13.3.12

Meninos do Contestado










Eles eram crianças quando, em 1912, tropas do Exército e agentes policiais desembarcaram nos sertões de Santa Catarina e Paraná para combater seus pais, mães, tios e avós que pegaram em facões de pau e velhas espadas farroupilhas e julianas, num movimento contra o projeto de uma ferrovia em suas posses de terra e os desmandos de lideranças emergentes da República, proclamada duas décadas antes.

Às vésperas do centenário da Guerra do Contestado, a maior rebelião civil do País no século 20, que agitou o Sul entre os anos de 1912 e 1916, o Estado investigou o paradeiro das últimas testemunhas do conflito que deixou um saldo estimado de dez mil mortos. Altino Bueno da Silva, hoje com 108 anos, Maria Trindade Martins, 105, e Sebastiana Medeiros, 102, foram localizados em porões de casas e barracos de bairros pobres.

Numa investigação jornalística de 12 meses, para dar a versão dos derrotados sobre os cem dias decisivos da vitoriosa campanha militar (dezembro de 1914 a abril de 1915) comandada pelo general Fernando Setembrino de Carvalho – o cerco, a tomada e a destruição do reduto caboclo de Santa Maria, principal acampamento dos revoltosos, no atual município catarinense de Timbó Grande, a 400 quilômetros de Florianópolis.

A luta sertaneja marcou uma área de 30 mil quilômetros quadrados, maior que Alagoas e o Haiti, ainda hoje uma região tratada como “maldita” pelo Poder Público – as terras do Contestado, cercadas por cidades colonizadas por europeus e com padrões de primeiro mundo, apresentam índices de desenvolvimento humano equivalentes a rincões pobres do Nordeste. É uma história de renegados em pleno Sul do Brasil.

Texto: Leonencio Nossa



"O ideal daquele povo são a restauração da monarchia e a transformação da religião, sendo isto o assunto do dia entre elles, mesmo quando executavam as suas manobras gritando vivas à monarchia e diversos santos, vivando também o nome de João Maria", declara o prisioneiro Innocencio Manoel de Mattos, 43 anos, que prestava serviço de guarda num acampamento de 250 "fanáticos", na Serra dos Pinheirais, liderado pro Inácio de Lima. 10/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


A guerra dos jagunços, como o conflito foi chamado pelos caboclos, ou dos fanáticos, na designação dos militares, não teve relação direta com a disputa entre os governos paranaense e catarinense pelo território dos campos de Irani e Palma. Foto: Celso Júnior/Reprodução"O ideal daquele povo são a restauração da monarchia e a transformação da religião, sendo isto o assunto do dia entre elles, mesmo quando executavam as suas manobras gritando vivas à monarchia e diversos santos, vivando também o nome de João Maria", declara o prisioneiro Innocencio Manoel de Mattos, 43 anos, que prestava serviço de guarda num acampamento de 250 "fanáticos", na Serra dos Pinheirais, liderado pro Inácio de Lima. 10/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


O capitão Leopoldo Itacoatiara de Senna, que participou da guerra, admite que as tropas militares não conseguiam se movimentar nos campos de araucárias. “Como se sabe, n´estas paragens, o Exercito difficilmente se moverá sem o auxilio dos sertanejos”, escreveu. Foto: Celso Júnior/Reprodução


O Contestado virou um labirinto verde, desafiando os caboclos e suas tentativas de guardar as memórias de família e de comunidade. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Rebeldes tinham dificuldade durante a guerra devido ao despreparo e fome, contra militares preparados e alimentados para o combate. Foto: Celso Júnior/Reprodução


Em Timbó Grande, 39% das famílias têm renda per capita de até meio salário mínimo, segundo dados do Censo 2010. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Para militares, Aliança de sem-terra com andarilhos messiânicos, desempregados e federalistas gera conflito que deixou 10 mil mortos.Foto: Celso Júnior/Reprodução


Altair Meirelles Cruz em frente a antiga escola que virou igreja na região se Santa Maria, onde ocorreu a batalha final do Contestado . Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Nos relatórios do Exército sobre o Contestado, há poucas referências a ataques militares com canhões e metralhadoras. Os oficiais preferiram descrever “memoráveis” e “titânicas” batalhas a facões e baionetas. Foto: Celso Júnior/Reprodução


Altair Meirelles Cruz em frente a antiga escola que virou igreja na região se Santa Maria, onde ocorreu a batalha final do Contestado. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


A guerra foi um tempo de revolta, violência, cavalaria, arma, munição. Foto: Celso Júnior/Reprodução


Os batalhões colocavam fogo nas casas, queimavam tudo o que tinha dentro. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Potyguara havia escrito dias antes a Setembrino, também em telegrama, que a situação da tropa após o combate de Santa Maria era delicada. O capitão destacou que o grupo tinha perdido 19 cavalos e estava “a pé”. Foto: Celso Júnior/Reprodução


O empresário Farquhar conseguiu do governo o direito de explorar as madeiras nos 15 quilômetros de cada margem da ferrovia. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Na época, os jagunços enfrentavam a morte de crianças, mulheres e falta de comida. Não tinham lugar certo para morar, mas nunca desistiriam.Foto: Celso Júnior/Reprodução


Empresas madeireiras chegavam em grande número ao Contestado. Famílias ajudavam no corte de araucárias e imbuias.. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


“Os soldados que hoje existem não têm a metade da violência daqueles soldados do tempo da guerra dos jagunços”, avalia Sebastiana Medeiros, 102 anos. Foto: Celso Júnior/Reprodução


Na guerra, minha mãe viu jagunços chegarem, arrumou as mãos e pediu: ‘São João Maria (monge conhecido na região) salve ao menos um da minha família para contar para os outros que estão lá no sítio’, conta Sebastiana. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Os jagunços perderam seiscentos homens, cinco mil casas, igrejas e ranchos foram destruídos. Foto: Celso Júnior/Reprodução


Agricultores rezam o terço caboclo em Rio Bonito, interior de Lebon Regis. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Documentos da época exaltam o massacre dos caboclos. Outra parte, não menos evidente, deixa claro o desconforto pela matança. Nem todos os oficiais que foram guerrear no Contestado tinham o mesmo pensamento dos chefes combatentes de Canudos.Foto: Celso Júnior/Reprodução


As estradas do Contestado continuam de terra e cascalho, inclusive as de acesso a cidades, como Frei Rogério. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Às margens das estradas, as plantações de pinus são homogêneas, com árvores plantadas em áreas divididas em blocos, crescendo na mesma altura nos terrenos baixos, nos morros e nos pés de serras elevadas.oto: Celso Júnior/Reprodução


O Contestado virou um labirinto verde, desafiando os caboclos e suas tentativas de guardar as memórias de família e de comunidade. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Em telegrama postado em Canoinhas no dia 4 de dezembro de 1914, o coronel Onofre Ribeiro escreveu ao general Setembrino de Carvalho que a força rebelde ainda era “respeitável” e que os inimigos eram “jagunços muito insolentes”. Foto: Celso Júnior/Reprodução


Filho de rebeldes da guerra, Francisco Ribeiro dos Santos, 77 anos, o Seu Chico, mantém viva a tradição dos “mágicos”, os benzedores do Contestado. Ele é procurado pelos moradores de Calmon, cidade onde o sistema de saúde é precário. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Os militares dão sua versão ou apresentam o imaginário popular dos fatos descritos em documentos militares. Foto: Celso Júnior/Reprodução


“Eu vivia bem quando tinha meu pai”, diz Altino Bueno da Silva. O senhor de 108 anos perdeu o pai, Manuel, no conflito. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


A lembrança do pai, Manuel, que vem na memória de Altino sempre que alguém o provoca a falar do conflito. “Meu pai era de Taquara Verde, era tropeiro. Eu vivia bem quando eu tinha meu pai. Depois ele foi lá no reduto dos jagunços e deixou a gente sofrendo”, relata.Foto: Celso Júnior/Reprodução


“Tinha caboclo que entrava no piquetão para ajudar o governo a combater os jagunços”, conta. Em seguida, Altino põe a mão esquerda na cabeça, como quem tenta arrancar uma lembrança da memória.. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


A guerra dos jagunços, como o conflito foi chamado pelos caboclos, ou dos fanáticos, na designação dos militares, não teve relação direta com a disputa entre os governos paranaense e catarinense pelo território dos campos de Irani e Palma. Foto: Celso Júnior/Reprodução


Vergília, morta nos anos 1940, passou a tradição da “costura de rendedura” para a filha Maria Cândida Palhano, que mais tarde ensinou para a sobrinha Enoina Palhano, 54 anos. “Na época da guerra, tinha muita gente ferida e não tinha médico. Só tinha mulheres. Elas faziam costuras perto dos feridos e passavam a agulha com linha em pequenos pedaços de pano em cima dos ferimentos e davam a benção”, relata Enoina. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Desde o fim do conflito, famílias caboclas procuram negar envolvimento nos combates. A discriminação social marcou as gerações do pós-guerra.Foto: Celso Júnior/Reprodução


A pobreza das famílias caboclas é camuflada pelos bons índices de desenvolvimento humanos registrados no município. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Pequenos redutos de remanescentes de Santa Maria se formaram na mata após a queda da “cidade santa”. Pedras Brancas e São Pedro, organizadas por Adeodato, no entanto, não passavam de aglomerações de mulheres e crianças famintas e homens feridos, com reduzida capacidade de reação. Foto: Celso Júnior/Reprodução


Maria Simão, 91, diz que não consegue dormir quando lembra das histórias narradas pela mãe, uma sobrevivente do reduto de Santa Maria.. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


O capitão Matos Costa, morto pelos rebeldes, era justamente o oficial que representava o pensamento da geração militar que esteve em Canudos, em 1897, em posições de baixas patentes, e que, agora, buscava formas repressivas mais alinhadas à opinião pública do Rio de Janeiro. Foto: Celso Júnior/Reprodução


Da estrutura física do Rossio sobrou apenas um cemitério, localizado a dois quilômetros do antigo quilombo, onde foram enterrados os “troncos” da comunidade. Lá estão os túmulos de João Pedro e outros negros “jagunços”. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Antes da batalha, no deslocamento até Irani, os militares tinham perdido sua principal arma, uma metralhadora “Maxim”. Foto: Celso Júnior/Reprodução


Santa Cecília, outra cidade do Contestado, a situação ainda é pior. Com 15 mil habitantes, o município recebeu neste ano R$ 878 mil. O governo federal gastou R$ 55 por cada morador da cidade. Esse valor representa quase três vezes menos que o investido em outros município do Contestado, como Calmon e Lebon Régis – cidades que também receberam menos, em proporção, que Florianópolis. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Linha de trem chega ao Contestado, expulsa caboclos e dá início a uma guerra. Foto: Celso Júnior/Reprodução


“Um dia é pouco para eu contar tudo o que vivi.” Maria Trindade Martins, 105 anos. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


O general Setembrino chegou de surpresa à cidade de Rio Negro, no Paraná, em dezembro, para organizar a última e decisiva campanha. De Rio Negro, ele foi para Canoinhas, onde montou seu quartel. Estima-se que ele dispunha, naquele momento, de sete mil homens do para reprimir os rebeldes. Foto: Celso Júnior/Reprodução


Mal conservado, o cemitério está dentro de uma propriedade particular. Os donos pretendem derrubar os muros de pedra erguidos no final do século 19 para aumentar a plantação de pinus. As árvores de madeira comercial cercam o cemitério. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


De Canoinhas, Onofre Ribeiro avisa ao quartel general de Curitiba que o então aspirante Lott estava enfermo. “Segue amanhã para Rio Negro e em seguida para essa capital gravemente enfermo aspirante Henrique Lott, oficial valoroso e distinto para quem peço attenção dedicado amigo e Exmo senhor general pedindo mandar recebe-lo, pois não pode andar”. Foto: Celso Júnior/Reprodução


“Se um pai não dava a filha, eles matavam”, diz Sebastiana Medeiros, 102 anos. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


“Foi um tempo de revolta, violência, cavalaria, arma, munição”, conta Sebastiana. Foto: Celso Júnior/Reprodução


“Aqui fala o radialista caboclo JB, a voz do Contestado.” João Batista Ferreira dos Santos, 43 anos, começa o seu programa de sábado na rádio Caçanjurê, em Caçador. Ao microfone, ele fala de um projeto que realiza com amigos de resgate da história do Contestado..Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


O Contestado marcou o início do uso de aviões em combates no Brasil. Foto: Celso Júnior/Reprodução


A nova geração do Contestado. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


"De primeiro achava um terreno deserto. Não tinha terra vendida. Começaram a fazer a linha de trem de ferro, em cima daqueles dormentes. Quando cruzavam os trens, chacoalhavam aqueles dormentes. Tem gente que tem orgulho da minha vitória", diz Sebastiana Medeiros, 102.Foto: Celso Júnior/Reprodução


A linha do trem. Santa Catarina, 11/12/2011. Foto: Celso Júnior/AE


Fonte:  http://blogs.estadao.com.br/olhar-sobre-o-mundo/meninos-do-contestado/