16.12.13

A Transição das Aldeias para cidade-estado



POR MATHEUS BLACH




A Transição das Aldeias para cidade-estado

Os debates que permearam os séculos XVII à XIX – que ainda persistem hoje sob novas perspectivas – acerca do oriente procuravam responder como e por que motivos se deram: a sedentarização das comunidades de caçadores-coletores, a transição das aldeias para cidade-estado, a instituição do modo de produção tributário, o poder monárquico ou o dito “despotismo oriental”, a relação entre propriedade privada e posse das terras. Através de um breve olhar sobre estas questões e suas propostas de soluções, analisaremos neste texto, com maior profundidade, o processo de transição das aldeias em Cidades-Estado com a teoria da “hipótese causal hidráulica” e a sua superação.

A “hipótese causal hidráulica” procurava encontrar a origem do “poder despótico” dos “reis” orientais e ao mesmo tempo justificar a formação da Cidade-Estado. Tal hipótese defende que devido às condições geoclimáticas da Baixa mesopotâmia, ou seja, clima semi-arido, vastas planícies cercadas por montanhas e a força e irregularidade das cheias dos rios Tigre e Eufrates, tornou-se de suma importância que aquelas sociedades controlassem os rios e o solo a seu favor. Para que isso ocorresse, para que fossem criados vastos canais de irrigação e diques de contenção das águas era necessário o trabalho organizado de toda a comunidade. Esta parte da teoria explicaria então que esse trabalho comunitário influencia, também, uma relação com a propriedade comunitária. Entretanto, seguindo ainda com o argumento da hipótese, este trabalho organizado, disciplinado, precisava ser orientado, controlado, governado e a partir desta necessidade surge o Estado cujo poder está concentrado na figura de um só, o “déspota”, que através da relação da propriedade e do trabalho comunitários torna-se dono de toda a terra. Essa seria a origem de seu poder e a justificativa para a formação das primeiras cidade-estado e do processo de urbanização.

Esta teoria concomitantemente com diversos outros conceitos desenvolvidos ganhou corpo e legitimidade durante muito tempo através das publicações de Marx, Engels, G. Plekhanov e Wittfogel. Contudo, será um dos adeptos dessas teorias e defensor da “hipótese causal hidráulica”, Angel Palerm, quem irá refutá-la e prová-la falsa. Através de contundentes provas arqueológicas, afirma Ciro Flamarion Cardoso, que Palerm e outros pesquisadores puderam concluir que muito antes do surgimento da Cidade-Estado, já havia uma organização coletiva do trabalho que possibilitava a criação de diques e canais de irrigação. Estas obras em grandes proporções, aparelhadas por um poder centralizador também não foram imediatas a formação da cidade-estado ocorrendo muito posteriormente a sua organização mais ampla. Além disso, Cardoso demonstra que a propriedade privada, “individual”, existia de forma incipiente, paralela a propriedade do Estado, do “Rei” ou da comunidade. Já o poder do En ou Ensi/Lugal, ou seja, do líder da Cidade-Estado é traçado desde os primórdios da formação das famílias através de um processo de hierarquização social nas aldeias. As mais numerosas ou as de maior prestigio, como por exemplo, pode ter sido o caso de famílias de tradição guerreira, acumularam maiores porções de terras e maior poder de decisão nas “assembléias” formando-se assim , lideranças, elites dominantes que ascenderam ao poder através de alianças e legitimação religiosa dos templos.

Portanto concluímos que, como afirma Cardoso, a “hipótese causal hidráulica” não pode ser totalmente descartada, porém, não é a única explicação para o surgimento da cidade-estado mesopotâmicas, fazendo parte de um todo “multi-causal” que não pode deixar de levar em consideração aspectos políticos, econômicos, sócio-culturais e religiosos daquele contexto.

Referências Bibliográficas

CARDOSO, Ciro Flamarion. “Sociedade do Antigo Oriente Próximo”, 4ª Ed., SP: Ática 2005, pp.5-53 (cap. 1 e 2)

CARDOSO, Ciro Flamarion. “Sete Olhares sobre a Antiguidade”, 2ª Ed., Brasília: UNB, 1998, pp.63-71(cap. 2)

Fonte: http://www.sobrehistoria.org/cidade-estado/