15.12.10

A República dos meus sonhos

Alguns setores apostaram em suas utopias, outros, mais pragmáticos, agiram movidos por interesses bem objetivos, apenas emoldurados por um discurso
por Isabel Lustosa
MUSEU DE ARTE DA BAHIA, SALVADOR
Uma das representações simbólicas da República no fim do século XIX, para celebrar o novo regimeA República, óleo sobre tela, Manoel Lopes Rodrigues, 1896
Em artigo publicado na imprensa, Mendes Fradique, um humorista muito popular nos anos 20, brincava com a tradição pessimista brasileira de considerar que o país estava sempre à beira do abismo. Segundo ele, esse diagnóstico levou a várias tentativas de mudança, das quais as mais profundas se relacionaram com a troca de regime: de colônia para monarquia independente e de monarquia para República. No entanto, a República, que durante o Império foi tida como a solução para os problemas do país, depois de proclamada provocou a frase de um dos seus mais antigos defensores, Saldanha Marinho: “Essa não é a República dos meus sonhos”.

De fato, por trás da mudança pela qual se empenharam os mais idealistas, agitavam-se os mesmos velhos interesses do grande capital fundiário e exportador de café. Era a economia que ditava a mudança. E os ideais de civis e militares foram o combustível para que o movimento deslanchasse em 15 de novembro de 1889.

Outro ideal quase sempre associado ao sonho republicano, a federação, também se realizou com a proclamação da República. No entanto, um de seus maiores defensores, Rui Barbosa, poderia imitar Saldanha Marinho, dizendo: “Este não é federalismo dos meus sonhos”. Pois o sistema que, rompendo a tradição centralista da monarquia, deveria ser fator de progresso para as províncias, propiciou o abandono das regiões pobres do país ao poder discrionário de coronéis.

Republicanos civis do Rio, com sua retórica francesa e sem projeto nacional, e militares positivistas, que sonhavam com uma ditadura militar sob a lema “ordem e progresso”, não se deram conta de uma coisa: quem de fato mandaria no Brasil seriam as mesmas forças sempre, que só tinham rompido com o poder monárquico depois da abolição da escravatura.

Assim, enquanto sonhadores apostavam em suas utopias, setores mais pragmáticos agiam movidos por interesses bem objetivos, apenas emoldurados por um discurso idealista. Os segundos se valeram dos primeiros para fazer a revolução que foi a República. Em seguida, tomaram para si o poder e nele se conservaram até que sua classe, dividida e enfraquecida pela perda do vigor econômico, fosse apeada pela Revolução de 1930. Mais adiante, forças reunindo militares e civis idealistas se aliaram aos interesses econômicos emergentes para alterar
de novo a ordem vigente.

Em 1993 foi realizado um plebicisto para saber se o povo brasileiro queria voltar a ser monarquia ou continuar a ser presidencialista e republicano. Votei pela manutenção do presidencialismo. Tal como Mendes Fradique, acredito que há coisas mais decisivas para o destino de uma nação do que o regime político adotado. A meu ver, o essencial é que sejamos uma democracia em que, de fato, todos sejam iguais perante a lei.

Essencial é que, em lugar de assistirmos bestializados ao espetáculo de uma elite que controla os instrumentos de mudanças segundo seus interesses, sejamos uma nação da qual a maior parte dos membros participa de forma consciente das decisões sobre o seu destino.
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