13.6.11

Os perigos do subsolo alemão

Edgar Welzel
De Stuttgart, Alemanha

Os terríveis bombardeios sobre a Alemanha durante a 2ª Guerra Mundial, por incrível que pareça, preocupam as autoridades até hoje. Esta afirmação poderá soar estranha e certamente haverá leitores que perguntar-se-ão: “Como? Os bombardeios e a guerra terminaram em 1945! Qual é a preocupação das autoridades hoje?”
Sabemos da História da 2ª Guerra Mundial que a Força Aérea Britânica (RAF) juntamente com a Força Aérea Americana (USAAF) lançaram milhões de toneladas de bombas e outros artefatos explosivos sobre a Alemanha. Um dos últimos grandes ataques foi o bombardeio da cidade de Dresden que, em três noites sucessivas em fevereiro de 1945, deixou a cidade arrasada com 25 mil mortos. Inúmeras outras cidades também foram alvo de destruições semelhantes principalmente cidades de regiões industriais ou cidades com entroncamentos estratégicos das linhas férreas.
Na primeira semana de junho passado um episódio na cidade de Göttingen, no Estado da Baixa-Saxônia, mais uma vez, deu prova da justa preocupação das autoridades. Um manobrista de uma máquina em trabalho de escavação para a construção de um ginásio de esporte na periferia da cidade deparou com uma bomba soterrada, um resquício da 2ª Guerra Mundial. O grupo de especialistas chamados para analisar o achado, constataram que se tratava de uma bomba do tipo SAP 1000 de 500 quilos lançada em 1945 por um bombardeiro americano. Os especialistas constataram ainda que o dispositivo de detonação da bomba estava em perfeitas condições de funcionamento.
É grande o perigo que se encontra de forma latente no subsolo da Alemanha. Especialistas afirmam que entre 10% e 20% do total das bombas lançadas durante a 2ª Guerra Mundial não chegaram a detonar. São vários os motivos que impediram a explosão. Causas técnicas ou manuseio errado durante o lançamento não figuram em primeiro lugar.
Segundo especialistas a maioria destas bombas que não detonaram pertence àquelas produzidas com um dispositivo de detonação retardada. Nem o tempo percorrido desde a 2ª Guerra Mundial, nem as intempéries conseguiram destruir tais dispositivos. Tanto os mecanismos de detonação como os ingredientes explosivos continuam, na maioria dos achados, em perfeito estado de funcionamento. Não existem dados concretos sobre a quantidade de bombas soterradas ainda existentes em solo alemão. As estimativas, no entanto, são alarmantes.
Somente sobre a cidade de Hamburgo foram lançadas mais de 100 mil bombas do tipo daquela encontrada em junho em Göttingen. Um total de 166 bombas foi desativado no ano de 2009 naquela cidade e especialistas admitem que no subsolo de Hamburgo ainda se encontram 3 mil bombas com poder de explosão. No mesmo ano foram desativadas 88 destes artefatos na cidade de Hannover. Estima-se que na capital, Berlim, o número de bombas soterradas também ultrapassa a casa das 3 mil unidades. No Estado da Renânia do Norte estão sendo desativadas em média mil bombas por ano. Em outras grandes cidades e centros industriais as cifras também impressionam. Em todo o território alemão foram desativadas 5.500 bombas em 2009, o que dá média de 15 bombas por dia ou 105 por semana. Torna-se, assim, compreensível a justa preocupação das autoridades.
A maioria dos Estados da Alemanha mantém um grupo de especialistas para o difícil, perigoso e nunca rotineiro trabalho de desativação de bombas. Sempre que uma é encontrada, um grupo de técnicos especializados entra em ação. Não lhes falta trabalho pois segundo os especialistas e, extrapolando os dados mencionados a nível nacional, deve ainda existir mais de 100 mil bombas, dos mais diferentes tipos e pesos, soterradas ou semissoterradas nas cidades, nas periferias das cidades e até em campos abertos onde são encontradas em trabalhos agrícolas. As equipes de especialistas dispõem de equipamento técnico moderno, altamente sofisticado, de forma que a desativação do dispositivo de detonação, sempre que as condições o permitem, é feita com o uso de equipamento de controle remoto. Nos casos em que o uso deste equipamento não é recomendável, o trabalho é feito manualmente, o que torna a tarefa ainda mais perigosa.
Para desativar a bomba encontrada em Göttingen os especialiastas que chegaram ao local do achado eram homens experientes com 20 a 30 anos de prática; alguns deles já haviam desativado entre 600 e 700 bombas durante a sua carreira. Mesmo assim a desativação terminou em tragédia. A bomba inesperadamente explodiu. Três especialistas morreram, seis homens foram feridos, dois dos quais gravemente. Morreram por uma bomba lançada por um bombardeiro americano há 65 anos...
Alemanha — país ocupado?
A 2ª Guerra Mundial terminou em 1945 com a ocupação da Alemanha pelas forças aliadas dos Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e União Soviética. Na época foram estabelecidos acordos com as forças de ocupação que regulamentaram o direito de ocupação por parte dos países vencedores.
A 2ª Guerra Mundial terminou sem que houvesse sido firmado um tratado de paz. A Alemanha permaneceu sendo um país ocupado. Esta situação foi normalizada em 1991(46 anos após o término da guerra!) com a assinatura do Tratado Dois Mais Quatro (Em alemão: Zwei-plus-Vier-Vertrag ou 2+4 Vertrag, em inglês: Two Plus Four Agreement) entre a República Federal da Alemanha, a República Democrática Alemã, França, Estados Unidos, Grã-Bretanha e a União Soviética. Este acordo, um trabalho diplomático extremamente complicado, terminou com a era do pós-guerra e é visto como o tratado de paz que nunca fora assinado. Além disso o Tratado Dois Mais Quatro preparou o caminho que culminou com a reunificação da Alemanha.
A França foi o primeiro país vencedor que retirou suas tropas do território alemão. A Grã-Bretanha reduziu o seu contingente embora ainda continue mantendo um total de 23 mil soldados britânicos em território alemão. A União Soviética, que havia ocupado todo o território da Alemanha Oriental, aquela que se dizia democrática, e o setor de Berlim Oriental com um contingente de 650 mil soldados, só se retirou em 1994 (a queda do muro de Berlim foi em 1989) após ter sido incluído no Tratado Dois Mais Quatro que o governo da República Federal da Alemanha não somente pagaria os custos da retirada mas também os custos para a construção de novos alojamentos na Rússia para abrigar os seus 650 mil soldados. Não somente a República Democrática Alemã estava falida. A própria Rússia também estava.
O Tratado Dois Mais Quatro e a consequente reunificação da Alemanha mudou o mapa político da Europa. Terminou a guerra fria, as tropas soviéticas se retiraram da Alemanha Oriental e dos demais países do leste europeu, o Pacto de Varsóvia dissolveu-se e os mísseis soviéticos instalados em direção à Europa Ocidental foram desativados.
Consequentemente também o governo dos Estados Unidos teve que repensar a sua estratégia europeia. Foi no governo do presidente G.W. Bush que o Pentágono delineou novos planos para a redução de suas tropas no exterior, o que atingiu também as tropas americanas estacionadas na Europa Central. Ainda em 1990 havia mais de 250 mil soldados americanos estacionados na Alemanha. Na verdade não se tratou exatamente de uma redução de tropas. Houve, isto sim, um remanejamento de tropas pois muitos soldados americanos foram transferidos da Europa Central para países do leste europeu e para a Ásia Central. Deste modo criaram-se bases americanas em países nos quais durante a guerra fria nunca forças americanas tinham estado presentes: Romênia, Bulgária, Polônia, República Tcheca, Balcãs, Turquia, Quirgisistão, Tadjiquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Georgia, Ucrânia, bem como na Austrália, Singapura e Tailândia e outros países mais. A Teoria de Brzezinski deixou de ser teoria. Virou prática.
Atualmente o contingente americano na Europa Central ainda tem cerca de 100 mil homens, 60 mil dos quais se encontam em território alemão. Após a assinatura do Tratado Dois Mais Quatro estes contingentes, no entanto, não mais são vistos como forças de ocupação pois foram integrados aos contingentes da Otan distribuídos por toda a Europa. Deste modo os Estados Unidos juntamente com a Grã-Bretanha ainda continuam mantendo um total de 83 mil soldados estacionados em território alemão. Um órgão militar altamente sofisticado, o United States European Command (USEUCOM ou EUCOM) tem sua sede nas imediações de Stuttgart, no sul da Alemanha. Trata-se de uma entidade militar de apoio à Otan que controlou e supervisionou, do território alemão, o desenrolar da Guerra nos Bálcãs, a Guerra do Kuait, do Iraque e agora do Afeganistão. Graças ao Tratado Dois Mais Quatro estas forças estrangeiras perderam o estigma de ocupadores. Por razões econômicas tanto o governo da Alemanha como a população até fazem questão de que os soldados americanos e britânicos permaneçam pois os seus quartéis empregam bom número de civis alemães e muitas empresas alemãs são fornecedoras de material, alimentação e demais insumos necessários para a manutenção e funcionamente dos quartéis e dos diversos hospitais militares americanos. A retirada de quase 100 mil soldados teria consequências econômicas desastrosas. Tudo isso 65 anos após o fim da 2ª Guerra Mundial.

Fonte: