15.6.10

As Espadas da Fé


Quando os nobres começam a se armar, a Igreja busca uma aproximação entre estas duas partes tão importantes no status quo medieval. Começa, então, a história de uma ligação perigosa que vai trazer a legitimação do poder pela força militar.

Por James Andrade

"[...] A Casa de Deus, que acreditam uma, aqui embaixo está, pois dividida em três, sendo, portanto, tripla: uns oram (orant), outros combatem (pugnant), outros, enfim, trabalham (laborant). Estas três partes que coexistem não suportam ser separadas [...]" (Adalberón, bispo de Laon).
Foi dessa maneira, estabelecida nas famigeradas Três Ordens, que o pensamento cristão concebeu, no início do século XI, a sociedade medieval, na qual cada um ocupava o seu devido lugar e executava aquilo que lhe foi previamente designado por Deus, deixando implícito que a aceitação da condição social de cada um era um preceito religioso imprescindível para a manutenção da paz e da harmonia, sendo essas as condições ardorosamente desejadas e, se preciso, ferozmente defendidas. Um mundo pacífico e ordeiro, capaz de agradar a Deus em sua mansidão sempre foi o ideal buscado.

Não convém, entretanto, pensarmos que a sociedade medieval fosse, devido a esse preceito ordenador, uma sociedade estática, em que não houvesse mobilidade social. Muito pelo contrário, havia sim e muita, sendo os orant o principal elo desta mobilidade, uma vez que o clero era composto tanto daqueles que vinham das famílias mais abastadas, geralmente os filhos bastardos e aqueles muito distantes das linhas sucessórias, quanto dos filhos daqueles que se dedicavam ao comércio e outros serviços, os laborant.
Após o século X, pressionada por fatores muitos, de que se destaca o crescimento populacional, que demandará uma busca por novas áreas cultiváveis para atender a demanda de alimentos, esta mobilidade será ainda mais sentida. As Três Ordens não foi, propriamente, uma novidade, uma criação específica do período, a busca por uma hierarquização da sociedade, uma estruturação clara e precisa, capaz de explicar convincentemente a realidade, com todas as suas mazelas e diferenças gritantes com base na Bíblia Sagrada. Portanto, em conformidade com a Vontade Divina, desde sempre esteve presente no imaginário cristão, tanto que já no período Carolíngio (843-987) era possível perceber certa divisão das funções sociais, em que se destacavam os monges, os clérigos e os leigos.
Notar que neste início de ordenação ideal da sociedade o clero, intermediário da Vontade Divina, respondia por dois terços das obrigações estruturais, denotando a sua importância. De encontro com as pretensões dos representantes da Igreja, a realidade, porém se interpôs.

Essa estreita relação de mútuos interesses, sempre conturbada e violenta, será a dinâmica predominante nas relações de poder do período medieval

A igreja criada por Pedro, representada pela figura do papa, que no de correr do período torna-se uma instituição, não era capaz de, por si só, garantir sua defesa. A todo o momento, acossada por inimigos mais poderosos, a Igreja foi obrigada a buscar alianças junto àqueles que, detentores do poder das armas, eram capazes de garantir sua segurança. Grosso modo, estes senhores das armas são os nobres.
A nobreza se origina e se justifica pelo uso das armas e da violência. Isto posto, é lícito dizer que noções como honra, coragem e audácia, em muitos momentos, calaram mais fundo do que aquelas relacionadas à descendência para a caracterização de nobreza, o que sugere a possibilidade de mobilidade social por outros elementos que não só aqueles de origem sanguínea; nem todo nobre nascia nobre, era possível tornar-se nobre. Não poucos mercenários, aqueles que, de origens muitas, viviam do ofício de soldado oferecendo seus serviços a quem pudesse pagar, acabavam por obter títulos de nobreza. Este fato é melhor observado quando da formação da nobreza carolíngia, mas igualmente se repetiu por todo o período medievo.

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Afresco de 1467 que retrata Cristiano I da Dinamarca (ao fundo) assistindo a um torneio

Nobreza Armada

A Igreja, para garantir sua existência, buscou se aproximar desta nobreza armada e acercada de mercenários, sendo que o inverso também foi válido, a nobreza, buscando sua autoafirmação também se aproximou do clero. A Igreja necessitava
da força militar da nobreza e esta, por sua vez, carecia de legitimar sua posição de poder, legitimação esta, reticente no início, viria a ser dada pelo reconhecimento, por parte da Igreja, da origem divina do direito da nobreza ao exercício do poder.
"[...] Nada havendo de maior sobre a terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos, e sendo por Ele estabelecidos como seus representantes [...]" (Jean Bodin).
A conversão do franco Clóvis (466-511) em 496, feita por Rémy (440-533) - São Remígio - bispo de Reims, e a coroação de Carlos Magno (747-814) como imperador dos romanos em 25 de dezembro de 800, pelo papa Leão III (795- 816) - São Leão III - são exemplos claros desta aproximação de via dupla.

Essa estreita relação de mútuos interesses, sempre conturbada e violenta, será a dinâmica predominante nas relações de poder do período medieval. De um lado, a busca por um mundo pacato e ordeiro, reflexo de uma Vontade amorosa, e de outro, a necessidade mundana da defesa da própria existência, levou o clero medievo a se debruçar sobre a questão da violência, e de sua expressão máxima, a guerra. Desde os primórdios do cristianismo, com severo agravamento nos séculos que se seguiram à conversão do imperador romano Constantino I (c 280-337) ao cristianismo, foi colocado para o mesmo manso exaltado nas palavras de Jesus: "Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra" (Mateus 5:5) - tanto a difícil tarefa de seguir fielmente os preceitos ditados pelo Cristo para a salvação da alma, dentre eles a não violência, quanto o dever de defender sua Fé (em um sentido mais prático, a instituição chamada Igreja Cristã Medieval) dos seus detratores.

Em meio a esta situação, sob o ponto de vista contemporâneo dicotômico, a Igreja se debaterá em busca de uma solução que garanta ser tudo aquilo a que o mundo está sujeito, uma expressão da Vontade Divina.
Na elaboração da sua "sociedade perfeita", a Igreja não poderá ignorar a existência dos combatentes, nem daquilo que eles representam, que é o poder das armas, restará então buscar formas de integrá-la e dar a ela uma função, definir um parâmetro de ação na estrutura social em que os pugnant pudessem exercer sua violência, sem que com isso arriscassem suas almas imortais.
Ao reconhecer a função de combatente, portanto de homem de armas, indiretamente se estabeleceu que alguns homens poderiam, legitimamente, portar armas, enquanto que outros deveriam andar desarmados.

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Tela a óleo do pintor britânico Edmund Blaire Leighton, de 1901, retratando a sagração de um cavaleiro

Guerra Justa

"[...] Justas são as guerras que vingam injustiças, quando aqueles contra quem a guerra deva ser feita deixou de punir os erros dos seus ou deixou de restituir aquilo que foi tomado em meio a estas injustiças [...]" (Santo Agostinho).

Quando o bispo de Hipona (região da atual Argélia), Santo Agostinho (354-430), discorreu sobre a "Guerra Justa"; definindo seu antônimo, a "Guerra Injusta"; estabeleceu o preceito básico que viria a figurar no direito canônico: "Uma guerra é justa quando travada com intenções honestas, comandada por uma autoridade legitimada, com objetivos de promover a defesa ou a retomada da posse de algo usurpado ilicitamente". A guerra servirá então para corrigir injustiças, sendo que quaisquer outros motivos serão considerados indignos.
Os "Ideais de Cavalaria" (devoção, honra e defesa dos oprimidos), observados em especial nas obras literárias a partir do séc. X, têm suas raízes nessa noção de violência justificada.

A elaboração de um conceito no qual a guerra é justificada mostra o esforço da Igreja em integrar um elemento real, a violência, dentro de parâmetros controlados, de modo a não comprometer a estrutura perfeita que era a sociedade cristã por ela idealizada, em última instância, harmoniosa. A guerra era inevitável, portanto, que ela se desse sob a égide da Igreja, que fosse feita em seu nome, em defesa dos seus interesses; que, claro, também incluíam os interesses papais. Deste modo, a chamada Legio Christiana - Legião de Cristo - assumia cada vez mais uma conotação militar, engendrava-se a noção de "Soldado de Cristo".
Este processo foi feito não sem encontrar resistência, no seio do clero sempre existiram aqueles contrários à ideia da violência, para quem a guerra não tinha nenhuma justificativa, merecedora somente de reprovação.

Grosso modo, durante todo o período denominado Idade Média, sendo mais sentido a partir do séc. X, a figura do combatente medievo - um cavaleiro por excelência devido à importância que a cavalaria assumiu desde as batalhas travadas na época carolíngia - foi hostilizada pelo clero, sempre vistos como sendo rudes e indisciplinados, mas úteis para a defesa dos seus interesses.
Eram comuns os ajuntamentos de combatentes, geralmente a soldo, para a proteção de bispados e conventos, sempre lutando sob a bandeira de algum santo padroeiro, eram, porém, combatentes e não clérigos, ainda estavam integrados na estrutura social das Três Ordens, executando sua função de pugnant.
Devido à sua natureza hostil e por serem indispensáveis para a proteção do clero e de suas posses ("propriedades de Cristo"), os combatentes sempre figuraram como alvos da conversão e de tentativas de submetê-los, por meio de juramentos feitos sob a Santa Cruz, a regras de conduta capazes de amenizar, ou pelo menos direcionar, seus hábitos belicosos. Discutidas em diversos concílios, o evoluir dessas regras, sempre impulsionadas pela necessidade de se estabelecer um controle efetivo da violência disseminada pelos combatentes, darão origem, no raiar do séc. XI, no Concílio de Narbonne (1054), de um conjunto de normas conhecido como "Paz de Deus"

Ordens militares religiosas

Os grupos mantidos pela igreja originaram-se da necessidade de proteger os peregrinos cristãos que se moviam por algumas regiões e eram alvos constantes de ataques de ladrões e assaltantes. A Terra Santa, em especial, envolveu muitos conflitos de peregrinos que eram incomodados por muçulmanos. A tabela abaixo traz um resumo das principais ordens religiosas criadas e mantidas com o paio da Igreja:



A Paz de Deus

"Que nenhum cristão mate outro cristão. Aquele que mata um cristão saiba que verte o sangue do próprio Cristo" (Concílio de Narbonne).

O Ocidente Europeu no período medievo foi um mundo onde o poder estava dividido e sempre instável, sendo exercido de forma independente pelos chamados senhores feudais, geralmente possuidores de grandes extensões de terras, cujas relações entre si eram parcialmente regidas por relações feudo-vassálicas, em que se destacavam as figuras do vassalo (aquele que prestava homenagem1) e do suserano (aquele que recebia a homenagem) e que envolvia a cessão do direito, por parte do suserano, de uma atividade de geração de ganho para o vassalo em troca de alianças de cunho estratégico-militar, que visavam justamente uma consolidação de poder, sempre ameaça do por outros senhores.
O objeto de onde provinha esta geração de ganho era chamado "feudo". Erroneamente identificado como sendo somente uma porção de terra, na verdade, o feudo podia assumir vários aspectos, podendo ser, por exemplo, uma ponte ou uma estrada onde se cobrava pedágio.

Em fins do séc. IX, é possível constatar um aumento significativo desses senhores, que se observa também nos séculos seguintes devido ao grande número de castelos construídos nesta época (entre os séculos IX e XII), o que provocou uma fragmentação ainda maior de um poder já tão fragilizado. Os castelões (senhores dos castelos) se valiam dos serviços prestados pelos combatentes tanto para defenderem suas posses quanto para garantirem a arrecadação de seus servos. Uma atividade de prestígio, uma vez que, como forma de pagamento, esses combatentes, em alguns casos, vieram a ganhar seus próprios feudos.
Nesse cenário, a figura dos combatentes, muito associada à atividade de mercenário, tornou- se ainda mais presente no cotidiano, uma presença sentida de forma cada vez mais negativa, tanto que, em pouco tempo, muitos clérigos passaram a culpá-los por tudo o que acontecia de errado, dizendo que as atividades que eles desempenhavam, de achaque, intimidação, espancamentos, roubos e assassinatos, desagradavam a Deus e do desagrado provinham as punições. A noção de "Guerra Justa", por si só, não foi capaz de enquadrar os pugnant na ordem "natural" das coisas, era preciso mais, e os bispos, conhecendo mais de perto o resultado trágico dessas agressões, iniciam um movimento para proteger da violência os indefesos, dentre estes estavam os próprios clérigos.

Em 1054, no Concílio de Narbonne, as muitas regras de conduta foram listadas em forma de proibições da atividade de combate em dias específicos, ficavam assim proibidas as agressões às sextas-feiras (dia da crucificação), bem como em datas festivas, tais como a Páscoa, o Natal, a Quaresma, e assim por diante. Para que a proibição surtisse efeito, foram previstas sanções eclesiásticas, tais como expiação por jejum, orações, podendo chegar até a excomunhão, à época punições duras, mas que de imediato não surtiram o efeito desejado. Para um policiamento efetivo das regras, em muitas localidades, foram criadas então milícias armadas para fazer cumprir as proibições; milícias essas que estavam livres das proibições, podendo travar combate nos dias proibidos sem nenhuma sanção.
No geral, a Paz de Deus, que tinha por objetivo a diminuição dos atos de violência cometidos pelos combatentes contra, principalmente, os mais pobres, os servos, acabou por incitar ainda mais combates, desta vez entre "combatentes do bem" contra "combatentes do mal".
Reafirmava-se assim a ideia de "Guerra Justa", o da violência permitida, aquela que tinha um objetivo justo, e nada era mais justo, no período medievo, do que a defesa da Igreja. Se a guerra contra a injustiça era "justa", a guerra para a preservação da "santidade" (e do poder) da Igreja só podia ser "santa".

Urban
Ataque de cavalaria normanda na tapeçaria de Bayeux, na França, datada de 1476

Guerra Santa

A relação de mútuos interesses, quase sempre tácita, entre a Igreja e a nobreza armada nunca foi plenamente satisfatória para nenhum dos lados, pois muitas questões de fundamental importância para a plena integração de ambos ou demoraram a ser respondidas, ou nunca o foram. Questões que fatalmente levaram a disputas armadas envolvendo a Igreja e os imperadores.
Uma destas questões ficou conhecida como a Disputa das Investiduras2, que, tangencialmente, girava em torno da pergunta: "O papa outorga poderes aos imperadores para que estes governem, ou são os imperadores que outorgam poderes ao papa?".
Em 1076, o desacordo quanto a resposta levou o papa Gregório VII3 (1073-1085) - São Gregório VII - a excomungar e a depor o imperador do Império Germânico Henrique IV, que para buscar reconciliação foi obrigado a fazer penitência pública em Canossa, depois de ter passado três dias esperando para ser atendido pelo papa.

Para fazer valer sua decisão de primazia do Poder Espiritual (do papa) sobre o Poder Temporal (dos imperadores), o papa Gregório VII montou um verdadeiro exército, do qual faziam parte tanto combatentes mercenários, que lutavam a soldo, quanto senhores feudais, atraídos para junto da Igreja por meio da vassalagem. A prática da formação de um "Exército Eclesiástico" tinha sido iniciada com o papa Gregório VI (1045-1046), o diferencial ficou por conta daquilo que se defendia. No primeiro caso, o papa Gregório VI usou o exército para a defesa do território da Igreja, a região central do que hoje é a Itália (os Estados Pontifícios), já no caso de Gregório VII, a intenção era defender não mais o território da Igreja, mas sim a própria Igreja, a convocação do exército tinha como objetivo, em última instância, a defesa da Fé. Uma mudança aparentemente sutil, mas que alterou por completo a forma como a guerra e a violência eram até então encaradas.
Da "Guerra Justa", que tinha um caráter defensivo (até então entendido como "proteção" contra uma agressão), surge a noção de "Guerra Santa", feita não mais para punir um agressor, mas sim para derrotar um adversário (o inimigo da Fé e também do papa). O soldado de Cristo tem agora, além da incumbência da defesa do território, o dever de levar o combate para onde quer que a Fé esteja sendo ameaçada.

Dessa alteração, surgiu aquilo que seria apontada como solução quase que definitiva para a questão do "encaixe" dos combatentes na estrutura social das Três Ordens. A função dos pugnant era a de fazer a guerra contra os inimigos da Fé, pouco importando onde esses inimigos estavam.
Portanto, quando o Papa Urbano II (1088-1099) no Concílio de Clermont (sul da França), em 27 de novembro de 1095, conclamou:

"[...] Que se dirijam, portanto ao combate contra os Infiéis [...] aqueles que até esta data se envolviam em guerras privadas e abusivas somente para prejuízo dos fiéis [...] que lutem agora contra os bárbaros aqueles que se batiam contra seus irmãos e seus pais [...]".

Aqueles que o escutavam, responderam com um sonoro "Deus vult!" (Deus quer!), o brado de guerra da Primeira Cruzada (ou Cruzada dos Barões). O pedido para a defesa da Fé por meio da violência foi ouvido e entendido. Desse concílio, saíram os soldados de Cristo, que em 1099 retomaram a cidade de Jerusalém.

Templários Os "Pauperes Comitiones Christi Templique Salomonici"

"[...] Para a edificação, ou antes para a confusão de nossos próprios cavaleiros, os quais guerreiam não por Deus, mas pelo Diabo, falaremos da maneira como vivem os Cavaleiros de Cristo [...] isso mostrará toda a diferença entre a Cavalaria de Deus e a deste mundo [...]".

São Bernardo De laude novae militiae - Elogio da nova cavalaria

Os Pobres Companheiros de Combate de Cristo e do Templo de Salomão, mais conhecidos como Templários, foi uma ordem religiosa-militar fundada no decorrer do ano de 1120, de cuja fundação pouco, ou nada, se sabe com certeza.
O que sabemos é que seguiam a uma regra, a Regra de São Bento, obedeciam a um mestre e se comprometiam a defender os peregrinos que se aventuram nos caminhos que levavam para Jerusalém e os locais sagrados citados na Bíblia. Foram reconhecidos pelo Concílio de Troyes (1129), tornando-se uma ordem autônoma, que respondia somente ao papa.
Acusada por agentes do rei francês Felipe, o Belo, a ordem foi processada pela Santa Inquisição e suprimida em 22 de março de 1312, na bula papal Vox in Excelso do papa Clemente V (1305-1314). No processo inquisitório que sofreram constam, entre outras, as acusações de renegarem Cristo, de serem idólatras e praticarem atos sodomitas. Seu último mestre, Tiago de Molay, foi preso na França em 13 de outubro de 1307. Condenado à morte na fogueira, foi executado nos jardins do palácio do rei francês, na Île de la Cité, na noite de 18 de março de 1314.

No momento em que a Igreja pegou em armas, sua tão almejada sociedade perfeita, harmoniosa, perene, em que cada um exercia sua função diligentemente, sem procurar mudar aquilo que lhe foi incumbido por uma Vontade Divina, ruiu


Eike Wetzig
Os nove bravos reproduzidos na prefeitura de Colônia, na Alemanha

Os quase dois séculos de história dos Templários está envolto em um emaranhado de lendas e contradições, sendo que o aspecto mítico dos feitos da ordem e de suas práticas supera em muito as verdades sobre a ordem.
Os Templários foram a primeira ordem religiosa- militar a ser criada, sendo seguidos por outras como os Hospitalários, os Teutônicos, a Ordem de São Lázaro (dos leprosos) e outras. Sua origem está intimamente ligada à Primeira Cruzada e à vitória alcançada em Jerusalém (o nome "Templário" vem do fato de utilizarem as ruínas do Templo de Salomão como base de operações). Eram combatentes que, após a retomada da Terra Santa, tornaram-se monges, porém, monges armados. Uma força militar que surgiu no seio da Igreja, totalmente devotada à defesa da Fé. Desde os primórdios, esta era a primeira vez que a Igreja contava com um exército formado não de mercenários como antes, mas de seus próprios membros. Religiosos e militares. Um orant que era também um pugnant. Alguém que exercia, ao mesmo tempo, duas funções dentro da estrutura social. Como estava estabelecido no princípio das Três Ordens: "[...] Estas três partes que coexistem não suportam serem separadas [...]". Do mesmo modo que não suportam serem separadas, também não suportam estarem incorporadas.

No momento em que a Igreja pegou em armas, sua tão almejada sociedade perfeita, harmoniosa, perene, em que cada um exercia sua função diligentemente, sem procurar mudar aquilo que lhe foi incumbido por uma Vontade Divina, ruiu. Não havia mais nenhuma justificativa para que cada um ficasse restrito à sua função primordial. Se aquele que nasceu para orar também podia combater, aquele que nasceu para trabalhar também podia almejar fazer outra coisa.
Com o nascimento dos Templários, as Três Ordens desaparecem.

Os nove bravos

Essa designação foi utilizada para definir as figuras históricas que serviram de inspiração para os cavaleiros medievais de diversas ordens, religiosas ou não. O curioso é verificar que muitas delas são figuras míticas, ou seja, de existência duvidosa ou ligadas a histórias, enquanto outras são figuras que de fato existiram. O primeiro a agrupar esses modelos foi o cantor de gestas (baladas) francês do século XVI, Jacques de Longuyon, que os descreveu em sua obra Voeux du Paon, de 1312. A tabela abaixo mostra essa divisão em trios, com destaques para figuras do paganismo, do judaísmo e do cristianismo.



Para saber
DEMURGER, Alain. Os Cavaleiros de Cristo: as ordens militares na Idade Média (sécs. XI a XVI). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2002.

DUBY, Georges. A Sociedade Cavaleiresca. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

______. Guilherme Marechal ou o Melhor Cavaleiro do Mundo. São Paulo: Editora Graal, 1988.

SILVA, Pedro. História e Mistérios dos Templários. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.


1 A homenagem referida é um ato cerimonial de investidura no qual o vassalo, ajoelhado ante seu suserano, de cabeça descoberta e desarmado, coloca as mãos juntas nas mãos do senhor, que as fecha sobre as do vassalo; feito isso, o vassalo responde algumas perguntas e faz uma declaração de lealdade.

James Andrade é cursando de Licenciatura em História e autor do livro Getsêmani, a Verdade Oculta (Giz Editorial, 2008)

Fonte: portal Ciência & Vida