29.1.13

James Bond: baseado em fatos reais


O agente secreto foi inspirado em pessoas que cruzaram o caminho do escritor Ian Fleming, um ex-funcionário de serviços de espionagem



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Daniel Craig tornou 007 mais físico e menos sarcástico do que o original, mas sem perder a elegância


por Victor Battaggion

Os primeiros acordes da trilha sonora são indefectíveis. Trajando smoking impecável, o agente secreto a serviço de Sua Majestade é fatal para os inimigos que enfrenta e irresistível para as mulheres que seduz. Inteligente, sarcástico, exímio atirador, excelente no boxe, no judô e no esqui, o espião britânico lida com os criminosos mais terríveis e, entre uma missão espinhosa e outra, esbanja dinheiro em cassinos, pilota carros de luxo (como o lendário Aston Martin DB5) e se deita com mulheres belíssimas. Em suma, 007 é um fenômeno. Não é de estranhar que Daniel Craig, sexto ator a interpretar o herói no cinema, tenha saltado de para-quedas com a rainha da Inglaterra durante a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012.

James Bond é um agente secreto nascido da fértil imaginação de Ian Fleming (1908-1964). Ou quase isso. Em 15 de janeiro de 1952, o jornalista britânico de 43 anos, que havia sido comandante do serviço de inteligência da marinha britânica durante a Segunda Guerra Mundial, estava de férias em sua casa em Rock Edge, na Jamaica, chamada Goldeneye (seu nome de guerra usado durante uma operação para proteger o acesso a Gibraltar, possessão inglesa no sul da Espanha). Certo dia ele acordou determinado a se tornar um verdadeiro escritor. O sol já estava alto e ele apreciava a vista do mar azul-turquesa do Caribe. Depois do almoço, Fleming sentou-se à escrivaninha. Enquanto fumava um cigarro, colocou uma folha na máquina de escrever e começou a pensar no passado.

Em 1921, ele ingressou no prestigiado Eton College, nos arredores de Londres. Mas um incidente envolvendo uma garota fez com que sua mãe o mandasse para a academia militar de Sandhurst, em 1926. Era pouco para ele. Em 1927, foi para a escola Tennerhof, em Kitzbühel, nos Alpes austríacos, dirigida pela romancista Phyllis Forbes Dennis e pelo marido Ernan, um ex-diplomata espião. Cursos de esqui, montanhismo e curso de alemão. E muita paquera.

Em 1928, Fleming se matriculou no curso de jornalismo da Universidade de Munique e, no ano seguinte, foi para a Universidade de Genebra. Seus primeiros trabalhos foram como freelancer para a agência de notícias Reuters, em 1931. Trocou o jornalismo por um emprego mais bem remunerado no banco comercial Cull & Co. e depois se tornou corretor da bolsa. Em 1939, obteve uma licença especial para participar, como correspondente do jornal Times, de uma missão comercial britânica em Moscou. Fleming repassava suas informações também para um departamento do Ministério do Exterior. Foram seus primeiros passos na espionagem.

Quatro meses antes do começo da Segunda Guerra, em maio de 1939, Fleming foi convidado a um almoço pelo almirante John Henry Godfrey, diretor do serviço de inteligência da marinha britânica, que perguntou se ele gostaria de se tornar seu assistente. A proposta foi imediatamente aceita. A posição envolvia, entre outras coisas, elaborar planos para combater as forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Para um indivíduo que sempre foi fascinado pelo mundo da espionagem, aquilo era uma bênção. E ele executou a tarefa com rapidez e eficiência. Tenente e, em seguida, capitão de fragata, Fleming assumiu a liderança de uma unidade em 1942 com a missão de se infiltrar nos territórios tomados pelos alemães a fim de recolher documentos e material militar.




(C) AHMET BARAN/AP PHOTO/GLOW IMAGES

Ian Fleming brinca no trilho de trem em visita ao set do filme Moscou contra 007, em Istambul, em 1963




Inspirado em tudo que havia acontecido em sua vida, Fleming começa a bater nas teclas da máquina de escrever e surgem as primeiras linhas do romance: “Às três horas da manhã, o ambiente de um cassino é praticamente irrespirável. O suor e a fumaça se misturam para resultar num cheiro quase nauseabundo. É nessa hora que o jogo alto começa a corroer a alma dos jogadores, com um misto de avareza, de medo e de tensão nervosa. E é nessa hora que esta sensação se torna insuportável, os sentidos do jogador acordam e se revoltam.”

Para batizar seu herói, o autor procurou um nome simples, mas viril. Seus olhos percorreram a sala em busca de inspiração e pararam no livro A fieldguide to birds of the West Indies, um manual escrito por um ornitólogo chamado... James Bond! Perfeito.

Mas de onde veio o número 007? Uma das maiores vitórias do serviço secreto britânico durante a Primeira Guerra foi decifrar o código do telegrama enviado por Arthur Zimmermann, ministro alemão das Relações Exteriores, ao seu embaixador no México, em 1917. Interceptada, a mensagem foi decifrada graças ao código 0075 – e essa descoberta acelerou a entrada dos EUA no conflito.

Por muito tempo, todo o material classificado sob o número “00” foi considerado de extrema importância. Fleming retomou os primeiros dígitos, deixando de lado o 5. Uma coincidência divertida: o matemático, astrólogo e espião britânico do século XVI, John Dee, assinava 007 nas cartas que escrevia à soberana. O prefixo 00, representando os dois olhos, era seguido de um sete alongado. O grafismo significava a mensagem “Somente para os seus olhos”.

Em 18 março de 1952, Fleming escreveu as últimas palavras do romance. Ele roda o cilindro da máquina, tira a página datilografada, e a coloca sobre a pilha de folhas que, publicadas em 1953, receberiam o título de Cassino Royale. Nascia James Bond. É claro que Fleming deu parte de si mesmo para o personagem. O espião tem suas manias, hábitos e preferências. Uma delas é o cigarro. James Bond admite fumar diariamente em torno de 60, embora em certos romances ele tente diminuir o consumo. Sua marca favorita: Morland Specials. Outra “coincidência”: assim como Fleming, o agente secreto é capitão de fragata.

Mas Bond seria apenas uma cópia de seu criador? Não. Ele é o homem que Fleming sonhou ser. Uma projeção idealizada. Embora membro eminente da serviço de inteligência da marinha britânica, o escritor raramente agiu no setor. Seu superior direto, o almirante John Henry Godfrey, o considerava um elemento muito importante, que poderia ser de grande valor para o inimigo caso fosse capturado. Por isso Fleming ficava apenas dentro de um escritório em Londres, atrás da papelada, criando planos para deter o adversário, enquanto os espiões de uma outra unidade operavam em território inimigo. Ele não tinha escolha. A emoção dos combates? Nenhuma. Para criar seu espião, Fleming se inspirou no funciona-mento dos serviços especiais e tomou como modelo os agentes que encontrara ao longo do tempo. Alguns deles afirmaram ser o verdadeiro 007. Pura bobagem. James Bond é a síntese de todos eles.




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Sean Connery é a mais clássica interpretação do agente secreto a serviço de Sua Majestade



Em primeiro lugar, Fleming se inspirou no irmão mais velho, Peter. Jornalista aventureiro e escritor, ele integrou o serviço de inteligência militar durante a Segunda Guerra. Participou de operações perigosas na Noruega e na Grécia. Outra fonte de inspiração foi o espião esquiador Conrad O’Brienffrench (1893-1986). O autor o encontrou durante sua estadia em Kitzbühel, na Áustria. O agente duplo sérvio Dusan “Dusko” Popov (1912-1981) está também na lista de Flaming. Trabalhando tanto para a Abwehr (serviço secreto alemão), com o codinome de “Ivan”, quanto para o MI5 (serviço de inteligência britânico), sob o nome de “Tricyclo”, Popov participou da maior operação secreta contra o Terceiro Reich. A aparência descontraída, as conquistas (como a atriz francesa Simone Simon), e os blefes impressionantes do sérvio influenciaram Fleming.

Patrick Dalzel-Job (1913-2003), um oficial da marinha britânica, é, sem dúvida, o arquétipo do 007. Bom esquiador, atirador de elite, o herói de guerra demonstrava, além disso, um profundo desprezo pela burocracia. Um de seus principais feitos foi desobedecer aos superiores, em maio de 1940, para evacuar a cidade de Narvik, Noruega, ameaçada pelos bombardeios alemães. Ele escapou da corte marcial graças ao rei Haakon VII da Noruega, que interveio a seu favor. Fleming o encontrou em 1944 e ficou tão impressionado com seu carisma e suas habilidades que decidiu nomeá-lo tenente-comandante de uma unidade de elite.

Desde a publicação do primeiro romance de James Bond, a maioria dos colegas de Patrick Dalzel-Job notou as semelhanças entre ele e 007. Ele preferiu a discrição e destacou que era “homem de uma só mulher” e que “não bebia álcool”. Olhando por esse lado, ele de fato não era o retrato fiel de Bond. Outras personalidades possuíam tais qualidades – ou defeitos –, como o espião Wilfred “Biffy” Dunderdale (1899-1990), o oficial da marinha Merlin Minshall (1906-1987) e o militar escocês Fitzroy Maclean (1911-1996).

Fleming se inspirou em suas experiências e em pessoas que conheceu para forjar seu herói. E repetiu a fórmula com os coadjuvantes. “M”, chefe de James Bond, é a projeção do almirante John Godfrey, chefe de Fleming durante a guerra. “Q”, o inventor, seria o espelho de Charles Fraser-Smith (1904-1992), um agente encarregado de fornecer armas especiais, como cigarreiras com câmeras fotográficas escondidas, cachimbos-revólveres, canetas com gás lacrimogêneo, lápis-bússola... Todos verdadeiros instrumentos de trabalho, e não engenhocas dos romances. Os inimigos de Bond também foram baseados, embora de forma mais distante, em indivíduos reais. Goldfinger seria uma pequena vingança pessoal contra o arquiteto modernista Erno Goldfinger (1902-1987), tudo porque Fleming odiava suas obras.

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