se como uma realidade virtual ou esboço de um cenário. Mas a partir de seus primeiros indícios e manifestações, tem-se conseguido elaborar algumas primeiras aproximações sobre ela (Amin, 1999; Beck, 1998; Casttels, 1999; Giddens, 1999; Held, 1997, os mais importantes).

Apoiados nestas aproximações, entendemos que a dimensão política da globalidade se estaria configurando a partir dos seguintes elementos:


1) governo global (executivo, legislativo e judiciário), com capacidade para implementar uma governabilidade (direção política e gestão pública) adequada
2) sociedade civil global, reivindicativa e participativa
3) democracia global ou cosmopolita participativa
4) cidadania global
5) direitos e deveres políticos globais
6) direito público global
7) ética global etc.

Bem, se relacionarmos adequadamente todos esses elementos, na realidade, o que estaria configurado, na dimensão política global, é um regime político global, quer dizer, a constituição de uma forma política a partir da relação de um governo global e de uma sociedade civil global, fundamentalmente. Tal regime político global, para ficar instituído, necessita de um encadeamento de contrato social global, acordado pela cidadania global no âmbito da sociedade civil global. Mas necessita também, para funcionar a contento, da legitimidade que proporciona a democracia. Este regime político deveria proporcionar a governabilidade democrática global necessária em nível global.

Qual seriam os alcances e limitações do regime político global? Adiantemos uma resposta geral. A dimensão política global se situa acima dos níveis supra-regional, nacional e local, por isso os abrange e os determina, mas também está limitada por eles. Com efeito, a solução dos problemas globais têm repercussões transnacionais (condiciona a política de todos os demais níveis), mas não pode afetar a especificidade da política destes, quer dizer, não tem capacidade para intervir na resolução dos problemas públicos que se apresentam em cada um dos outros níveis. A isto tem-se denominado princípio de subsidiariedade, pois um nível tem autonomia (capacidade) para resolver seus problemas específicos, sob a condição de deixar e delegar a solução dos problemas que transbordam ou transcendem o seu nível para outros níveis, o qual comporta uma cessão de soberania de baixo para cima.

O regime político global, por se situar no nível espacial mais elevado do sistema político mundial, se beneficia da delegação de soberania de todos os níveis espaciais inferiores para resolver especificamente problemas globais. Isto leva a pensar que o regime político global repousa sobre as dimensões políticas dos outros níveis espaciais, mais precisamente sobre as formas políticas desses níveis. Ainda que, como veremos a seguir, isto não seja necessariamente assim. Como podemos observar (ver esquema “O sistema político mundial do século 21”), as formas políticas dos níveis inferiores estão compreendidas nas formas políticas dos níveis superiores, o que obrigatoriamente propicia o contato direto das formas políticas supra-regionais com o regime político global. Este, ao que parece, repousaria sobre as formas políticas supra-regionais. Serão, por acaso, estas formas políticas supra-regionais as bases estruturais do poder político do regime político global?

Antes de prosseguir, consideramos importante formular a seguinte pergunta: por que um regime político global e não um Estado mundial? A resposta se encontra no tipo de sistema mundial que está se constituindo no planeta. Este sistema mundial é uma unidade da diversidade. Tudo parece indicar que seu grau de integração (econômica, social, política e cultural) como unidade não alcançará o ponto de uma homogeneidade “total”, pois a tendência homogeneizante se instalou somente no nível espacial global como processo de globalização, enquanto que a tendência heterogeneizante se desenvolve nos outros três níveis espaciais como supra-regionalização, continentalização e localização. A homogeneidade somente se desenvolverá no nível espacial, enquanto que a heterogeneidade se desenvolverá em todos os demais níveis espaciais.

Bem, o novo sistema mundial será uno, no qual se estabelecerá uma multilética entre homogeneidade e heterogeneidade, entre globalização e supra-regionalização, continentalização e localização, e entre estes três últimos processos entre si. Ao qual deveria acrescentar a tendência pós-nacional, que também fertiliza o terreno da heterogeneidade. Para que um Estado mundial emerja no mundo, haveria de se requerer um sistema mundial totalmente globalizado, ou ao menos uma situação planetária um tanto quanto semelhante. As regiões supranacionais, as dinâmicas continentais, as sociedades pós-nacionais e os âmbitos locais impedem todo o projeto de Estado mundial.

Trata-se de outra coisa quando um Estado nacional, com ca-racterísticas de “superpotência” (EUA), no contexto da transição histórica na qual nos encontramos, cujo traço fundamental é a indeterminação, ensaia e projeta um papel de Estado mundial em função do alcance planetário de alguns de seus recursos: empresas transnacionais, moeda, diplomacia, forças armadas etc. Neste sentido, alguns ensaios já foram realizados e têm nome, ainda que pareçam esporádicos. Mas já se falou que como projeto se assemelha mais a um império (unipolaridade) do que um mundo multipolar, como é o caso do novo mundo emergente, onde além dos EUA se encontram a Alemanha, Japão e China (Petras e Morley, 1998; Jaguaribe, 1998). Este projeto imperial somente teria avançado num contexto de globalização total, de unipolaridade e de transformação do Estado nacional superpotência em um Estado mundial imperial. E já vimos que isto não é possível.

O político regional supranacional

No nível espacial regional segue em curso um processo de conformação de sistemas regionais supranacionais. Aqui não importa conhecer o número dos já existentes, senão nos interessa saber que estão presentes em todos os continentes do mundo e que o mundo tende a se organizar em sistemas regionais supranacionais. Também importa entender que o processo de regionalização não está concluído, pois ainda não logrou se estabelecer em todas as partes do mundo.

Cada vez é maior o número de trabalhos que tratam da importância desta tendência e das regiões supranacionais que impulsiona. Analistas como Amin (1999), Fossaert (1991), Held (1997), Comissão de Gestão dos Assuntos Públicos Mundiais (1995), Cepal-ONU (1959, 1994), entre outros, têm dado muita ênfase no papel das regiões supranacionais e de sua respectiva dimensão política. As regiões são consideradas como um componente estrutural essencial do novo mundo em formação. A idéia presente é a de um novo mundo global e supra-regional onde um e outro se articulam complementar e contraditoriamente, que o global abrange o regional, sem dissolvê-lo, e repouse sobre ele; e que o regional alcance e intervenha no global, sem distorcê-lo, e se inspire nele.

Em trabalhos anteriores, já expusemos nossos desenvolvimentos analíticos sobre as regiões supranacionais como sistemas regionais supranacionais. Vimos que estão conformados por dimensões econômica, social, cultural e política. Aqui nos concentraremos na dimensão política. O que temos sustentado hipoteticamente sobre esta dimensão política é que ela estaria se constituindo num sistema político regional supranacional, uma nova forma política sobre a base da relação de um governo regional, um Estado regional e um sociedade civil regional. Este sistema político contaria com Estado e regime político. O Estado seria possivelmente um Estado-região supranacional, uma nova forma histórica de Estado; e o regime político seria possivelmente um regime político regional supranacional, também uma nova forma histórica de regime político.

Diferentemente do nível global, onde só se concebe a conformação de um regime político, no nível regional e para o caso de cada possível supra-região se projeta um regime político e um Estado. Um regime democrático capaz de estabelecer governabilidade na comunidade política e um Estado de direito competente na administração dos bens públicos. Por que isto seria possível na supra-região? A supra-região é um produto paulatino de um processo de integração de sociedades nacionais em algo que pode ser entendido como uma formação social regional supra-regional (economia regional, sociedade regional, cultura regional e política regional), com o grau de unidade, homogeneidade e complexidade requeridos. Neste caso, as realidades, processos e problemas econômicos, sociais e culturais regionais conduzem ao político e a política regional, a uma dimensão política regional e a um sistema político regional.

Não nos deteremos neste trabalho para fazer a análise destas novas formas políticas. Somente apontaremos que o seu processo de constituição implicará avanços e retrocessos, assim como prosseguimento de vias diferentes, no curto, médio e longo prazos, segundo os casos de cada região no mundo. Na União Européia, por exemplo, mesmo o seu nível de institucionalização sendo bastante avançado – conta com um Conselho Europeu, um Conselho de Ministros, uma Comissão Européia, um Parlamento Europeu, um Tribunal de Justiça, um Tribunal de Contas e um Comitê Econômico e Social, além da instituição de uma cidadania européia, entre outras instituições –, na atualidade, enfrenta o problema de aprofundar o nível de integração política de acordo com o nível de integração econômica, de União Econômica. No percurso para resolver este problema, primeiro, está a resistência dos governos nacionais para ceder mais soberania e dos Estados nacionais para se subordinar a um dinâmica supra-regional; segundo, se apresenta a separação entre um sistema político regional supranacional, baseado no princípio federativo de subsidiariedade, e uma comunidade política intergovernamental do tipo confederativo, intergovernamental e cooperativa; terceiro, também está colocado o desafio democrático de legitimidade e legalidade de todas as instituições e de participação dos cidadãos (Duverger, 1994).

Em algumas sub-regiões da América Latina e Caribe também se tem avançado no processo de integração política pela via de sua institucionalização, como são os casos da Comunidade Andina de Nações (CAN), do Sistema de Integração Centro-Americana (Sica), do Mercosul e da Comunidade do Caribe (Caricom). Nesses sistemas sub-regionais, na medida em que o processo de integração avança, também os problemas similares aos da União Européia se apresentarão.

Depois destes desenvolvimentos, é muito importante saber que o universo das regiões que está sendo configurado no mundo é sumamente heterogêneo. Nas suas magnitudes e potencialidades, existem macro, meso e microssistemas regionais supranacionais. Até o momento, por suas magnitudes e potencialidades, somente o Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta), a União Européia e a região da Ásia do Pacífico podem ser consideradas como macrossistemas. De fato, estas três macrorregiões têm sido centrais e hegemônicas no novo mundo emergente, onde se forma uma semiperiferia com meso-sistemas regionais e um periferia com microssistemas regionais. Das três hegemonias ou macrossistemas regionais dependerá a conformação da ordem supra-regional, sem descartar as dúvidas sobre a China, Índia e Rússia. Conseqüentemente, apontamos que este universo se caracteriza pelo desenvolvimento desigual e pela hierarquia dos sistemas regionais. Aqui, mais uma vez, os meso e os microssistemas regionais, em contradição e em cooperação com os macrossistemas, terão de promover suas próprias perspectivas de desenvolvimento econômico, social, político e cultural.

Os macrossistemas regionais, pelas suas potencialidades, estão dotados da capacidade de iniciativa geopolítica em espaços continentais afins; o Nafta no continente americano, a União Européia no continente europeu e a região da Ásia do Pacífico no continente asiático. O qual está gerando três dinâmicas geopolíticas continentais onde os macrossistemas estabelecem relações com os meso e os microssistemas regionais existentes. Estas relações são depositárias de vícios de hegemonia, hierarquia e assimetria, e não tanto de virtudes de cooperação. Aqui também os meso e os microssistemas regionais terão de defender suas próprias perspectivas históricas e de desenvolvimento. Assim, por exemplo, a América Latina e o Caribe têm muito que ganhar formando uma supra-região com seu próprio destino, por muitas razões, e muito que perder atrelando-se somente como sub-regiões e países à “locomotiva” norte-americana da continentalização do mercado. Formando uma meso-região supranacional, poderia-se participar na continentalização com melhores condições e possibilidades.

Se a regionalização se instala em todo o mundo e as regiões supranacionais se consolidam, estaremos em um mundo globalizado e regionalizado ou, melhor, em um novo sistema mundial global-regional. Nele, possivelmente, o global ficará definido como um sistema geral e limitado no nível espacial global e o supra-regional como um conjunto de sistemas regionais particulares; fato que nos leva a pensar na forma geral externa e nas estruturas particulares internas do novo sistema mundial. Neste sentido, podemos muito bem sustentar que a globalização repousa sobre a regionalização e que o global se assenta sobre o supra-regional. De igual maneira, podemos propor que o regime político global tem suas bases nos sistemas políticos supra-regionais.

Tudo isto é muito importante, pois sustentamos que o nível espacial supra-regional está destinado a se converter no nível espacial referente, básico e eixo central, a partir do qual se afirmarão, por cima, o nível global e, por baixo, os níveis nacional e local. Por isso, dizemos que o global repousa sobre o supra-regional e o regime político global se baseia nos sistemas políticos supra-regionais. Isto nos conduz a refletir sobre a estreita relação existente entre o processo de constituição de um regime político global e os processos de conformação dos sistemas políticos supra-regionais. Em outras palavras, um regime político global somente poderá construir-se plenamente com base em governos e Estados-região supranacionais e das sociedades civis correspondentes.

O político pós-nacional

Os sistemas políticos nacionais, e sobretudo o Estado-nação, sofreram um impacto pelos processos de globalização, regionalização, continentalização e localização. O Estado-nação se encontrava submetido a dois movimentos, um exógeno, que o levava para fora de seus limites de ação; outro endógeno, que o obrigava a ir para dentro desses mesmos limites. A estes movimentos chamamos de processos de desnacionalização e de nacionalização do Estado. Dois processos opostos, que de alguma maneira desmantelam progressivamente o Estado nacional. Em relação com a sua faculdade soberana e sua capacidade de gestão, o primeiro processo o conduz para os níveis global e supra-regional, e o segundo processo, para o nível local.

No nível global, para contribuir na construção de um regime político global, há que ceder soberania e algumas de suas capacidades administrativas. Igualmente, no nível supra-regional, para participar na edificação de um sistema político regional e de um Estado regional, há que se transferir soberania e capacidades administrativas em maior quantidade. Isto porque para formar uma região supranacional é necessário um processo de integração de vários sistemas sociais nacionais e um compromisso maiúsculo dos Estados nacionais correspondentes com a gênese do Estado regional. Esta nova forma estatal é uma nova forma histórica de Estado, um Estado-região supranacional, que como tal será um ator hegemônico da política regional e terá um papel central na política global e supra-regional. Em conseqüência, o Estado-nação terá perdido os dois traços capitais que o projetavam como a forma política histórica da modernidade.

Sobre o nível internacional, é preciso dizer que fica compreendido em cada sistema regional supranacional e submetido a um processo intenso de mudanças na medida do avanço do processo integrador regional. O internacional se transforma em transnacional regional. Ao se modificar o universo das relações políticas internacionais, move-se o piso sobre o qual se levanta a Organização das Nações Unidas e esta entra em crise e declina. Não nos surpreendem, pois, as propostas de reforma, projeção e superação que tem se elaborado para resolver a sua (da ONU) crise e para enfrentar sobretudo o problema fundamental de governo e governabilidade global já presentes.

Para o nível local também o Estado-nação cede soberania e capacidades administrativas, num tentativa tardia de nacionalização e de fortalecimento da nação, como veremos no ponto seguinte. Em termos gerais, o que sobrará do Estado nacional depois do impacto exógeno desnacionalizador e endógeno nacionalizador?

A resposta somente pode ser elaborada em perspectiva. Primeiro, o nível espacial nacional não será mais o plano de referência básica do sistema mundial.

Segundo, os sistemas sociais nacionais terão se desconfigurado e se reconfigurado como parte de um sistema regional supranacional. Terceiro, os sistemas políticos nacionais se modificarão radicalmente. Quarto, o Estado-nação se reduz, não será mais hegemônico nem central e deixa de ser nacional; se transformará em uma forma política e administrativa de mediação (entre o político supra-regional e o político local), subordinada ao Estado-região supranacional e funcional, aos governos locais regionais e locais municipais. Esta forma política e administrativa de mediação é o Estado pós-nacional. Quinto, o que acontece com a nação?

A nação, referente periférico e marginalizado do Estado nacional nos sistemas políticos nacionais, possivelmente empreenda um processo de reconstituição desde o local, desde suas regiões, entidades estaduais e municípios. Uma Nação-Estado? Seria o fim da república (coisa pública)? Possivelmente o final desse ente político, distanciado da sociedade civil e inalcansável pelos cidadãos; o fim dessa coisa pública que se transformou em coisa privada da classe política. Seria a inauguração da demopública (a casa pública, afinal)? Possivelmente o político e o público em volta e a serviço da sociedade civil e habitado pelos cidadãos. Para tanto, será necessário separar entre o público para a gestão das coisas, o Estado, e o público para o governo dos cidadãos, o regime político. Este poderia estabelecer um vínculo privilegiado com a sociedade civil e os cidadãos por meio de um parlamento espacializado por níveis e da instituição de uma democracia participativa, síntese entre democracia representativa e democracia direta. Seria o início da centralidade e hegemonia da sociedade civil sobre o Estado?

O político local

A localização promove a configuração (onde não existia) e a reconfiguração (onde já existia) de formas políticas locais (regiões, entidades federativas e municípios) no nível espacial local do mundo emergente. A localização é um processo endógeno e centrípeto que vai do nível nacional ao nível local, vai dos contextos nacionais a contextos subnacionais. É um movimento onde o político nacional, que é central, é questionado e, conseqüentemente, encaminhado para o nível local. Esta predisposição e encaminhamento para o nível local é um processo de descentralização política. O Estado nacional unitário e o Estado nacional federal (centralizado) transferem capacidades políticas e administrativas para governos regionais e estaduais, por um lado, e também a governos municipais, por outro lado. Os governos regionais e estaduais adquirem autonomia jurídico-política e se autodeterminam em cada um de seus âmbitos espaciais. Da mesma maneira, os governos municipais seguem esta perspectiva em cada um de seus âmbitos espaciais específicos. Isto tudo é uma tendência em curso no mundo e com desenvolvimentos bastante heterogêneos tanto na Europa, onde a implantação está mais avançada, como na América do Norte, América Latina e outros lugares do mundo (Nohlen, 1991; Boisier, 1995; Borja e Castells, 1998).

O político no nível local se configura em termos de sistemas políticos locais com seus respectivos governos regionais e estaduais, além dos governos municipais.

Destes sistemas políticos locais, regionais e estaduais, cuja estrutura interna ganha a forma de governos municipais, dependerá a reconstituição da (post) nação em termos multinacionais (ou também a sua implosão e fragmentação) e a emergência de uma nova sociedade civil muito mais plural, assim como um processo de reinvenção da democracia, representativa e direta, para uma democracia participativa, dialogante e deliberativa.

Agora as regiões e as novas entidades federativas não somente se configuram e se reconfiguram questionando o Estado central (que é trazido para baixo), senão que além disso o fazem transcendendo-o (projetando-o para cima). Para baixo, já vimos o que acontece. Para cima, a projeção vai para o plano regional supranacional, ou seja, regiões e entidades federativas buscam conformar-se em relação aos sistemas regionais supranacionais e, talvez, se constituir em bases de apoio da dinâmica regional supranacional.

Neste sentido, é sumamente interessante o que James Scott sustenta para o caso da União Européia: “Diferentemente do que acontece na América do Norte, o ativismo regional na Europa se deve observar à luz de um profundo processo de integração política. As regiões da Europa contam, no contexto da União Européia, com novas incumbências e mais direitos de participação na formulação da política nacional e européia. No contexto dos tratados de Maastricht foi criada uma ‘comissão assessora das corporações territoriais regionais e locais’. Esta comissão regional, em atividade desde o início de 1994, deve atuar como representante dos interesses e como porta-voz de instâncias regionais e comunitárias e influir nos organismos da União Européia quando assuntos regionais são tratados. Diferentemente do Nafta, a União Européia se entende como um processo de integração política e econômica. Com a evolução das instituições supranacionais muda também a posição de organismos subnacionais. Há indícios de que no contexto da integração européia tem lugar uma regionalização ‘controlada’ ou instrumentalizada que outorga às regiões novas possibilidades de autodeterminação econômica e política e de cooperação internacional à margem dos interesses nacionais”.

É por isso sobretudo que as entidades regionais e estaduais tendem a gerar dinâmicas intensas e inéditas. Tudo parece indicar que as regiões subnacionais iniciaram um movimento de desvinculação dos sistemas sociais nacionais e de acoplamento com os sistemas regionais supranacionais, com a finalidade de se mostrar e se implantar como seus suportes “motores”. No nível local seguramente vamos observar um grande dinamismo de configuração de regiões e de entidades estaduais, de associação horizontal entre elas e de acoplamento com as regiões supranacionais.

O sistema político mundial do século 21

Neste ponto já não retomaremos os desenvolvimentos realizados nos pontos anteriores. Aqui somente queremos mostrar um esquema sintético e ilustrativo do virtual sistema político mundial. Nele se denota sua dimensão mundial e se mostram seus níveis espaciais e as formas políticas gerais e particulares correspondentes. Também são assinaladas as dinâmicas políticas verticais interníveis e as dinâmicas políticas horizontais intraníveis.

Como nos encontramos em um momento culminante de nossa análise, consideramos importante mencionar as duas contribuições que foram decisivas para o desenvolvimento desse trabalho.

Em primeiro lugar, de Peter J. Taylor (1994), “Estructura geográfica vertical tripartita”, que permite analisar o sistema mundial moderno em três escalas: a escala global, associada à realidade, onde se concretizam a economia-mundo, o mercado mundial e o sistema interestatal; a escala nacional, associada à ideologia, onde se materializam o Estado-nação, a economia nacional e o povo; finalmente, a escala local, associada a experiência, onde se constitui o lugar (dos problemas e soluções localizados e cotidianos), se realiza o trabalho e se manifestam as necessidades fundamentais. Segundo Taylor, este sistema-mundo ou economia-mundo é um “único processo que se manifesta em três escalas”. Nesta economia-mundo, a escala global permite a realização total e final do sistema, e a escala nacional atua como mediadora e filtro político entre a escala global e a local. A economia é mundial e a política é nacional. Esta para mundializar-se precisa conformar um sistema interestatal internacional. Em outras palavras, o sistema político mundial moderno repousa sobre o nível nacional e, especificamente, sobre os Estados-nação. Em segundo lugar, de David Held (1997), a “Democracia cosmopolita”, baseada em “diferentes níveis de decisão” ou de “geogovernos”.

O novo mundo está conformado em quatro níveis espaciais: o global, o regional, o nacional e o local. No primeiro, o governo global implica graus de interconexão e interdependência que ultrapassam o alcance das autoridades regionais, nacionais e locais. No segundo, os governo regionais se caracterizam porque necessitam de mediações transnacionais por causa da interconexão das decisões nacionais. No terceiro, os governos nacionais são os que se ocupam dos problemas que afetam a uma população particular no âmbito de um território nacional. Por último, os governos locais se estabelecem em relação com as questões do trabalho e da vizinhança e têm a ver mais diretamente com a associação das pessoas para resolver seus problemas básicos e imediatos. Toda esta ordem implica “distintos domínios de autoridade, conectados tanto vertical como horizontalmente”, o que bem pode ser “um novo complexo institucional de alcance global”. É importante apontar que sendo a resposta de “democracia cosmopolita” muito mais complexa, nós nos limitamos a expor aqui o essencial.

Resumo Taylor e Held com as obras Geografia Política e La Democracia y el Orden Global, respectivamente, na pesquisa sobre o sistema político mundial virtual. A contribuição está na análise do cruzamento das variáveis política/espaço e governos/níveis espaciais, o qual é essencial para compreender e explicar os novos fenômenos políticos do final deste século e do século 21. O encontro com estes dois autores e estas duas obras possibilitaram seguir o curso de minhas pesquisas com maior certeza, dentro dos limites impostos pela transição histórica planetária na qual nos encontramos.

Conclusões


1. O virtual sistema político mundial é uma realidade macropolítica. O possível sistema político mundial que apresentamos e analisamos é uma realidade política muito complexa e extensa. É complexa porque se constitui de quatro níveis espaciais, e cada nível espacial se organiza de maneira específica: no nível global, um regime político global; no nível supra-regional, “x” sistemas políticos supra-regionais; no nível nacional, “y” sistemas políticos pós-nacionais e, no nível local, “z” sistemas políticos locais. Além disso, cada uma das formas políticas têm suas próprias dinâmicas. Em geral, o sistema realiza dinâmicas políticas horizontais (em cada nível) e dinâmicas políticas verticais (entre os níveis). Entre estas dinâmicas, a dinâmica política global é preponderante (prevalece ou é mais importante) e a dinâmica política supra-regional é determinante (rege e fixa os termos das outras). É extensa porque é uma realidade política planetária que abrange por sua vez dimensões políticas macro, meso e micro. Neste sentido, o político mundial é de natureza macropolítica.
2. Os atores sócio-políticos mudam para atores transnacionais. Os atores sociais e políticos têm como desafio o mundo e seus problemas. Nesse sentido, tendem a se organizar em cada um dos níveis espaciais e, através destes, desde o nível local até o nível global, possivelmente conformando redes sociais e políticas de natureza transnacional. Para abranger o mundo, os atores sociais políticos se organizam por níveis espaciais e em escala planetária. Trazem consigo problemas culturais sumamente complexos e, sobretudo, de identidades, que possivelmente serão processados de maneira específica em cada forma política geral por níveis. Possivelmente, um sujeito individual possa ter uma identidade múltipla: local, pós-nacional, regional supranacional e global.
3. A ação política também se torna ação política transnacional. A ação política que os sujeitos sócio-políticos desenvolvem não se detém no limite de uma forma política geral: a sobrepassa, desde as formas políticas no nível espacial local até o global, de baixo para cima e vice-versa. Neste sentido, é transnacional, ainda que seja mister precisar que terá traços muito específicos que estarão determinados pela forma política geral do nível espacial. Assim, sempre se terá políticas locais, pós-nacionais, supra-regional e global, cada uma com seus objetivos bem definidos e delimitados pela forma específica na qual se desenvolve em cada nível espacial.
4. As doutrinas políticas se transformam em doutrinas políticas globais. Os atores sócio-políticos necessitam de doutrinas globais capazes de orientar suas práticas transnacionais. Uma doutrina somente de alcance local ou nacional ou supra-regional teria muitas limitações para representar o novo mundo em formação, dotar de sentido e guiar as ações dos novos atores sócio-políticos dentro dele. Por outro lado, as doutrinas de alcance global, sim, reúnem estas capacidades. É o caso do neoliberalismo e do ecologismo, seguidos da “terceira via”.
5. A democracia se dota de alcances globais. Em todas as formas políticas gerais e particulares de cada um dos níveis do novo mundo emergente se apresentam as exigências da democracia. A democracia representativa, aceita em suas generalidades, é vinculada com a democracia direta, desenvolvida por muitos movimentos sociais, para dar lugar a uma democracia participativa, mais consentida, includente, eqüitativa, responsável e próxima aos cidadãos. Neste sentido, autores como D. Held propõe uma “democracia cosmopolita” e A. Giddens uma “democracia dialogante”.
6. A teoria política converte-se em macrometapolítica. O estudo do virtual sistema político mundial, como novo objeto de pesquisa da politicologia, necessita de uma nova teoria política com as características de macro e meta. Macro, porque esta teoria deve dar conta de um objeto de pesquisa de dimensão mundial (planetário), complexo (por sua forma espacializada) e heterogêneo (adquire formas específicas diversas em cada um de seus níveis espaciais). Meta, devido ao fato de que esta teoria tem de ter a capacidade de explicar as dinâmicas políticas horizontais intraníveis e as dinâmicas políticas verticais interníveis, quer dizer, explicar o movimento político total do novo sistema político mundial em formação.

Todas estas conclusões nos levam a pensar e propor a necessária reinvenção da politicologia. Estão mudando radicalmente a realidade política, os atores sociais e políticos, as práticas políticas e as doutrinas políticas, tanto em nível nacional como em nível internacional. Essas mudanças de fundo e de forma do político e da política questionam o estatuto da politicologia (Ciência Política e Estudos Políticos Internacionais) e exigem a sua renovação. As seis propostas destas conclusões pretendem contribuir no processo de reinvenção da politicologia.

Alberto Rocha

Fonte: www.apropucsp.org.br
Sistemas Políticos
História

CONCEITUAÇÃO:

Sistemas de governo “são as técnicas que regem as relações entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo no exercício das funções governamentais”.

SISTEMAS BÁSICOS DE GOVERNO

O modo como se estabelece o relacionamento entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, ocorre:


De forma a preponderar maior independência entre eles, dando origem ao PRESIDENCIALISMO
De forma a preponderar maior colaboração entre ambos, dando origem ao PARLAMENTARISMO
De forma a preponderar a combinação entre ambos numa Assembléia, Diretório ou Colegiado, dando origem ao DIRETORIAL ou CONVENCIONAL.

SISTEMA DIRETORIAL

Consiste no sistema de governo onde o governo é exercido por um diretório, ou colégio, constituído por um grupo de pessoas (duas ou mais), assumindo as funções de Chefe de Estado de Governo, independente da confiança do Parlamento.

Ocorre o domínio do sistema político pela Assembléia (ou Parlamento), não havendo Poder Executivo separado, e, se houver, exercido por um chefe de Estado, ele é figura decorativa.

O Governo é exercido por uma COMISSÃO, COLÉGIO ou DIRETÓRIO da ASSEMBLÉIA ( ou Parlamento) que têm as funções de Chefes do Governo.

Os exemplos são os da Suíça, da U.R.S.S., da Polônia, da Hungria e da România; Na França, durante a vigência da Constituição de 1785; Na Suíça a autoridade executiva é exercida por um Conselho Federal formado por sete Conselheiros eleitos por 4 (quatro) anos pela Assembléia Federal.

PRESIDENCIALISMO

É um sistema de governo que tem as seguintes características:


É um sistema típico das Repúblicas
O Presidente da República exerce o Poder Executivo em toda a sua inteireza, acumula as funções de Chefe do Estado, Chefe do Governo e Chefe da Administração Pública, cumpre um mandato por tempo fixo, não depende da confiança do órgão do Poder Legislativo nem para a sua investidura, nem para o exercício do governo
O órgão do Poder Legislativo (Congresso, Assembléia, Câmara) não é Parlamento, seus membros são eleitos por período fixo de mandato não está sujeito à dissolução
As relações entre ambos são mais rígidas, prevalecendo o princípio da divisão de poderes independentes e autônomos, embora possam ser harmônicos
Os Ministros de Estado são simples auxiliares do Presidente da República que os nomeia e exonera ao seu livre arbítrio (salvo injunções políticas); agem ,cada qual, como chefe de um grande departamento administrativo, o seu Ministério, exercendo suas funções, cada qual por si, isoladamente, o Ministério (conjunto dos Ministros) não tem organicidade, despachando cada Ministro com o Presidente da República sobre seus problemas, sem levar em conta as conexões com os outros
Eventual plano de governo, mesmo quando aprovado por lei, depende exclusivamente da coordenação do Presidente da República que o executará ou não, bem ou mal, sem dar satisfação jurídica a outro poder (a não ser em prestações de contas financeiras e orçamentárias anuais, a posteriori), e se o executa mal, ou mesmo não o executa, continuará Presidente da República e os Ministros continuarão Ministros enquanto de sua confiança.

Só se deve ter como sistema presidencialista aquele que tenha tais características e mais a investidura democrática das autoridades governamentais políticas: Presidente e Parlamentares.

Se houver um Presidente da República que seja ditador ou com predominância autoritária sobre os demais Poderes, então tem se sistema totalitário (ditatorial) e não presidencialismo.

PARLAMENTARISMO

É o Sistema de Governo que tem as seguintes características:


É típico das monarquias constitucionais, de onde se estendeu às Repúblicas européias
O Poder Executivo se divide em duas partes um Chefe de Estado, exercido pelo Monarca ou pelo Presidente da República, e um Primeiro- Ministro ou Presidente do Conselho como Chefe do Governo que é exercido pelo Conselho de Ministros; O governo é assim um corpo coletivo orgânico, de sorte que as medidas governamentais implicam a atividade de todos os Ministros e seus Ministérios
O Primeiro- Ministro é indicado (ou mesmo nomeado) pelo Presidente da República, os demais Ministros são indicados ou nomeados pelo Primeiro Ministro, ou indicado por este e nomeado pelo Presidente da República, mas sua investidura definitiva, como a sua permanência posterior, nos cargos depende da confiança da Câmara dos Deputados (às vezes, também do Senado)
A aprovação do Primeiro- Ministro e de seu Conselho de Ministros pela Câmara se faz pela aprovação de um plano de governo por eles apresentado, vale dizer que a Câmara assume responsabilidade de governo, aprovando o plano de governo, empenhando-se assim politicamente perante o povo
O Poder Legislativo assume no parlamentarismo funções político- governamentais mais amplas , e se transforma em Parlamento, na medida em que compreende também os membros do governo: Primeiro- Ministro e Conselho de Ministros, sejam ou não parlamentares
O governo é responsável perante o Parlamento (Câmara dos Deputados), o que significa que o governo depende de seu apoio e confiança para governar
O Parlamento é responsável perante os eleitores, de sorte que a responsabilidade política se realiza do governo para com o Parlamento e deste para com o povo; Significa dizer que, se o Parlamento retirar a confiança no governo, ele cai, exonera-se porque não tem mandato, nem investidura a tempo certo, mas investidura de confiança, perdida esta, que pode decorrer de um voto de censura ou moção de desconfiança, exonera-se para dar lugar à constituição de outro governo
Mas, em vez da exoneração dos membros do governo que perdeu a confiança do Parlamento, pode-se preferir apurar a confiança do povo e, então, se utiliza o mecanismo da dissolução da Câmara, convocando-se eleições extraordinárias para a formação de outro Parlamento em torno do tema ou da questão de governo que gerou a crise, crise esta que se resolve politicamente sem trauma, porque a flexibilidade do sistema possibilita mecânica adequada à solução de tensões políticas.

CONCLUSÃO

O Presidencialismo no Brasil e a opção para o parlamentarismo

No Parlamentarismo moderno as quedas de Conselhos de Ministros ocorrem menos pela falta de confiança parlamentar, menos em decorrência de moção de censura e de desconfiança, do que pelo desfazimento de coligações partidárias que os sustentam.

O sistema presidencialista não é institucionalmente apto para enfrentar graves situações de crise, para promover um consenso a partir de conflitos sociais ou políticos sérios, para controlar o exercício do poder sem obstáculo e para assegurar eficiência na tomada de decisões, consequentemente nem para assegurar a estabilidade, a continuidade e a eficácia de uma democracia pluralista, como a que foi instituída na Constituição.

Tem sido notoriamente incapaz de canalizar soluções de crises. A concentração de poder no Presidente atrai as graves crises para a sua pessoa, com profundo desgaste pessoal, ás vezes, fatal.

A personalização do poder, por si, determina um dos problemas mais cruciantes e nunca bem resolvidos, o problema da sucessão presidencial.

Isso tudo sem falar das dificuldades de relacionamento entre Executivo e Legislativo nesse sistema, principalmente num sistema multipartidário.

Não nos parece que as crises brasileiras sejam devidas ao presidencialismo como alguns afirmam, cabendo aqui a questão, visando a saber se temos tido presidencialismo no Brasil, ou simples deformação dele, como pequenas exceções no período de 1946-1964. As crises, no mais das vezes, têm razões mais profundas. O que é plausível sustentar é que a rigidez do sistema as agrava ou, no mínimo, dificulta sua solução.

O parlamentarismo dispõe de maleabilidade que ajuda a solucionar crise de poder, “o parlamentarismo, em verdade, diz bem Miguel Reale, não apresenta uma solução de problemas substanciais, mas antes um processo prático para encontrar e facilitar soluções”.

Estamos de pleno acordo com o filósofo do Direito, quando, desdobrando aquela reflexão, escreve as seguintes palavras que, vindo da lavra de convicto parlamentarista, deveriam ser sempre lembradas pelos demais:“Parlamentarismo ou presidencialismo por si sós não resolvem os problemas do País. São simples peças ou instrumentos de ação pública. Os problemas fundamentais da Nação devem ser tratados como tais, como problemas fundamentais.

Não devemos dar ao presidencialismo ou ao parlamentarismo importância decisiva, para mim são meras técnicas de composição do Governo, que envolvem outras questões básicas e outras atitudes não menos relevantes. Estas sim é que devem merecer mais diuturnamente os nossos cuidados e preocupações”.

Adhemar Bernardes Antunes

Fonte: br.geocities.com
Sistemas Políticos

Um sistema político, segundo as teses de David Easton e Karl Deutsch, enquanto processo de interação que visa uma atribuição autoritária de valores, tem sido visto como uma unidade inserida num ambiente, donde, por um lado, recebe entradas (inputs) – os apoios às exigências que se articulam, agregam e manifestam pela ação de grupos de interesse, grupos de pressão, movimentos políticos e partidos políticos – e, para onde, por outro, deve emitir saídas (outputs). Para que entre o ambiente e o sistema se gere um fluxo contínuo que permita ao sistema ser um sistema aberto e evolutivo, mantendo embora a respectiva autonomia.

Seguindo agora Almond e Powell, podemos dizer que os produtos do sistema político, as decisões políticas, não se reduzem às clássicas funções estaduais (o fazer regras do poder legislativo ou rule making, o executar programas do governar ou rule application, e o aplicar regras em situações contenciosas do rule adjudication ou poder judicial), dado que há um outro campo de produção de tal sistema, a comunicação política, a troca de informação entre governantes e governados, bem como a própria troca de informação horizontal entre os governados.

Por outras palavras, a função de comunicação política é, ela própria, tanto um produto nitidamente político, como o sangue irrigador dos canais nevrálgicos do próprio interior do sistema político. Com efeito, a troca de informação, constitui o fluído através do qual se procede à irrigação do sistema estadual de nervos (the nerves of government, segundo a expressão de Karl Deutsch), sendo, por isso, o elemento fundamental do sistema político.

A questão da informação, da circulação da informação e do controlo da informação, é assim a questão fundamental do sistema político. Aliás, governar é proceder à retroação da informação. É converter os inputs em outputs, converter os apoios e as exigências em decisões políticas.

É pela informação, pelos sensores dos centros de recepção de dados, que o sistema político contacta com o respectivo ambiente, com os outros subsistemas sociais e com os outros sistemas políticos.

É pela operação de processamento de dados, confrontando mensagens do presente com informações arquivadas no centro da memória e dos valores, que o sistema político pode, ou não, adquirir autonomia e identidade.

É depois, no estado-maior da consciência, onde se selecciona a informação presente e passada e se confronta este conjunto com as metas programáticas, que o sistema político prepara a pilotagem do futuro em que se traduz a governação.

Tem isto a ver com os chamados meios de comunicação social que não são sociedade sem política, não são comunidade sem poder. Todos os meios de comunicação social são meios de comunicação política. Eles estão, aliás, no centro da política. São uma das principais bases da política, mesmo que a respectiva titularidade seja privada.

Com efeito, o processo político, o processo de conquista do poder, se adoptarmos uma perspectiva da poliarquia pluralista, consiste num processo de conquista da adesão do governado.

O processo político não se reduz à luta pelo poder supremo ou à conquista do poder de sufrágio, dado ser global e desenrola-se em todo o espaço societário.

O poder político não é uma coisa, é uma relação. Uma relação entre a república e o principado, entre a comunidade e o aparelho de poder e destes com um determinado sistema de valores.

Tal como o Estado, enquanto quadro estrutural de exercício do poder, porque essa estrutura de rede (network structure), ou espaço de regras do jogo e de enquadramento institucional do processo de ajustamento e de confronto entre os grupos, não é também uma coisa, mas antes um processo.

O poder político é, conforme a clássica definição de Max Weber, uma estrutura complexa de práticas materiais e simbólicas destinadas à produção do consenso. Isto é, o poder político, ao contrário das restantes formas de poder social, implica que haja uma relação entre governantes e governados, onde o governante exerce um poder-dever e o que obedece, obedece porque reconhece o governante pela legitimidade deste.

Assim, o espaço normal do processo político é o da persuasão. O da utilização da palavra para a comunicação da mensagem e a consequente obtenção da adesão, enquanto consenso e não unanimidade, onde há obediência pelo consentimento, onde o poder equivale à negociação.

Só quando falha este processo normal de adesão comunicativa é que o governante trata de utilizar a persuasão com autoridade, com o falar como autor para auditores, onde o autor está situado num nível superior e o auditor no nível inferior da audiência. Com efeito, o emissor da palavra não está no mesmo plano do receptor, está num lugar mais alto, aquele onde se acumula o poder.

Num terceiro passo vem a astúcia, o ser raposa para conhecer os fios da trama, esse olhar de coruja, que nos tenta convencer, atuando na face invisível do poder, nomeadamente para enganar o outro quanto à identificação dos seus próprios interesses, ou criando, para esse outro, interesses artificiais. Isto é, quando falha a comunicação pela palavra, mesmo que reforçada pela autoridade, vem o engodo, a utilização da ideologia, da propaganda ou do controlo da informação.

O que pode passar pelo controlo do programa de debates, com limitação da discussão ou evitando o completo esclarecimento dos interesses das partes em confronto.

Só como ultima ratio se utiliza a força – física ou psicológica, o uso efetivo da mesma ou a ameaça da respectiva utilização – para obter o consentimento; para forçar à obediência independentemente do consentimento. É então que o poder passa a voar como falcão, a ser leão para meter medo aos lobos, não se eximindo a combater pelas armas.

De qualquer maneira, a distribuição dos valores e dos recursos políticos é sempre feita com autoridade, há sempre instituições que distribuem os mesmos valores e recursos, de cima para baixo, há sempre allocation (David Easton), um processo funcional pelo qual um sistema atribui, abona ou distribui os objetos que valoriza (Badie e Gerstlé). Mas só tem autoridade aquele emissor ou distribuidos a quem o receptor atribui legitimidade, essa perspectiva do poder tomada do lado daqueles que obedecem, aquilo que suscita o consentimento, onde a autoridade é a perspectiva tirada do lado daqueles que mandam, aquilo que propicia o comando com obediência espontânea..

O poder político não pode apenas ser visto na perspectiva unidimensional daquela perspectiva elitista que o concebe como uma pirâmide onde, em cima, está a classe política dos governantes e, na base, a larga planície dos súbditos ou governados. Há que perspectivar também a perspectiva bidimensional, que aponta para a existência de uma face invisível do poder, onde quem governa tende sempre a controlar o programa dos debates, bem como aquela perspectiva tridimensional que confunde os interesses do que dá o consentimento.

Qualquer democracia, no plano das realidades, assume-se como uma poliarquia, como um sistema de competição pluralista e como uma sociedade aberta. Democracia para o país legal e para a cidade dos deuses e dos super-homens. Poliarquia para o país das realidades e para a cidade terrena dos homens concretos! E é dessa mistura entre o céu dos princípios e o enlameado, ou empoeirado, do caminho pisado que, afinal, nos vamos fazendo.

O que Dahl dizia da anterior sociedade norte-americana pode valer prospectivamente para a atual realidade portuguesa que, com a importação da sociedade aberta, vai vivendo a chegada da nova circulação social, agora que o plano das estradas de Fontes Pereira de Melo e Duarte Pacheco se vai concretizando.

Nestes termos, Dahl, um dos mais recentes clássicos da teoria da democracia, desenvolve a respectiva tese pluralista, segundo a qual há um grande número de grupos que participam no jogo político, cada um deles procurando, por si mesmo, uma determinada vantagem. E o governo seria o ponto de encontro da pressão desses grupos, seria a resultante de uma espécie de paralelograma de forças.

Ao governo caberia, assim, conduzir uma política que refletisse os fatores comuns às reclamações dos diversos grupos, pelo que a direção da vida pública teria de ser partilhada entre um grande número de grupos. Grupos todos eles rivais, tentando cada um, em detrimento dos outros, exercer uma influência mais importante sobre a sociedade.

José Adelino Maltez

Fonte: maltez.info
Sistemas Políticos
As Organizações como Sistemas Políticos

Este texto apresenta uma abordagem sobre a organização dentro da perspectiva política sob a análise de diversos aspectos que envolvem o cotidiano organizacional.

Segundo Morgan (1996), entender as organizações como sistemas políticos é trabalhar com conceitos tais como interesses, conflitos e poder, bem como compreender o espaço produtivo em relação a direitos e deveres nas suas formas de expressão da cidadania. O autor salienta que há uma tendência de não se reconhecer a organização enquanto sistema político sob a alegação e o respaldo tecnicista. Ou seja, nega-se o fato de a organização ser política em contraposição a uma racionalidade que nortearia as ações gerenciais. Dentro dessa concepção, é comum que as manifestações do poder sejam expressas sempre apoiadas por um arcabouço de conhecimentos técnicos que justificam ações e decisões tomadas na organização.

Alega-se não se fazer política dentro da organização, mas, pelo contrário, apenas se aplica o conhecimento técnico em favor da produtividade organizacional.

Assim, não se admite que a organização seja guiada por interesses particulares e individualizados e qualquer conotação política acaba ganhando uma ênfase pejorativa.

As Organizações como Sistemas de Governo

As organizações, como os governos, sempre empregam algum tipo de sistema de regulamentos, como meio de criar a ordem entre seus membros.

As organizações são vistas como sistemas de governo, apoiando-se em vários princípios políticos para legitimar tipos diferentes de regras, assim como os diferentes fatores presentes nas políticas da vida organizacional.

Os tipos mais comuns de regimes políticos encontrados nas organizações são as autocracias (poder único, centralizado em uma pessoa), as burocracias (poder com o pessoal burocrático, de “escritório”), as tecnocracias (poder com o pessoal “técnico”), a co-determinação (quando há uma coligação de forças para assumir o poder, que podem nem se alinhar em valores; a democracia representativa (votação em alguém para gerenciar a empresa) e a democracia direta (as decisões são tomadas por todos).

É muito difícil encontrar uma organização que seja um deles por excelência, sempre há uma combinação de vários destes tipos.

Uma escolha organizacional, sempre implica em escolha política. Questões como estilo de liderança, autonomia, participação, relações poder-empregado, não são termos neutros, têm grande significado.

Para entender a dinâmica política diária de uma organização, também é necessário explorar o processo pelo qual as pessoas se engajam em atividades políticas dentro dela. Pode-se analisar as práticas organizacionais de um modo sistemático, focando o relacionamento entre interesses, conflito e poder.

As políticas organizacionais surgem quando pessoas diferentes, pensam de modo diferente e querem agir de modo diferente. Esta diversidade cria uma tensão que deve então ser resolvida através de meios políticos (autocraticamente, burocraticamente, tecnocraticamente, democraticamente).

Para o entendimento das atividades políticas, devemos analisar os interesses, compreender os conflitos e pesquisar o poder, suas fontes e sua natureza.

Para Morgan (1996) é possível enumerar três grandes blocos de interesses aos quais todos os indivíduos dentro da organização convivem, a todo o momento, dentro do espaço produtivo: interesses relativos à tarefa, interesses de carreira e interesses exteriores à organização. O autor exemplifica que cada indivíduo tem que mediar os interesses, pois são inerentemente conflitantes.

Interesse da tarefa: Ligados ao trabalho que alguém deve desempenhar. Ex.:Uma pessoas de vendas deve vender sua cota de produtos e manter relacionamentos com clientes.

Junto a isso, trazemos para o local de trabalho aspirações e visões daquilo que deve ser o nosso futuro fornecendo as bases para os interesses de carreira que podem ser independentes do trabalho que está sendo desenvolvido.

Trazemos também nossa personalidade, valores, preferências, crenças, etc, permitindo que estes interesses extra-muro, exteriores à organização, configurem uma forma de agir tanto em relação ao cargo, quanto à carreira.

A orientação das diferentes pessoas no sentido dessas tensões varia de situação para situação, fazendo que alguns estejam mais comprometidos fazendo o seu trabalho, outros mais voltados para as suas carreiras.

Além disso, retomando que dentro da organização encontrar-se-ão pessoas das mais diversas naturezas, origens, crenças e valores, o espaço produtivo configura-se como local de expressão das diferenças de interesses. Considerando, pois, a organização dentro dessa pluralidade de interesses, o conflito passa ser concebido, por conseqüência, como inerente ao espaço produtivo. O conflito surge da colisão de interesses distintos (Morgan, 1996). Entender a organização como sistema harmônico é fantasioso e simplista do ponto de vista da metáfora política. Uma conseqüência importante dessa análise é que há uma motivação política nas ações e decisões, uma vez que procuram, invariavelmente, atender a interesses conflitantes.

Fomos habituados a pensar em conflitos como uma situação disfuncional, alguma coisa que deve ser resolvida, como uma tempestade que tem que ser acalmada para que se retorne à calmaria. Morgan (1996), mostra conflitos como uma situação natural, funcional, que dá movimento à organização. Eles sempre irão existir, as vezes explícitos, as vezes implícitos, de uma forma tão implícita que os próprios participantes não têm consciência deles.

O poder, na metáfora política de Morgan (1996), possui papel essencial dentro da organização. Segundo a reflexão feita pelo autor, em um sistema produtivo como uma empresa que se apresenta dentro de uma forte pluralidade de interesses e uma fonte potencial de conflitos, há uma necessidade de que algo norteie e oriente as ações em um determinado sentido. O exercício do poder vai ditar o rumo que uma organização irá tomar e quais interesses serão prioritariamente atendidos. A organização é, dessa forma, um sistema onde se exercerá a política entre os diversos indivíduos na tentativa de, por meio de coalizões, decisões e ações políticas, obter mais poder para que os interesses de determinados grupos ou facções sejam atendidos.

É o poder que irá fazer com que as ações humanas possam ter continuidade e direcionamento dentro do espaço produtivo. “O poder é o meio através do qual conflitos de interesses são, afinal, resolvidos. O poder influencia quem consegue o quê, quando e como” (Morgan, 1996, p. 163).

Para Morgan (1996), o poder não está concentrado apenas nas mãos dos gestores e da autoridade formal. O poder está disseminado em toda organização, havendo um certo equilíbrio de forças entre diversas partes e uma mútua dependência entre as partes conflitantes para a legitimação e exercício do poder.

Para pesquisar o poder nas organizações, é pertinente deter-se sobre as fontes de poder. Morgan (1996) cita quatorze fontes de poder, mas expressa que a lista não está completa, longe disso.

Estas são as fontes mais comuns:


Autoridade formal
Controle de recursos escassos ou estratégicos
Uso da estrutura e regulamentos
Controle do processo de decisão
Controle das fronteiras
Habilidade de lidar com incertezas
Controle da tecnologia.
Alianças interpessoais, organização informal.
Controle da contra-organização.
Simbolismo e gerência do significado.
Sexo e administração das relações entre sexos
Fatores estruturais que definem o palco de ação
Poder pré-existente.

Autoridade formal: Tipo de poder legitimado que é respeitado e conhecido por aqueles com que se interage. A legitimidade ocorre quando as pessoas reconhecem que alguém tem direito de mandar em alguma área da vida humana e quando aquele que é mandado considera como seu dever obedecer.

A legitimidade tem sido fundamentada por uma ou mais das três características: Carisma – Tradição e lei.

Controle dos recursos escassos

Dinheiro, tecnologia, materiais, pessoas.

Uso da estrutura organizacional, regras e regulamento: Muitas vezes eles são resultado e reflexo de uma luta pelo controle político. A rigidez e a inércia das estruturas organizacionais, conferem poder, uma vez que as pessoas, com freqüência preservam as estruturas vigentes para proteger aquele poder que delas emana.

Exemplo: A resistência à adoção de tecnologia computadorizada.

Exemplo

Nas greves, quando departamentos/órgãos fazem cumprir todas as regras tornando o sistema inoperante. A habilidade de usar regras para a vantagem de alguém é assim importante fonte de poder organizacional e define o terreno de disputa que sempre será negociado, preservado, modificado.

O controle do processo decisório seja nas premissas da decisão, no processo decisório ou nos resultados e objetivos da decisão.

Controle do conhecimento e da informação: Controlando esses recursos-chave, uma pessoa pode influenciar a definição das situações organizacionais e criar padrões de dependência.

Controle das fronteiras

Monitorando e controlando as transações de interfaces bilaterais, as pessoas são capazes de obter poder. Por exemplo, monitorando mudanças que ocorrem fora do grupo, do departamento ou da organização, tomando as medidas necessárias a tempo.

Outro exemplo: Secretárias e assistentes pessoais são capazes de exercer grande impacto sobre a forma como seus chefes vêem a realidade de certa situação, determinando a quem será dado acesso ao gerente, além de destacar ou minimizar a importância de eventos ou atividades que ocorrem nos demais locais da organização.

Habilidade de lidar com incertezas: Incertezas ambientais relacionadas ao mercado, fontes de matéria prima ou financeiro.Incertezas operacionais como exemplo: quebra de maquinário (capacidade de restaurar a normalidade).

Controle da tecnologia

A tecnologia planejada para dirigir e controlar o trabalho dos empregados freqüentemente se torna uma ferramenta de controle a favor do trabalhador.

Alianças interpessoais, redes e controle da organização informal: Amigos altamente colocados, patrocinadores, redes informais de consulta às bases oferece poder aos envolvidos.

Controle da contra-organização

Os sindicatos por exemplo são representantes dessas organizações. É uma forma de influenciar as organizações sem fazer parte da estrutura de poder estabelecido.

Simbolismo e administração do sentido

O poder da imagem evocativa sobre os que estão à volta. O escritório de um executivo é o palco sobre o qual ele atua e é cuidadosamente organizado de maneira a facilitar esse jogo.

Sexo e administração das relações entre sexos

As organizações com freqüência segmentam as estruturas de oportunidades e mercados de trabalho de maneira a permitir aos homens chegar à posição de prestígio e poder mais facilmente que as mulheres.

Fatores estruturais que definem o estágio da ação

Vários fatores estruturais tais como investimentos de capital que sustentam a organização determinam a habilidade de usar as fontes de poder dentro da organização, por exemplo, um gerente que controla importante orçamento que tem acesso a informações confidenciais, etc

Poder pré-existente

Pode ser usado para adquirir mais poder ainda. As biografias de políticos evidenciam isso. A presença de poder atrai e mantém pessoas que desejam alimentar aquele poder e serve para aumentar o poder dos próprios detentores do poder.

Ao ver as organizações como sistemas políticos, Morgan (1996) propõe que pode haver três tipos básicos de gerência, e sugere que estes três tipos não existem em sua forma pura, são sempre uma combinação, onde cada um predomina mais, ou menos. Deu os nomes de “Unitária”, “Pluralista” e “Radical”, aos três tipos de gerência. E tentou traçar as características desses três tipos de gerenciar, explicitando como se comportam as variáveis “interesses”, “conflitos” e “poder”. É o que está expresso na figura a seguir.
Unitária Pluralista Radical
Interesses Ênfase no atingimento de objetivos comuns. A organização unida debaixo de um guarda-chuva de metas comuns e luta para o seu atingimento com a educação de um time bem integrado. Ênfase na diversidade dos indivíduos e grupos de interesse. Organização vista como uma coalizão fraca que tem interesse passageiro nas metas formais da organização. Ênfase na natureza de oposição de interesses de classe contraditórios. Organização vista como um campo de batalha onde forças rivais lutam pelo atingimento de metas incompatíveis.
Conflitos Olha o conflito como um fenômeno raro e passageiro, que pode ser removido através de ação gerencial apropriada. Onde aparece é atribuído a atividade de criadores de caso. Olha o conflito como uma característica inerente que não dá para remover das organizações, que salienta seus aspectos positivos ou funcionais. Olha o conflito organizacional como inevitável e parte de um grande conflito de classes que mudará eventualmente a estrutura de toda a sociedade. Reconhece-se que o conflito pode ser suprimido, e que existe mais como latente do que como característica manifesta da sociedade e das organizações.
Poder Ignora o papel do poder na vida organizacional. Conceitos como autoridade, liderança e controle tendem a ser meios preferidos de descrever as prerrogativas organizacionais, de guiar a organização no atingimento de interesses comuns. Olha o poder como uma variável crucial. Poder é o instrumento através do qual conflitos de interesse são aliviados e resolvidos. A organização é vista como pluralidade de detentores de poder, extraindo seu poder de uma pluralidade de fontes. Olha o poder como um aspecto chave da organização, mas um fenômeno que está desigualmente distribuído e que segue a divisão de classes. As relações de poder nas organizações são vistas como reflexos das relações de poder da sociedade, e ligadas ao processo maior de controle social, controle do poder econômico, sistema legal e educação.


Tanto a estrutura organizacional quanto as relações humanas na organização são importantes elementos políticos na visão de Morgan ( 1996). Nas relações humanas, a diversidade de interesses é parte da natureza humana e na organização, e em qualquer corpo social haverá sempre uma relação de embate e oposição, choque e dissidências. No que diz respeito à estrutura organizacional, o autor expõe a inerência do conflito e a inevitabilidade da exposição contraditória de interesses no espaço produtivo. Há, dentro das organizações, a essência natural de relações conflituosas que não se resume só na relação entre capital e trabalho, mas também entre os diversos indivíduos na medida em que as instâncias cargo, carreira e exterior da organização entram em choque. Em ambos os casos, na mediação das diferenças de interesses e na contradição estrutural, a política é essencial forma de interação dos diversos agentes. Ao mesmo tempo o poder e o uso dele nas diversas ações serão fundamentais no convívio coletivo.

Em se tratando da arquitetura do Espaço Produtivo, Foucault (1987 e 1996), aponta esse espaço como uma das muitas facetas do controle e dominação social por meio da constituição de práticas disciplinares no cotidiano das instituições.

A arquitetura do espaço produtivo, abre a dimensão de como são organizados os espaços produtivos para que se incuta no imaginário coletivo a idéia de vigilância onipresente. Foucault se referencia constantemente ao “panopticon” de Jeremy Bentham como um tipo de arquitetura que se disseminou em instituições tais como hospitais, prisões, colégios, fábricas que evidenciam o controle visual dos movimentos e ações do corpo. A arquitetura e a forma como o espaço produtivo é organizado internalizam a sensação de que em todo momento e em qualquer lugar o corpo está sendo observado por um “olhar dominador e vigilante” (Foucault, 1996, p. 215). O medo de estar sendo constantemente vigiado exerce uma forma de controle sobre o corpo social que cristaliza uma forma de poder e dominação.

Fischer (1985) traz a discussão em torno de como o ambiente de uma determinada sociedade e o ambiente organizacional não podem ser estudados de forma dissociada, sendo este último influenciado por diversos fatores contextuais dentre os quais se encontram o jogo de conflitos sociais e políticos.

No que diz respeito à política de recursos humanos, a autora salienta que a utilização do termo política não é gratuito. Apesar de muitas vezes haver um reducionismo das políticas de RH como sendo simples técnicas de gestão neutras ideologicamente e apolíticas, elas são expressão evidente da manifestação das vontades de grupos específicos dentro das organizações.

Pode-se acrescentar que nenhuma escolha de técnica administrativa é feita ao acaso, descontextualizada das situações concretas de uma organização. Ou seja, a escolha da técnica reflete escolhas de interesses, em função de conflitos e buscando a consolidação de poder dentro das organizações. Qualquer técnica não pode ser tomada por si só, mas como elemento de uma totalidade mais complexa que a determina; como componente do quadro social e político no qual se insere, cujas características essenciais ela não pode acobertar ou mascarar pela força com que se impõe, baseada na eficiência dos resultados obtidos.” (Fischer, 1985, p. 31)

Para Fischer as políticas de administração de Recursos Humanos produzem, reproduzem e redefinem, para o contexto específico das organizações, as condições características do sistema social em que se inserem” (Fischer, 1987, p. 33) Assim como as políticas de recursos humanos, a organização do processo de trabalho também não deve, na concepção de Fischer (1985), ser compreendida somente como um amontoado de técnicas utilizadas e isentas de ideologia e apolíticas, visando exclusivamente a produtividade dos processos de trabalho. A organização do processo de trabalho visa, em muitos casos, diminuir a importância de quem executa trabalho e de exercer controle sobre suas ações. Ao mesmo tempo, objetiva atender interesses de grupos específicos e, portanto, reflete a expressão política de uma relação conflituosa.

Considerações Finais

Olhar a organização através de uma metáfora política é interessante, porque permite a visão de que toda a atividade organizacional é baseada em interesses e ajuda a reconhecer as implicações sócio-políticas dos diferentes tipos de organização e o papel que desempenham na sociedade. Supera-se o mito da “racionalidade organizacional”, como se o espaço produtivo fosse exclusivamente racional tecnicista.

Existe uma mistura de interesses pessoais, que não convergem, e apesar disso tem que se administrar e dar uma direção ao movimento da organização. Negar o lado político das organizações só mascara uma realidade que é evidente, inerente e manifesta nas situações concretas da realidade organizacional.

Pode haver um forte objetivo político em negar essa faceta das organizações, pois escancarar o lado político das organizações é expor a fragilidade de um sistema de produção baseado em interesses e disputas de grupos sobre grupos. É mais fácil acreditar que sempre há uma resposta técnica para justificar uma ação humana dentro da empresa.

Maria da Graça Ramos

Bibliografia

FISCHER, R. M. Pondo os pingos nos is sobre as relações de trabalho e as políticas de administração de recursos humanos. In FLEURI, M.T.L. & FISCHER, R. M. (orgs) Processo e relações do trabalho no Brasil. São Paulo: Atlas, 1985.
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder.12 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1996.
________________ Vigiar e Punir.Petrópolis:Vozes, 1987
MORGAN, Gareth. Imagens da Organização.São Paulo: Atlas, 1996.

Fonte: www.colegiosaofrancisco.com.br
Sistemas Políticos
Sistemas Políticos – O que é

A análise dos Sistemas Políticos tem como objetivo permitir à Ciência Política uma maior efetividade na compreensão dos diversos fenômenos políticos. O termo Sistema Político apresenta-se como preferencial em lugar de outros como “governo”, “nação” ou “Estado”, uma vez que não está limitado por significados legais, institucionais ou sociais e tampouco está confinado a um determinado conjunto de instituições geralmente encontrado nas sociedades ocidentais modernas.

Então, o que é um “Sistema Político”? Como ele se estabelece e se diferencia das demais áreas da vida social e como se relaciona com as mesmas?

Um Sistema Político está basicamente associado ao monopólio do uso da força física legítima dentro de uma sociedade – legítima a partir do momento em que se reconhece sua natureza como justificável. Somente as autoridades políticas detêm um direito, relativamente aceito, de em certas circunstâncias, fazer uso da força e exigir obediência com base nela. Dentro de um sistema político estão incluídas as interações que podem afetar ou ameaçar o uso legítimo da força, dessa forma, insere-se no sistema político não só as organizações governamentais como os legislativos, órgãos de administração e instâncias judiciais, mas também todas as estruturas, grupos familiares e sociais em seus aspectos políticos. De forma alguma o sistema político resume-se à força, à violência ou à obediência compulsória, no entanto, sua relação com a força é seu caráter distintivo. O político preocupa-se com metas como, por exemplo, o bem-estar social, a segurança nacional, o crescimento econômico que se relacionam a ações compulsórias (quando necessário exigir obediência) como impostos, elaboração de leis e políticas de defesa.

A caracterização sistêmica do conceito traz consigo a noção de interdependência das partes do sistema – ou seja, a alteração de uma parte implicará alteração nas demais – e a noção de fronteira, que implica que um sistema começa em um lugar e termina no outro – o que é problemático ao se considerar sistemas sociais e políticos, uma vez que as esferas dialogam e relacionam-se entre si. Deve-se ter em mente que os sistemas constituem-se de papéis, não de indivíduos, ou seja, uma pessoa pode representar um papel dentro de um sistema e ao mesmo tempo representar outros papéis distintos em outros, cruzando diversas fronteiras. Da mesma forma, demandas dos diversos sistemas influenciam e são influenciadas pelo político. Dois elementos constitutivos dos sistemas políticos são a estrutura e a cultura. A estrutura diz respeito basicamente às instituições, às regras e aos papéis que se organizam entre si formando conjuntos de subsistemas que interagem entre si – por exemplo, o corpo legislativo que se relaciona com o executivo, etc. A cultura por sua vez representa a dimensão psicológica do sistema político. Ela é formada por atitudes, crenças, valores e aptidões comuns a uma população. São inclinações que afetam a forma de interagir dentro do sistema político. Pode haver várias inclinações particulares a diversos grupos dentro de uma população, que podem ser chamados de subculturas. A análise de um sistema político não se resume, portanto, à observação dos padrões comportamentais e de interação num período de tempo, mas também das inclinações subjetivas dentro do sistema em sua totalidade e suas partes.


Modelo de Easton

Como formulado pelo cientista político norte-americano David Easton, o sistema político relaciona-se com o ambiente ao seu redor atráves de inputs e outputs.

Os inputs são o que o mantém em funcionamento e podem ser de dois tipos – demandas ou suportes. Há diversos tipos de demandas que são levadas ao sistema político, que variam entre si em forma e intensidade, além de poderem combinar-se entre si.

Exemplos de demanda são: demandas por regulamentação de comportamento, como as medidas de segurança pública ou a formulação de normas para o controle das diversas esferas da vida social; demandas por distribuição de benefícios e serviços; demandas por participação no sistema político e demandas por comunicação e informação. Por sua vez, temos os suportes que dão sustentação ao sistema. Os suportes podem ser materiais, como pagamento de impostos e taxas por serviços; obediência às leis e regulamentos; suportes de participação como o voto e a discussão política e a atenção às comunicações governamentais e o respeito pela autoridade pública. Basicamente, as demandas são o que orientam a ação e metas do sistema, enquanto que os suportes fornecem os recursos que lhe permitem atingir suas metas. Os inputs podem originar-se na sociedade que circunda o sistema como também serem oriundas do próprio sistema ou serem fruto de pressões externas do sistema internacional.

Os outputs representam as conseqüências do sistema político, são as respostas dadas por ele às demandas. Sem os outputs, não faria sentido tomar o sistema político como objeto privilegiado, uma vez que sua relevância seria nula. Os outputs representam basicamente transações iniciadas pelo sistema político que em geral correspondem aos suportes e podem ou não corresponder às demandas, a depender da responsividade do sistema observado. Alguns exemplos destas transações são as extrações (como os impostos), contribuições e serviços; regulamentações de comportamento; distribuições de benefícios e serviços, oportunidades, honrarias e emissões simbólicas como afirmação de valores, apresentação de símbolos e declaração de metas. Através dos inputs e outputs podemos analisar a capabilidade do sistema político. A capabilidade (capability) mostra como ele atua de forma relativamente autônoma dentro de seu ambiente.

A depender dos tipos de inputs e outputs, teremos diversos tipos de capabilidade. Sistemas totalitários tendem a suprimir as demandas da sociedade ao seu redor e são pouco responsivos às demandas externas, ao mesmo tempo em que buscam extrair o máximo de recursos da sociedade e a ela impõem e regulam os comportamentos dentro da sociedade. No caso das democracias, os outputs de regulação, extração e distribuição são os mais afetados pelas demandas dos grupos de sociedade, tendo assim uma elevada capabilidade responsiva. As capabilidades são em geral classificadas como reguladoras, extrativas, distributivas e responsivas e são a forma de dizer como o sistema está afetando e sendo afetado pelo seu ambiente. Outro aspecto importante do funcionamento é a compreensão dos processos internos do sistema, os processos de conversão nos quais os inputs são transformados em outputs. São os métodos pelos quais demandas e suportes dão origem a decisões e são implementados ou cumpridos. Para entender os processos de conversão devemos considerar de que forma as demandas são formuladas (articulação de interesses); como são combinadas com alternativas de ação (agregação de interesses); as regras oficiais formuladas (elaboração de regras); as regras são aplicadas e impostas (aplicação de regras); como a aplicação é determinada pela lei em casos individuais (adjudicação de regras) e como essas atividades são comunicadas dentro do sistema político e em seu ambiente (comunicação).

Os principais fatores ao se considerar o desenvolvimento político são:


1. Os tipos de problema que o sistema político enfrenta, ou seja, quais demandas são levadas a ele. A estabilidade de um sistema está ligada a sua capacidade e forma de responder às demandas que são levadas ao seu âmbito pelos diversos grupos da sociedade. Cada sociedade tem suas demandas particulares, variáveis a depender do período de tempo e relacionáveis entre si e com diferentes graus de intensidade.
2. Os recursos que o sistema possui para sustentar-se. Os suportes, assim como as demandas, oscilam com o tempo, diminuem ou aumentam, podendo despencar a níveis críticos que impedem o funcionamento do sistema.
3. A forma com a qual um sistema político afeta ou é afetado pelos demais sistemas sociais. Até onde ele é pressionado pelas demandas externas irá depender de sua capabilidade. Um sistema de capabilidade distributiva, por exemplo, terá uma relação de interdependência com a economia mais elevada. Da mesma forma conturbações na vida social como colapsos nos sistemas étnicos, religiosos ou econômicos podem criar demandas que sobrecarregarão o sistema político.
4. O padrão de funcionamento do próprio sistema. Alguns sistemas têm mais facilidade de se adaptar do que outros às oscilações de demandas e suportes. Um sistema com uma burocracia especializada e desenvolvida irá se acomodar mais prontamente às demandas por novos regulamentos e serviços. Um sistema preparado para uma alta capabilidade responsiva poderá ajustar-se às demandas dos grupos novos e a perda do suporte de alguns grupos antigos.
5. Como último fator, temos as respostas das elites políticas – no sentido do corpo de indivíduos que detém posições estratégicas com a capacidade de afetar substancialmente e regularmente os desenlaces políticos. As respostas podem tanto levar à acomodação passiva das novas demandas sem grandes alterações no sistema político ou levá-lo ao colapso.

A análise sistêmica do mundo da política nos permite enxergá-lo como algo dinâmico, onde os fenômenos não aguardam passivamente a análise do observador.

Trata-se, portanto, da análise progressiva de sistema e processos, não o estudo de algo estático e imóvel.

Referências bibliográficas

ALMOND, Gabriel A; POWELL Jr., Bingham – Uma Teoria de Política Comparada. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1980.
EASTON, David – U ma Tentativa de Análise Política Comparada. In: AMORIM, Maria Estela (Org.) Sociologia Política. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1970.

Fonte: botecodoweber.com