23.5.13

Açorianos em terras brasileiras



Identidade
Açorianos em terras brasileiras
Seja por vocação ou necessidade, a emigração sempre foi uma sina na vida dos ilhéus açorianos.

Arquipélago oficialmente descoberto pelos portugueses, por volta de 1440, os Açores tiveram suas nove ilhas desabitadas paulatinamente ocupadas por portugueses do continente, madeirenses, flamengos (Brum, Bulcão, Silveiras, Dutra, Terra, Gularte ou Goulart, Rosa, Grotas) espanhóis (Bom-Dias, Arriagas,) alguns franceses (Berquós, Bettencourt, Labat), ingleses (Currys, Streets, Whytons), judeus (Bemsaúde) e africanos (escravos), emigrados de outras partes do antigo Império Português, ou de terras que com Ele tinham relações políticas de comercio, ou parentesco.

O ar salutar, o solo fértil, vulcânico, porém sujeito aos caprichos da natureza, e a paz reinante, longe dos movimentos geopolíticos que abalavam o mundo, proporcionavam ao longo do tempo um crescimento populacional gradativo que em momentos de crise frumentária e sísmica sofria com a falta de alimentos.

Essas situações periódicas associadas à má política dos donatários, onde as melhores parcelas de terra eram doadas aos parentes e amigos, restando aos colonos, que com eles aportavam às ilhas, os piores nacos de terra, levavam a dificuldades de subsistência e a um desequilíbrio social deplorável, principalmente nas ilhas mais populosas. A emigração foi a solução encontrada e adotada todos esses anos de existência ilhoa.

Para os governantes portugueses as ilhas açorianas foram uma fonte de recursos humanos que supriram as necessidades da pátria. Ocuparam espaços, desbravaram e patrulharam caminhos, defenderam fronteiras, fundaram e povoaram vilas, lutaram em frentes de guerra, foram mão de obra barata, silo de grãos nas boas épocas de colheita.

Pelas histórias contadas de riqueza e beleza, pela facilidade da língua, pelos amigos e parentes que lhes antecederam, os locais de eleição para imigração foram, nos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX, as terras brasileiras, embora o Alentejo, em grande escala, e América do Norte, em menor proporção, também tivessem sido a opção de muitos açorianos.

Nos últimos dois séculos os Estados Unidos da América e Canadá tornaram-se, pela prosperidade e oportunidades que ofereciam, os países de primeira escolha para a imigração dos ilhéus. No Havaí e em outros países menos procurados (Venezuela, Uruguai e Argentina) a passagem açoriana ficou marcada nas comunidades que fundou e nos descendentes que guardaram as suas raízes.

No Brasil chegaram com os portugueses do Continente e da Madeira como desbravadores e colonizadores para cultivar a terra, rastrear e explorar riquezas, abrir e patrulhar picadas, resguardar espaços, fundar vilas que se tornariam as futuras cidades brasileiras. Com os índios locais e negros trazidos das possessões africanas, miscigenaram-se. Na insana lida da conquista, os mais simples esqueceram raízes, porém, perseveraram na fé e nas crenças, mantiveram hábitos e costumes, legaram sua língua e cultura aos seus descendentes, participaram efetivamente na formação do povo brasileiro.

A emigração oficial sempre se dava com o apoio financeiro e material dos governos e contratantes de mão de obra que aguardavam no desembarque. Mas como tudo tem um preço, eles haveriam de trabalhar por muito tempo para pagar o investimento dos patrões, antes de conseguir a independência ou... a morte. Paralelamente à emigração regulamentada, havia também a clandestina, bastante numerosa, facilitada pela dificuldade de controle das autoridades em policiar o entorno marítimo das ilhas, pelo isolamento do arquipélago, pela escuridão oportuna da noite, e pela ajuda de comandantes de navios que faziam vista grossa no intuito de auferir lucros mais adiante. Era a saída mais aventureira, onde à chegada não haveria nenhuma ajuda, só riscos e canseiras.

Nos primeiros tempos vinham poucos, esparsamente. Depois em levas mais ou menos importantes para experimentos colonizadores determinados, como em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Amapá, e finalmente em pequenos grupos familiares ou mesmo isolados para encontrar parentes ou amigos já assentados ou estabelecidos.

Saídos das ilhas em barcos contratados, chegavam ao país pelos portos coloniais (Recife, Salvador, Rio de Janeiro). Em terra, migravam em diáspora, pulverizados, para os locais que lhes chamavam ou para onde eram encaminhados pelo governo. Norte (Amapá, Maranhão e Pará), nordeste (Pernambuco e Bahia), Espírito Santo, Rio, Regiões auríferas, interior paulista e mineiro, sul do Goiás, minas de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina...

Iam para onde a sorte lhes acenava. Esperava-os a aventura da incerteza e aqueles compatriotas que lhes antecederam e que poderiam lhes dar apoio na difícil empresa de sobreviver numa terra estranha.

Oficialmente, a primeira entrada de um grupo de açorianos em solo brasileiro se deu em 1619. Foram 300 casais que vinham para se estabelecer no Maranhão após a expulsão dos franceses. Mais tarde em 1675 saíam 50 casais do Faial, vitimas do vulcão de 1672 (Praia do Norte), e que foram mantidas pela bondade do governador da ilha, Jorge Gularte Pimentel, até 1675, quando partiram para o Brasil. Chegaram ao Grão-Pará em 1676 para servir como colonos e mão de obra nas plantações daquele espaço amazônico.

Em 1679, na Graciosa, e em 1719, no Pico, novas erupções vulcânicas obrigaram os ilhéus sinistrados a emigrar para a América Portuguesa, desta vez para a Colônia de Sacramento. Embora não haja a certeza da chegada desses ilhéus, o certo é que há conhecida descendência açoriana em terras uruguaias. Em 1740, um destacamento militar formado com homens das ilhas açorianas se instalou no Amapá e fundou Macapá, sua capital. Em 1770 a fundação do Município de Mazagão se deu na origem de Mazagão Velho, quando a Coroa portuguesa mandou para lá 163 famílias de colonos portugueses cristãos, oriundos do Castelo de Mazagran, (El Djadidá) Marrocos, que se conflitaram com os mouros islamitas.

Em 1723, no sudeste, são conhecidos alguns açorianos que marcaram a região (Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, e interior de Minas), através da sua descendência. Eram ilhéus migrantes de outras partes do território brasileiro que chegavam em busca de terras e riqueza.

O enorme afluxo de gente que a descoberta do ouro e as disputas para a exploração do metal (Guerra dos Emboabas – luta entre os paulistas, descobridores das minas, e os portugueses e brasileiros vindos de todos os lados) proporcionou, tornou o comercio de carne e alimentos uma ocupação muito rentável. Mesmo com o declínio da produção aurífera e diamantífera, com a situação mais apaziguada, os migrantes passaram a procurar terras para o cultivo e criação de gado, era uma nova e atrativa possibilidade para conseguir uma vida mais digna e estável.

O sertão estava à espera de quem tivesse força e coragem para conquistá-lo. O governo através de seus representantes políticos e militares apoiava-os, montando troços militares pelos caminhos, distribuindo terras (sesmarias) a quem se dispusesse a ocupá-las. Assim é que os migrantes brasileiros e portugueses foram empurrando os negros dos quilombos e os índios cada vez mais para o interior, destruindo-os ou assimilando-os, tomando-lhes o espaço.

Segundo o genealogista e historiador, José Guimarães, em São João Del Rei, por volta de 1723, é conhecida a presença das três ilhoas faialenses (Antonia da Graça, Julia Maria da Caridade e Helena Maria de Jesus) que vinham para se encontrar com Diogo Garcia, seu conterrâneo aparentado e futuro marido de Julia Maria. Dos casamentos dessas açorianas, com patrícios, se originaram os troncos de várias e importantes famílias mineiras.

Fato semelhante ocorreu no século XIX, no atual Espírito Santo, quando entre 1813 e 1814 chegaram quatro levas de açorianos (200 indivíduos) para fundar a colônia de Santo Agostinho (hoje Viana). Conta a história que, quando o governador, Francisco Alberto Rubim da Fonseca e Sá Pereira (1795-1890) recebia um grupo de ilhéus (da Horta-Faial), viu um dos guardas do palácio do governo, Antonio de Freitas Lira, encantado com a beleza de uma das seis irmãs faialenes (Luiza Aurélia da Conceição), tocar os cabelos da jovem, irritado, como desagravo, declarou no ato o noivado deles. Verdade ou não, o fato é que três meses depois casaram. Em breve, todas elas se transformariam em matriarcas de destacadas famílias capixabas .

Entre os primeiros povoadores de arraiais e vilas de Minas, Mato Grosso do Sul e sul goiano, não é difícil encontrar a presença açoriana. Pamplonas em Formiga, Botelhos em Araxá , Borges, Vilelas, no Prata. Junqueiras, Rodrigues da Cunha, Terras, Goulart, em Uberaba...

Mas sem dúvida alguma a maior e mais marcante leva ilhoa ocorreu no sul do país. Pode-se dizer que grande parte dos portugueses que para lá foram são das ilhas, o que se pode verificar nos arquivos legais e histórias familiares dos seus descendentes.

Foi um processo estimulado pela Coroa (D. João V) que por razões políticas e estratégicas visava à solução de dois problemas. Aliviar o arquipélago de gente, e ocupar e defender o sul brasileiro das investidas estrangeiras. Só para Santa Catarina, entre 1748 a 1752 foram, principalmente, das ilhas centrais do arquipélago dos Açores (Terceira, Faial, Pico, São Jorge, Graciosa) cerca de 6000 pessoas. Para a época, quando o sul era pouco povoado, pode-se dizer que foi quase a translação de uma população.

Santa Catarina e Rio Grande do Sul são os estados brasileiros onde mais se encontram sinais desses emigrantes, seja na genética, na arquitetura, na religiosidade ou na cultura popular. Os manezinhos, descendentes dos antigos povoadores açorianos, ainda conservam alguns dos seus hábitos e costumes. Não é sem motivo que chamam a ilha de Santa Catarina (onde está a Capital Florianópolis) a décima ilha açoriana.

A cada situação de fome ou desequilíbrio social, a emigração era a solução. Em 1771 e 1774 saíram da Terceira, Faial, Pico, São Jorge, Flores e Corvo 301 pessoas. Destino Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Pernambuco.

Em 1779 e 1785 outras levas (900 casais), principalmente de São Miguel, e em menor escala do Faial, dirigiram-se para o Alentejo, desta vez com patrocínio particular (Intendente Pina Manique), porém com o assentimento da Coroa. Deixaram o arquipélago desfalcado de braços para as lavouras. Em 1800, 1807 e 1813 dá-se noticia de mais casais açorianos na Bahia. Facilitava a transferência da Coroa Portuguesa para o Brasil.

Mas foi após a Revolução Liberal Portuguesa, em 1820, que a emigração deixou de ser limitada pelo governo. A crescente procura de gente para a lavoura de café, e de jovens açorianas para serviços domésticos (eram solicitadas com preferências; morenas de olhos negros, claras de olhos azuis...) pelos fazendeiros, estimulava a levas cada vez maiores de açorianos. Ao chegar, sem condições vantajosas de negociação, muitas dessas pessoas tornaram-se verdadeiras escravas brancas. As jovens rejeitadas, sem ter como se sustentar, terminavam desgraçadamente na prostituição. Inúmeras viviam em prostíbulos, morriam à míngua.

A mobilização militar também trouxe para o Brasil gente açoriana, principalmente a partir do século XVII, sob a dominação filipina. A Holanda era a maior inimiga. Em 1766 seguiram de S. Miguel para o Rio de Janeiro 400 recrutas e em 1774 a Coroa requisitava mais 600. Em 1776, foram 890. Esvaziavam as ruas de São Miguel e das outras ilhas de vadios, as cadeias de prisioneiros, de gente à toa. Ao termino do tempo de serviço os soldados podiam optar por voltar ou ficar como paisanos no Brasil, com reforma. Os recrutamentos continuaram até que o decréscimo populacional quase paralisou as ilhas, em especial São Miguel, que viu em 20 anos diminuir a população em mais de 10 mil pessoas.

Fugindo do serviço militar, da miséria ou por índole aventureira, a emigração açoriana foi uma epopeia que deixou rastro por onde passou. Mesmo na atualidade, em que a emigração/imigração é um fato corriqueiro num mundo globalizado, como emigrante açoriana que sou, deixo, no país que adotei para viver, geração luso-brasileira que há de continuar no sangue e no viver as marcas que trago do meu povo.

Referências bibliográficas

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ROSÁRIO, Francisco Garcia do, Memória genealógica das famílias faialenses, Instituto Açoriano de Cultura, 2005

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BORGES, Benedito Antônio Miranda Tiradentes, Povoadores do Sertão do Rio da Prata, Uberaba, Editora Vitória Ltda, 1996

(Foto: Rugendas, Brasil, século XIX; texto publicado no blogue A Bem da Nação)
MARIA EDUARDA FAGUNDES NUNES
Fonte:http://www.mundoacoriano.com/index.php?mode=noticias&action=show&id=332