29.12.10

Jean-Jacques Rousseau

Ele era um ego ambulante e talvez o primeiro homem a referir-se a si mesmo na terceira pessoa. Apesar de não ser um dos mais brilhantes filósofos, foi um dos mais populares. Em sua filosofia, os sentimentos e a irracionalidade muitas vezes se sobrepuseram à argumentação intelectual. Na verdade, ele insistiu na busca de uma autoconsciência que procurou experimentar a “verdadeira” natureza humana. Jean-Jacques Rousseau foi um dos mais amados e também um dos mais odiados filósofos de todos os tempos.

Rousseau tornou-se o crítico implacável da civilização. Para ele, o homem nasce bom e é a civilização, a cultura, que o corrompe. Ele conseguiu com tal ideia a proeza de desagradar conservadores e progressistas, e também a Igreja que considerava que o homem já nasce comprometido pelo “pecado original”. A vida de Rousseau é recheada de aventuras e controvérsias, como quando recusou-se a aceitar um convite do rei Luis 15 para ir a Versailles ganhar uma pensão vitalícia por ver naquilo uma ameaça a sua liberdade.

Jean-jacques Rousseau

A origem das desigualdades

O primeiro homem que cercou um pedaço de terra, que veio com a ideia de dizer “isto é meu” e encontrou gente simples o bastante para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e assassinatos derivam desse ato! De quanta miséria e horror a raça humana poderia ter sido poupada se alguém simplesmente tivesse arrancado as estacas, enchido os buracos e gritado para seus companheiros: “Não deem ouvidos a este impostor. Estarão perdidos se esquecerem que os frutos da terra pertencem a todos, e que a terra, ela mesma, não pertence a ninguém”!
Discurso sobre a origem da desigualdade

Rousseau filosofou, escreveu peças musicais, romances que traziam sementes do Romantismo e que mudaram a visão da humanidade sobre a educação e as crianças. Sua filosofia consagrou o lema “liberdade, igualdade e fraternidade” que inspiraria algumas décadas depois aRevolução Francesa. Mas, dessa mesma visão de mundo derivaram movimentos tão antagônicos à liberdade prevista por ele como o comunismo e o fascismo no século 20. A rebeldia jovem e os movimentos pelos direitos civis dos anos 60 também trouxeram muitas das ideias de Rousseau. Tudo isso mostra que seu pensamento já está, para o bem e para o mal, silenciosamente enraizado no nosso modo de ver o mundo.

Rousseau: o homem nasce bom

Jean-Jacques Rousseau nasceu em 28 de junho de 1712, em Genebra, na Suíça. Sua mãe morreu dez dias após o seu nascimento em decorrência de complicações do parto. E o jovem Rousseau foi criado pelo pai, por uma babá, uma tia e outras parentas. Cercado por um universo feminino, ele desenvolveu uma ambivalência sexual e um profundo interesse pela música. Mas, quando ainda era criança, seu pai teve de fugir de Genebra para escapar da prisão e Rousseu foi entregue aos cuidados de parentes pobres. Nesse período, foi submetido a surras e humilhações pela irmã do pastor que cuidava dele. Essas surras acabaram por induzir nele um prazer sexual precoce e fizeram aflorar seu masoquismo.

Após ser aprendiz de gravador em Genebra, Rousseau fugiu quando tinha 16 anos de idade. Seu destino foi Sabóia (então sob controle da Sardenha e atualmente pertencente ao território francês). Lá, ele foi acolhido pela família de madame de Warrens, proprietária de terras que estava separada do marido. Rousseau foi convertido ao catolicismo e educado pela sua nova preceptora. Em 1773, quando ele atingiu os 21 anos de idade, madame Warrens decidiu fazer dele um homem e o seduziu na pequena casa de verão que tinha em suas terras. Rousseau permaneceria em Sabóia até os 30 anos de idade quando se mudou para Paris em busca de fama e fortuna.

Ao chegar a cidade-luz, ele conseguiu um emprego temporário de secretário do embaixador francês em Veneza. Na cidade italiana ficou durante um ano. Nesse tempo teve oportunidade de frequentar a ópera e aprimorar seus já elevados conhecimentos musicais, além de se deleitar com a florescente cultura veneziana em pleno Iluminismo. Ao retornar a Paris, ele envolveu-se com Thérèse Levasseur, uma faxineira analfabeta de 22 anos. Ela seria a companheira de Rousseau até seus últimos dias.

Rousseau passou a colaborar na elaboração da “Enciclopédia”, uma publicação de múltiplos volumes destinada a divulgar as ideias do Iluminismo. Para Rousseau ficaram os verbetes relativos à música. Aos 38 anos de idade, o filósofo ainda não era famoso nem tinha acumulado riquezas. Foi quando surgiu um concurso promovido pela Academia de Dijon que prometia premiar o melhor ensaio que respondesse se o progresso das artes e das ciências tem feito mais para corromper ou para purificar os costumes.

Em resposta, Rousseau escreveu o ensaio “Discurso sobre as ciências e as artes”, no qual afirma que a humanidade era essencialmente boa por natureza, mas fora corrompida pela civilização e pela cultura. Para ele, a cultura trouxe apenas declínio: “as artes, letras e ciências estão entrelaçadas como guirlandas de flores em volta das correntes de ferro que oprimem os homens”. Com esse ensaio ele venceu o concurso e passou a ser cortejado nas altas rodas intelectuais e aristocráticas, assim como seus pensamentos tornaram-se populares. Ao afirmar que o homem nasce bom, ele finalmente tinha alcançado a fama que tanto almejava.

Rousseau e o contrato social

Enquanto filosofava, Rousseau também se dedicava às artes. Em 1752, ele compôs a ópera “O advinho da aldeia”, que encantou o rei Luis 15. Chamado a Versailles para conhecer o rei, que iria premiá-lo com uma pensão vitalícia, Rousseau foi fiel aos seu idealismo e recusou-se a comparecer, temendo que o encontro e o prêmio retirassem sua liberdade.

Um novo concurso da Academia de Dijon, levou Rousseau a escrever um novo ensaio que iria se constituir em sua primeira obra-prima filosófica: “Discurso sobre a origem da desigualdade”. A ideia que apresentou no primeiro ensaio é aqui desenvolvida com Rousseau delineando uma hipotética história social da humanidade e sua queda da graça natural. A origem disso está em duas desigualdades, segundo o filósofo. A desigualdade natural, decorrente das diferenças físicas e de inteligência entre os seres humanos. Já a segunda desigualdade é derivada da sociedade. E ela é moral e política. Para participar da sociedade, o ser humano abriu mão de seu estado “natural”. Surgiu, entre outros, o conceito de propriedade que foi “fatal” para a humanidade. Rousseau concluiu que a desigualdade social afastou os seres humanos de sua natureza e inocência originais.

Além do interesse público que o novo ensaio despertou, o sucesso de sua ópera em Paris projetava para ele uma brilhante carreira como compositor. Mas ele preferiu abandonar esse efeito “corruptor” da civilização e retornar para Genebra. Junto com sua amante foi surpreendentemente bem-recebido em sua cidade natal. Nesse meio tempo, Thérèse já tinha tido cinco filhos – não se sabe quantos ao certo eram de Rousseau – mas o filósofo entregava as crianças ao orfanato, imediatamente após o nascimento de cada uma. O egocentrismo e o egoísmo de Rousseau não permitia nenhuma criança em sua vida, além dele mesmo.

Ele não permaneceu muito tempo em Genebra e após uma viagem para visitar Paris acabou indo morar na casa de campo de madame d’Épinay. Lá escreveu o romance “Júlia” que trazia vários dos elementos literários que caracterizariam o Romantismo. Nos quatro anos que passou morando na residência de d’Épinay, escreveu também sua outra obra-prima filosófica: “Contrato Social”. Nessa obra, Rousseau abandona o conceito de liberdade presente nas obras anteriores para dizer que é a sociedade quem liberta os seres humanos de suas paixões naturais escravizantes e dá a eles uma igualdade moral. Publicado em 1762, o “Contrato Social” gerou reações e muita polêmica.

Enquanto isso, o romance “Júlia” fez um enorme sucesso. Rousseau decidiu então escrever uma nova obra de ficção. O tema central é o filho de um homem rico sendo educado por seu mestre. “Emílio, ou sobre a educação” mudou a forma da humanidade compreender as crianças e a educação. Na obra, ele demonstra uma incrível percepção psicológica do comportamento infantil. Vários assuntos são abordados por Rousseau no livro, entre eles, a religião que é atacada violentamente pelo filósofo. A publicação da obra em 1762 causou furor e Rousseau acabou sendo perseguido e banido de Paris e Berna. Após passar pela Inglaterra, voltou secretamente para a França, mas quando isso acontece já estava enlouquecido pela paranóia. Em 2 de julho de 1778, após olhar para o céu azul e dizer que “o portal está aberto, e Deus espera por mim” ele morre nos braços de Thérèse com quem havia se casado dez anos antes.


A perda da liberdade

O homem nasceu livre, e em toda parte está acorrentado. Muitos pensam que são os senhores de outros, enquanto, na realidade, são mais escravos ainda que os outros. Como aconteceu essa mudança? Não sei. O que a legitima? Creio que tenho a resposta para essa questão.
Se eu considerasse apenas o uso da força e seus resultados, diria que, enquanto as pessoas são forçadas a obedecer, e obedecem, funciona bastante bem. Mas tão logo essas pessoas são capazes de sacudir seu jugo, e fazem-no através da força, agem melhor ainda. Pois, se as pessoas recuperam sua liberdade da mesma forma como essa lhes foi tirada, ou têm o direito de retomá-la, ou então não havia justificativa para ela lhes ter sido arrebatada.
Contrato social

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