16.8.10

Mapa dos itinerários de Saint-Hilaire Viagem ao Rio Grande do Sul

Gervásio Rodrigo Neves
Liana Bach Martins
Márcia Piva Radtke


Auguste Prouvençal de Saint-Hilaire fez parte de um seleto grupo de cientistas e naturalistas que preferiu deixar a tranqüilidade das universidades e das salas de pesquisa para ir buscar a informação no local onde esta se encontrava. Nasceu, em Orleans, em 1779 e faleceu em Turpiniére, França, no ano de 1853. Chegou ao Rio de Janeiro em julho de 1816, como membro da Embaixada da França e percorreu cerca de 2.500 léguas1 em um vasto itinerário, compreendendo as regiões sudeste e sul do Brasil, além do território do atual estado de Goiás.

Autodidata, sua especialidade era a Botânica, mas possuía um amplo conhecimento das Ciências Naturais em geral, como a Zoologia e a Mineralogia. Durante a viagem coletou, classificou e organizou uma vasta coleção de plantas, animais e minerais, que serviram de base para importantes coleções de Museus naturais de seu país de origem, e auxiliaram, na Europa, outros pesquisadores a estudar a biodiversidade do Brasil. Saint-Hilaire deixou sua coleção para o Museu de História Natural de Paris e para a Academia de Ciências de Paris.

Saint-Hilaire viajava praticamente sozinho, com poucas pessoas contratadas pelo caminho ou cedidas pelas autoridades. Como membro de uma instituição de pesquisa européia2 e da embaixada francesa, trazia inúmeras cartas de recomendação, que lhe ajudaram em muitos aspectos, como conseguir alojamento nas cidades e vilas, facilidade para serviços de transporte – carroças, cavalos, junta de bois -e a boa vontade das autoridades militares, políticas e eclesiásticas e abrindo as portas das sociedades locais e das casas de família. Durante a viagem, a carroça servia de abrigo, de escritório e de local para preparação e armazenamento das coleções, mas sempre que possível pernoitava junto às estâncias ou às casas simples dos habitantes rurais. Em razão dessa recepção, elogiava a hospitalidade e desprendimento dos anfitriões ao não aceitarem o pagamento pela carne consumida ou pelos bois ou cavalos para a expedição. Ressentiu do clima de instabilidade decorrente dos conflitos entre portugueses, espanhóis e platinos pela posse da Banda Oriental do Uruguai. Parte do seu itinerário ao sair de Porto Alegre até Rio Grande fez em companhia do Conde de Figueira, Governador da Província, mas pareceu aliviado após um mês de convivência de poder novamente partir, sem ter que atender a compromissos sociais e políticos.

Essa viagem às Províncias do Sul
3 foi longa, iniciou-se em 1820, quando chegou à Província de São Pedro do Rio Grande cruzando o Rio Mampituba, pois desembarcara em São Francisco do Sul e seguira até Desterro – atual Florianópolis – por mar para seguir por terra, costeando o litoral em direção ao sul. Percorreu o litoral até Porto Alegre, onde chegou em junho, seguiu a Rio Grande também pelo litoral e dali prosseguiu rumo à Cisplatina até ser recebido em Montevidéu pelo Governador português, o general Lecor. Em Colônia do Sacramento frustrou-se por não haver navio que o levasse a conhecer Buenos Aires, anotando em seu diário: “Assim eu tinha estado a dez léguas de uma das cidades mais célebres da América meridional e voltava à Europa sem tê-la visto.”4 Nesta parte da viagem surpreendeu-se pela destruição causada pela guerra, seguiu costeando o Rio Uruguai, entrando novamente no Rio Grande do Sul. Visitou as Missões, desceu pelo Rio Jacuí, retornando a Porto Alegre, em junho de 1821, para dali regressar ao Rio de Janeiro de barco.

No decorrer de sua viagem, Saint-Hilaire nunca deixou de anotar em seu diário de viagem as suas peripécias, aventuras, problemas e impressões acerca dos aspectos físicos, naturais e humanos que encontrava pelo caminho, inclusive suas dúvidas e incertezas em relação às pessoas e aos acontecimentos transcorridos em torno da viagem. Segundo Zélia Fioreze
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aspectos da língua, costumes, habitação, hábitos alimentares ocupam destaque que se iguala ao lado aos acidentes geográficos. Suas observações, pautadas em fundamentos científicos, permitem-lhe emitir juízo sobre as possibilidades de aproveitamento dos solos e da natureza.
Era também um pouco antropólogo ao registrar os costumes e o modo de vida das populações das cidades, vilas e camponesas por onde passava.

Ao retornar à Europa, Saint-Hilaire trabalhou em suas coleções e organizou suas anotações de viagem. Foram inúmeras as publicações decorrentes de suas viagens, sejam em livros ou em revistas especializadas, separadas por assuntos, como Botânica ou como relatos de viagem. A primeira publicação foi feita em 1822: “Memmoires du Museum d’Histoire Naturelle”, na qual fazia um resumo de suas viagens pelo interior do Brasil, Província Cisplatina e Missões Paraguaias, com 73 páginas, foi traduzida e publicada no volume II da Biblioteca Histórica Brasileira, editada em 1940, com o título Viagem à Província de São Paulo e resumo das viagens do Brasil, Província Cisplatina e Missões do Paraguai. Com esse trabalho, Saint-Hilaire foi admitido na Academia de Ciências de Paris. Em 1823, o autor fez uma comunicação, na Sociedade de Ciências e Belas Artes de Orléans, com um resumo desse seu primeiro trabalho.

A partir destas primeiras publicações, Saint-Hilaire passou a dedicar-se a ordenar, revisar e reescrever seus escritos de viagem. Esta foi uma viagem que permeou toda uma vida, foi um autêntico viajante-naturalista, que no seu retorno ajudou a construir o conhecimento científico e etnográfico sobre regiões desconhecidas. O texto completo da Viagem ao Rio Grande do Sul só foi publicado em 1887, na França, 34 anos após a sua morte. A obra, com 653 páginas, incluía um mapa.

Sua obra sobre o Rio Grande do Sul foi traduzida e publicada em parte no
Anuário do Estado do Rio Grande do Sul para o ano de 1913,realizada por um tradutor anônimo e compreendia o período de 5 a 15 de junho de 1820, sem a continuação nos anos seguintes. A Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul publicou uma tradução parcial, feita por Adroaldo Mesquita da Costa, em capítulos entre os anos II e VI (1º trimestre de 1922 e 1º trimestre de 1926) da revista, compreendendo a primeira parte da viagem. Outra versão parcial da viagem foi publicada em 1935 pela Editora Ariel do Rio de Janeiro. A tradução foi feita por Leonam de Azeredo Penna e abrangeu as duas viagens ao Rio Grande do Sul e às Missões. Foi reeditada em 1939 pela Companhia Editora Nacional, fazendo parte da clássica Coleção Brasiliana.

Em 1974, a Editora da USP, juntamente com a Editora Itatiaia de Belo Horizonte incluiu na sua série de
Reconquista do Brasil, o texto de Saint-Hilaire publicado em 1935. Somente em 1987, o mesmo Adroaldo Mesquita da Costa fez a tradução do texto completo, incluindo a passagem de Saint-Hilaire pela Cisplatina. A publicação foi da ERUS e de Martins Livreiro Editor e fazia parte da coleção Estante Rio-grandense União de Seguros. Em 2002, o Senado Federal através de sua gráfica, reedita o texto de 1987, na coleção O Brasil visto por estrangeiros. Entretanto em nenhuma dessas edições foi reproduzido o mapa que aparece na edição francesa de 1887.


O original mapa dos itinerários de Saint-Hilaire
Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do RS

O título do mapa anexo ao volume “Saint Saint-Hilaire. Voyage à Rio Grande do Sul ( Brésil ). Orléans, H. Herluison, libraire-éditeurs. 1887” em folha de 42,6 x 36,4 cm e internamente 31,2 x 33,4 cm é impresso na escala aproximada de um por um milhão e com quatro escalas gráficas em milhas francesa (20°), marítima (20°), milhas a 60° e portuguesa e espanhola a 17 ½ graus.

A referência a latitude é a de Paris definido como base da cartografia francesa de 1634 a 1884. A definição resultou da decisão de Luiz XIII e do cardeal Richieleu. O meridiano de Paris está a 20° a oeste da ilha do Ferro.
O mapa básico é datado de 1822.

Nele estão registrados os itinerários, em linhas retas orientadas, das cinco viagens de Saint-Hilaire das quais a 4ª foi ao Rio Grande do Sul e à Província Cisplatina.

Este mapa se constitui num valioso documento à leitura e interpretação das observações de Saint-Hilaire. Curiosamente este precioso documento não foi incluído em nenhuma das traduções e, nem mesmo foi citado, nesses cento e vinte anos, a contar da publicação em 1884.


1 Légua terrestre é a medida de comprimento que vale 5 555,55 metros.

2 Antes de sua viagem ao Brasil, Saint-Hilaire já era colaborador do Museu de História Natural de Paris.

3 Nesta viagem Saint-Hilaire percorreu Santa Catarina, Rio Grande do Sul e o Uruguai.

4 SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado federal, 2002, p.220.

5 FIORESE, Zélia Guareschi. O Rio Grande do Sul no olhar de viajantes: a contribuição de Saint-Hilaire para a leitura do território. Disponível em: www.semina.clio.pro.br. Acesso em 30 de outubro de 2006

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FIORESE, Zélia Guareschi. O Rio Grande do Sul no olhar de viajantes: a contribuição de Saint-Hilaire para a leitura do território. Disponível em:www.semina.clio.pro.br. Acesso em 30 de outubro de 2006.

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Fonte: www.ihgrgs.org.br