Nicholas J. Saunders
Imagine um mundo cheio de espelhos no qual tudo parece estranhamente familiar e ainda sutil e inexplicavelmente diferente. Por um instante tudo parece permanente e real, e então se estilhaça em milhares de imagens fragmentadas, alternando entre dentro e fora de foco. As pessoas materializam-se e parecem familiares ainda que desconhecidas. Elas fazem parte desse lugar, e ainda assim movem-se e falam de maneira diferente, deslizando entre os reflexos brilhantes dessa realidade - uma realidade que por toda a sua diversidade mudara a forma da historia mundial.
Essa experiência do alem-mundo se passou em 1492 nas ilhas do Caribe - uma experiência compartilhada pelos ameríndios e europeus. Quando Cristóvão Colombo ficou face a face com um ameríndio em uma pequena ilha do Caribe, foi como um encontro com uma espécie alienígena em nosso próprio tempo. Era uma terra desconhecida, descoberta no meio do oceano e habitada por seres humanos que pareciam experimentar as coisas de modo diferente - viver, amar, adorar e morrer de acordo com outro senso de mundo. Era uma terra e um povo que simultaneamente confirmavam e subvertiam a visão europeia medieval de como o mundo deveria ser. Esse foi um encontro no qual não somente diferenças enormes de linguagem e tecnologia chocaram-se, mas também uma civilização cujas ideias sobre doenças, filosofia natural, moralidade, espiritualidade e a experiência humana do mundo natural evoluíram por meio de "outra" trajetória.
Os ameríndios e europeus estavam mutuamente cansados e desorientados por seus primeiros encontros um com o outro - como poderia ter sido diferente? Duas visões de mundo que entraram em contato e nem ao menos um mundo compartilhado entre elas. E ainda assim era só o começo.
Dentro de trinta anos o reino asteca do Mexico seria conquistado, e pouco mais de uma década mais tarde o império inca da America do Sul teria o mesmo destino. Tradições culturais que foram moldadas por milhares de anos de isolamento do restante do mundo teriam fim em pouco mais de uma geração.
Ainda assim, enquanto civilizações brilhantes desmoronavam e os europeus lutavam pelos espólios, as crenças religiosas provaram ser mais flexíveis e maleáveis. Militar, económica e politicamente os europeus arrebataram a America de seu povo, mesmo assim, porem, na vida cotidiana parece que parte do espirito ameríndio colonizou a fe de seus conquistadores a sua maneira. Hoje, as tradições nativas perduram do Mexico ao Chile e a Argentina. Os costumes antigos, as vezes misturados com o recente e novo, continuam a dar significado aos povos e lugares indígenas, aos vivos e aos mortos.
Primeiros encontros
Em 3 de agosto de 1492, Cristóvão Colombo içou velas de Palos na costa atlântica da Espanha com três navios, Santa Maria, Nina e Pinta. Ele navegou para o oeste, esperando encontrar um atalho para a rota do Oriente das Especiarias, e por tal razão trouxe um lingüista judeu que falava tanto caldeu como árabe e hebraico. Havia alguns, no entanto, que acreditavam que ele desapareceria nas bordas do mundo e nunca mais se ouviria falar dele. Após uma breve estada nas ilhas Canárias, a pequena esquadra içou velas novamente em 6 de setembro, apressando-se antes dos ventos nordeste que vinham da Africa.
A terra foi avistada as 2 horas da manha de sexta-feira, 10 de outubro, e quando o sol nasceu, Colombo desembarcou para tomar posse de uma pequena ilha para o rei Fernando e a rainha Isabela da Espanha. Ele a batizou de San Salvador, embora mais tarde ficasse sabendo que seu nome nativo era Guanahanf. Colombo reparou nos ornamentos de ouro brilhante que os nativos usavam em seus narizes e, embora nem os espanhóis nem os nativos falassem a língua um do outro, empenhou-se em descobrir a fonte do precioso metal. Então deu um passo que estabeleceu um procedimento duradouro para tais encontros oferecendo contas de vidro em troca de comida, agua, informações e bens locais. Tais foram os primeiros estratagemas em uma das mais significativas correntes de eventos da História.
Colombo reparou na natureza tímida dos nativos e concluiu que seria fácil escraviza-los e converte-los ao Cristianismo. Para mostrar seus objetivos, ele sequestrou sete ameríndios para levar a Espanha. Ao deixar San Salvador, os três navios espanhóis cruzaram as Bahamas, ouvindo mais rumores de uma ilha rica em ouro chamada Cipangu. Em 28 de outubro, Colombo acreditou ter finalmente encontrado Catai (China), embora ele estivesse na verdade na costa de Cuba. Expedições em terra não se mostraram recompensadoras, e por volta de 5 de dezembro ao largo da ilha conhecida por seus habitantes tainos como Bohfo, e a qual ele denominou La Espanola (Hispaniola- atual Haiti e República Dominicana).
O desastre deu-se quando ele velejava pela costa norte de Hispaniola. A nau Santa Maria encalhou e apenas a ajuda oportuna do chefe local dos tainos, Guacanagarf, permitiu que os espanhóis resgatassem seus bens de valor da nau capitania naufragada. Em encontros entre os dois líderes, Colombo repetiu o ato de trocar bens europeus de pouco valor por jóias de ouro ameríndias. Conversas como aquelas logo levariam até a fonte do precioso metal e Colombo estava empenhado em aprender onde era a terra rica em ouro conhecida como Cibao no centro da ilha.
Colombo fez do oportunismo uma virtude necessária. Seus dois navios remanescentes não poderiam transportar todos os seus homens de volta a Espanha, então ele decidiu construir La Navidad, o primeiro povoado europeu nas Américas. Os 38 homens que ele deixou para trás estavam encarregados de encontrar e coletar ouro prontamente para seu retorno. Em 16 de janeiro de 1493, Nina e Pinta içaram velas para a Espanha com notícias importantes da descoberta de Colombo.
A descoberta acidental das Américas por Colombo estava cheia de ironia; não menos titânica era a colisão entre duas visões de mundo mutuamente incompreensíveis. No próprio Caribe houve uma confusão imediata das paisagens reais imaginadas, ilustradas pela fe de Colombo de que ele havia encontrado as Índias Orientais e consequentemente chamou o povo nativo da terra encontrada de índios - termo ainda utilizado mais de quinhentos anos depois.
Junto com bugigangas, Colombo levou bagagem intelectual da Europa medieval tardia, muito dela derivada da antiguidade clássica, que achava que lugares estrangeiros e estranhos eram habitados por criaturas igualmente exóticas como amazonas e canibais. Estes representavam povos opostos das regras sociais e morais européias. Sociedades amazonas eram controladas por mulheres, e canibais eram povos cujo habito de comer carne humana representava a antítese do comportamento cristão civilizado. Os ameríndios andavam nus e, pior ainda, não tinham vergonha nenhuma desse fato, em oposição a injunção bíblica.
Colombo e seus seguidores ouviam rumores de monstros - pessoas sem cabeça, apenas com um olho, ou que passavam suas vidas carregando arvores para la e para ca. A idéia de uma alquimia medieval também influenciava os europeus, bem como a crença de que o ouro era produzido em climas quentes. No começo, as ilhas do Caribe, as Américas Central e do Sul junto com seus habitantes eram vistos como "outra" paisagem mítica idealizada no pensamento europeu, e cujas descobertas de Colombo foram forçadas como em uma camisa-de-forga.
Além desses preconceitos e interpretações erróneas, havia problemas de tradução e interpretação. Colombo rapidamente classificou os trinos como pacíficos e os caraibas como guerreiros. No geral, a geografia cultural das ilhas do Caribe foi delineada pelos europeus como dócil, cooperativa, mas índios e selvagens de mentalidade simples, guerreiros, subumanos e canibais.
A rica e variada complexidade fascinante dos ameríndios Caraíbas foi desse modo reduzida quase imediatamente a estereótipos bizarros - uma visão típica do estrangeiro que ainda e ensinada na maioria das escolas regionais.
Na realidade, durante a primeira viagem de Colombo, ele tropeçou não em um mundo de selvageria, mas em um universo sofisticado onde a mitologia tinha a força da Historia, e humanos, animais, plantas e ate o clima eram inextricável e eternamente ligados a poderosas forças espirituais de ancestrais e deuses.
Quando os tainas de Hispaniola e Porto Rico encontraram os espanhóis pela primeira vez, eles vislumbraram um aliado poderoso contra seus inimigos Caraíbas, acusando-os de comer os seus homens e roubar suas mulheres. Tais acusações parecem ter sido confirmadas pelas experiências de Colombo em Dominica e Guadalupe onde resgatou mulheres tainas capturadas e encontrou ossos humanos pendurados em casas Caraíbas. Os espanhois não entenderam que esses eram costumes tradicionais ameríndios de respeito aos mortos e humilhação aos inimigos vencidos, costumes esses que incluíam a exibição de ossos humanos e a degustação de pequenos pedaços de carne humana, e eles também bebiam cerveja de mandioca misturada com ossos humanos em po.
Essa "prova" de comportamento bestial condisse claramente com o desejo de Colombo e de seus sucessores de justificar os ataques contínuos aos Caraíbas e a sua escravização. Caraíbas e canibais logo se tornaram sinônimos, o termo canibalismo substituindo a antiga palavra grega antropofagia, que era o termo universal para o crime máximo de comer carne humana. Outra ironia e que essa região em pouco tempo seria conhecida como Caribe.
Tais eram alguns dos temas complexos que rodearam os primeiros encontros de Colombo com os povos nativos do Caribe e ajudaram a moldar a ideia das Américas no imaginário europeu. Mas, e as pessoas? Quem eram? De onde vieram? E quando?
Fonte: http://www.historia.templodeapolo.net/textos_ver.asp?Cod_textos=235&value=Amer%C3%ADndios%20e%20europeus,%20as%20primeiras%20impress%C3%B5es&civ=Espanha#topo
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