20.10.13

Os primeiros americanos

A América está povoada há dezenas de milhares de anos. Mas quem são os verdadeiros conquistadores? Ameríndios egressos da Ásia, brancos originários da Europa ou brasileiros vindos da Oceania?

Pontas de lanças produzidas pela cultura Clovis encontradas em Cedar County, no Iowa, Estados Unidos: população egressa da Sibéria há cerca de 13 mil anos 

por Frédéric Belnet

A partir da década de 1930, os cientistas se debruçaram sobre a existência dos paleoamericanos, um tema por muito tempo negligenciado em favor dos estudos consagrados às civilizações pré-colombianas. Em 1932, pontas de flechas de sílex datadas de cerca de 12.000 antes de nossa era, associadas a ossadas de mamutes, foram desenterradas perto da localidade de Clovis (Novo México). O local deu então o nome àquela que por muito tempo seria considerada a primeira cultura lítica do continente, originada, segundo os descobridores, de populações locais originais.

Utensílios idênticos foram encontrados em diversos outros sítios arqueológicos que pontilhavam a América do Norte e a América Central. Uma ideia instalou-se então no espírito da maioria dos pesquisadores da pré-história: há cerca de 13 mil anos, beneficiando-se da redução do nível dos mares e da criação de uma estreita passagem por terra através do estreito de Bering em decorrência da última glaciação, caçadores vindos da Sibéria teriam seguido suas presas ao longo da Beríngia (a faixa de terra ligando a Ásia à América).

Desse modo, eles penetraram no continente americano, que foram pouco a pouco ocupando graças a seus excelentes utensílios (da cultura chamada “de Clovis”), e desceram em direção ao sul. Essa origem siberiana foi proposta desde 1884 pelo naturalista alemão Haeckel, e esse modelo (o eixo Ásia-Beríngia-América), a despeito de alguns ajustes, permaneceu a tese dominante.

Há cerca de duas décadas, uma hipótese vizinha da precedente – mas ainda não comprovada – imaginou grupos siberianos que transpuseram o braço de mar não mais a pé, mas por navegação, progredindo em canoas ou jangadas ao longo do mar de Bering e depois pelo litoral americano, que eles colonizaram rapidamente.

Certos vestígios se integraram bastante bem nesse esquema denominado “Beríngia”. Em Upper Sun River (Alasca), os restos de uma criança, de dentição próxima daquela dos asiáticos do nordeste e dos ameríndios, e datados pelo radiocarbono em 11.500 anos, foram encontrados nas proximidades de uma habitação e de utensílios que lembravam muito o estilo siberiano.



Luzia, descoberta no Brasil, tem sinais de semelhança com populações da Oceania

Mas a existência de outros testemunhos mais antigos trouxe problemas para os pesquisadores. Em Meadowcroft (Pensilvânia), foram encontradas lâminas de pedra que teriam entre 13 mil e 16 mil anos, ou até mais. Em Cactus Hill (Virgínia), foram descobertas pontas líticas que remontariam a 18 mil anos. Melhor ainda: o sítio de Bluefish (Yukon, Canadá) teria talvez 25 mil anos. O de Monte Verde (Chile) apresentaria, sob a primeira camada arqueológica, de cerca de 12,5 mil a 15 mil anos, uma segunda camada de 35 mil anos. Finalmente, em Puebla (México), cinzas vulcânicas de pelo menos 38.000 anos antes de nossa era revelaram traços de atividades humanas que poderiam ser daquela época. São apenas alguns exemplos. Que dizer desses vestígios, a não ser que suas datações não são unanimemente aceitas? Elas são, na verdade, bastante controvertidas, e resta muito trabalho a fazer.

EUROPEUS? As interpretações de estudos genéticos ou de antropologia física (craniologia) foram também objeto de vivos debates. Elas sugeriram laços entre certos fósseis da América do Norte e as populações europeias (como o Homem de Kennewick, descoberto em 1996 no estado de Washington e com uns 9.500 mil anos), ou entre certos fósseis da América do Sul e as populações da Oceania (“Luzia”, descoberta em 1995 no Brasil e datada de 11.5 mil anos). As teorias associadas, fazendo intervir povoadores anteriores aos de Clovis, vindos da Europa (pelo Atlântico), da Austrália ou da Melanésia (atravessando o Pacífico de ilha em ilha), foram muito debatidas. Entre essas teses, destaquemos a dos caçadores solutreanos (uma cultura lítica franco-ibérica datando de 22 mil a 17 mil anos) que teriam navegado até a América – hipótese que recebeu apenas uma débil adesão da comunidade científica.

Em 2008, um estudo americano comparou o DNA de 29 populações de ameríndios atuais ao de siberianos e colocou em evidência um parentesco que diminui à medida que se distancia em direção ao sul da América, o que corrobora a hipótese de um deslocamento a partir da Beríngia.

Em 2012, esses resultados foram confirmados por um estudo internacional abrangendo 17 populações siberianas e 52 ameríndias (do Canadá à America do Sul), que, entre outros pontos, detectou três vagas migratórias, separadas no tempo: a primeira teria ocorrido pelo menos há 15 mil anos. Paralelamente, uma análise geológica revelou que o estreito de Bering estava livre de gelos e poderia ter sido atravessado desde - 17.000 a.C. Isso era compatível com a existência de uma cultura “pré-Clovis”, ilustrada pela atividade lítica do sítio de Debra L. Friedkin (Texas) e datada de - 15.500 a.C. – em especial, uma ponta de azagaia cravada nos restos de um mastodonte (estado de Washington), recentemente datada (pelo radiocarbono) em 13,8 mil anos, ou um fóssil ornado com a gravação de um mamute que, encontrado em Vero Beach (Flórida), teria 13 mil anos.

Ameríndios originários da Ásia, brancos originários da Europa: todos – pelo menos seus líderes ideológicos – querem ser hoje em dia “os primeiros”. Resta esperar que os cientistas façam falar, objetivamente, todas as peças do quebra-cabeça para estabelecer a realidade histórica, sempre mais interessante – e mais complexa – que as querelas humanas.