17.9.08

APOGEU E QUEDA DOS INCAS


O contato com colonizadores e uma violenta guerra civilpuseram fim à maior das civilizações pré-colombianas.
Dentre as inúmeras culturas que floresceram no continente latino-americano antes da chegada dos colonizadores europeus, no século 16, a incaica se destaca pela majestade. Estudar os incas e suas características econômicas, científicas e artísticas é essencial para entender e dimensionar a importância das culturas antigas da América na História das civilizações.
O grandioso império inca, o “Império dos Quatro Cantos” ou Tahuantinsuyo (do idioma Quéchua, tradicional desse povo), expandiu-se rapidamente, em pouco mais de um século, por mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, chegando a ocupar um território que corresponde hoje à área que vai desde a Colômbia até o Chile e a Argentina, e do litoral do Pacífico até a selva Amazônica. O centro político, econômico, religioso e demográfico era o Peru (veja o quadro“O nascimento dos incas”).
Exímios engenheiros e agricultores, os incas formaram a maior civilização indígena das Américas, governada por imperadores considerados semidivinos. Sua história e legado não só revelam detalhes interessantes de sua cultura, como também servem de exemplo da importância das sociedades pré-colombianas.

Intercâmbio culturalOs arqueólogos acreditam que a tribo dos incas chegou por volta do século 13 à região de Qosqo – ou Cuzco, capital do império localizada a 3.100 metros acima do nível do mar, nos Andes peruanos. Misturouse com outros povos que já estavam ali e deu início a uma civilização que chegou a 16 milhões de habitantes em seu apogeu, pouco antes da chegada do conquistador espanhol Francisco Pizarro e seu grupo.
Os governantes, considerados descendentes dos primeiros incas, casaram-se entre si, praticando o incesto para manter a linhagemreal dos “filhos do Sol”. Foram, no total, 13 líderes, sendo Pachacuti (“reviravolta do mundo”) o nono governante da dinastia, considerado responsável pelo efetivo crescimento do Império. A ele é creditada uma grande reforma da cidade de Cuzco, a expansão do território real, a reforma e construção de estradas e a promoção do culto a Viracocha, a maior divindade do panteão incaico.

Pachacuti e os governantes seguintes utilizaram diferentes métodos para conquistar outros povos andinos, como ofertas de aliança, guerras – quando a primeira opção não era aceita – e intercâmbio entre membros das elites. Assim, jovens de outras culturas aliadas iam estudar em Cuzco, e famílias da nobreza incaica iam viver em distantes povoados de aliados do Império. Dessa maneira, os imperadores conseguiram estender seu domínio sobre todos os povos da região e consolidar seu poder.
Construtores das alturasAs imponentes construções dos incas, das quais ainda há ruínas no Peru e Equador, refletem os tempos áureos do Tahuantinsuyo forte, ousado e vitorioso.
Como se não bastasse o desafio de enfrentar a barreira natural da cordilheira dos Andes, com suas montanhas, vales, penhascos e altitudes elevadas, os incas foram capazes de construir terraços para a agricultura, com canais de irrigação e diferentes microclimas, resultado de um profundo conhecimento sobre grãos e sementes como o milho e a batata (veja o quadro “Tradição que permanece”). Também ergueram estruturas cerimoniais e residenciais em lugares diversos, utilizando como matéria-prima blocos de pedras, alguns enormes e tão bem encaixados que chega a ser impossível, por exemplo, introduzir entre eles um objeto da espessura de um cartão de crédito.

Os construtores também uniam a engenharia aos conhecimentos de Astronomia, desenvolvendo estruturas que se alinhavam a eventos astronômicos notáveis, como solstícios e equinócios. Eram momentos significativos para a sociedade inca, pois tratavam dos movimentos do Sol e do calendário agrícola.
Cuzco, que abrigava principalmente a família real, a nobreza e os sacerdotes, está repleta de ruínas. Muitas construções da época da colonização, principalmente igrejas, foram erguidas nos locais dos antigos templos indígenas. Mas a cidade ainda guarda diversas características da época dos filhos do Sol, como sua urbanização, por exemplo, que se adequouà geografia (um vale, com dois rios principais, Tulumayo e Huatanay). A cidade tem o formato de um puma, cuja cauda se localiza no encontro dos dois rios canalizados, e a cabeça, no forte de Sacsahuaman, de onde se tem uma visão abrangente da região.O puma, juntamente com a serpente e o condor, representava um importante elemento da cosmovisão incaica – identifica-se com a força da terra e a dimensão em que os homens vivem.

Estradas e correiosPor ser o centro do império, Cuzco era um microcosmo deste, dividido conforme as quatro direções ou cantos de onde partiam todos os caminhos. Essas trilhas totalizavam mais de 33 mil quilômetros e eram chamadas de Capac Ñan. Muitas eram heranças reformadas dos povos pré-incas; outras foram construídas para que passassem por todas as regiões do império, incluindo-se os mais acidentados terrenos dos Andes. Por elas circulavam muitos agricultores, soldados e até o próprio imperador. Por isso, ao longo de seus caminhos, existiam espécies de hospedarias para os viajantes.

VELOZES E HABILIDOSOSOs chasquis, mensageiros incas, cobriam em média 8 quilômetros de trilha cada um, revezando-se para transmitir as mensagens. Eles tornaram possível, por exemplo, que qualquer desordem na mais remota fronteira fosse transmitida rapidamente para a capital, de modo que se tomassem as medidas necessárias. Diz a lenda que se o inca em Cuzco quisesse comer peixe, graças à excelente rede viária e de mensageiros, em menos de um dia teria a sua disposição um pescado fresco do mar.

Mas quem mais caminhava por essas estradas eram os chasquis, jovens entre 18 e 25 anos que tinham a missão de levar informações, como agentes de correios (veja o quadro “Velozes e habilidosos”).

Além da transmissão oral, os incas registravam dados nos quipus – conjunto de barbantes que continham informações específicas de acordo com a cor, o número e a localização de seus nós. Os quipus não eram usados somente na transmissão de informações pontuais, mas também funcionaram com precisão em censos realizados pelo império, quantificando habitantes, animais (como lhamas e alpacas), tecidos, alimentos e metais preciosos. Podemos dizer, portanto, que os incas possuíam uma contabilidade avançada, e dispunham até mesmo de espécies de auditores que conferiam os dados cadastrados.
Doenças novasO declínio do império inca começou quando os colonizadores europeus chegaram ao continente americano. O penúltimo imperador, Huayna Capac, morreu em 1525 de varíola, mesmo sem ter encontrado pessoalmente um europeu. Esse fato comprova que as enfermidades do velho mundo eram relevantes causas de morte de ameríndios. Pego de surpresa pela epidemia, o inca não nomeou seu sucessor, e isso resultou numa disputa de poder que dividiu o império entre os meios-irmãos Huascar, do sul, e Atahualpa, do norte.
Atahualpa sagrou-se vitorioso depois de uma guerra civil, e em 1532 foi surpreendido pelos conquistadores espanhóis que, após um encontro dramático em Cajamarca, aproveitandose do momento de instabilidade do império, acabaram por prendê-lo. Após terem recebido, durante um ano, ouro e prata em troca de sua liberdade, os conquistadores executaram-no em praça pública. A partir desse momento, a conquista espanhola ganhou mais força, uma vez que os colonizadores também passaram a contar com muitos aliados indígenas. Em poucos meses, a sociedade incaica entrou em colapso. O grandioso império inca estava prestes a conhecer o seu fim...
Daniel Alexandre Moray Luza é turismólogo, especialista em Educação comunitária e pesquisador das culturas pré-colombianas.
Fonte: Revista Desvendando História