16.12.13

Reis Carismáticos da Mesopotâmia





Problemas de cronologia

Os antigos habitantes da Mesopotâmia empregavam três tipos de cronologia. O mais simples consistia em contar os anos de reinado de um rei. Este sistema foi adotado em Lagash, no Dinástico prematuro e converteu-se em norma na Babilônia de meados do segundo milênio a.e.c. ao período Selêucida (por volta de 300-150 a.e.c). Outra forma consistia em dar ao ano o nome do mandatário que desempenhava uma função determinada nesse momento. Este método foi utilizado no Dinástico prematuro Shuruppak e converteu-se em norma na Assíria, onde o titular se chamava limmu e eram conservadas listas de nomes de limmu para manter a cronologia. Uma terceira forma consistia em nomear o ano em memória de um acontecimento do ano anterior - uma vitória militar, a construção de um templo ou a nomeação de um sacerdote. Os exemplos mais antigos datam dos reinos de Enshakushana e Lugalzagesi, e o sistema estendeu-se sob o domínio dos reis de Acádia.

Estes nomes de ano contêm por vezes informação valiosa. Infelizmente, não foram encontradas listas completas com os nomes dos primeiros períodos e foi preciso calcular as datas dos soberanos do terceiro milênio baseando-se nas listas de reis. Para isso, conta-se para trás desde o período Babilônico antigo, tomando como ponto de partida o fato de que Hammurabi, o mais importante dos reis do período, reinou de 1792 a 1750 a.e.c. Se somarmos os anos de reinado documentados nas listas de reis, a Terceira Dinastia de Ur durou da ascensão de Ur-Nammu em 2112 a.e.c. à conquista de Ur pelos elamitas em 2004 a.e.c. Segundo a Lisa dos Reis Sumérios, entre Ur-Nammu e o último rei de Acádia "o reinado estendeu-se até a horda de Gudéia". A derrota de um dos reis de Guti figura no nome de ano de Sharkalisharri, o quinto rei de Acádia, embora não se saiba a qual dos 25 anos corresponde o seu reinado. Se se somarem os anos dos reinados, Sargão, o primeiro rei de Acádia, subiu ao trono entre 2340 e 2310 a.e.c. Por conseguinte, as datas que se atribuem normalmente ao seu reinado, 2334-2279 a.e.c., poderiam ter até um quarto de século de erro. Caso se demonstrasse que as datas aceitas para Hammurabi são demasiado próximas, como consideram hoje muitos especialistas, o reinado de Sargão também teria começado antes.



Sumérios e acadianos

Na tradição mesopotâmica posterior, as conquistas dos reis acadianos marcam uma ruptura total com o período Dinástico prematuro sumério anterior. Pela primeira vez na História, a totalidade da Mesopotâmia se uniu sob um único soberano e o império acadiano foi o modelo que os reis seguintes se esforçaram por emular. Por fim, o poder passou dos porta-vozes sumérios para os semitas. Até épocas muito recentes, esta mudança era vista sob uma perspectiva racial, e as mudanças de natureza do reinado, organização política e até nas artes eram atribuídas à origem étnica dos soberanos. Atualmente, contudo, considera-se que a continuidade entre os soberanos acadianos e os seus antecessores sumérios foi maior do que se pensara no princípio.

No período Dinástico prematuro é difícil distinguir entre sumérios e acadianos. Durante séculos estiveram em estreito contato e em antigos textos sumérios reconheceram-se contribuições do acadiano. Os acadianos do norte adotaram a escrita suméria, mas como os logogramas (sinais que representam palavras) podem estar tanto em sumério como em acadiano, nas inscrições breves nem sempre é possível distinguir a língua em que estão escritos. Uns quantos sufixos acadianos nas inscrições de Mari indicam que estão nesta língua.

Em geral, os nomes sumérios são mais numerosos no sul, e os acadianos, no norte. No entanto, o nome da Rainha Puabi, enterrada no Cemitério Real de Ur, parece ser acadiano e não sumério, enquanto os reis originários de Kish tinham nomes tanto sumérios como acadianos; por exemplo, Mebaragesi é sumério, mas Enti-Ishtar é acadiano. Tal como acontece hoje em dia com a população mista do Oriente Médio, é provável que fossem bilíngües, como o demonstram os escribas do Dinástico prematuro de Abu Slabikh, que tinham nomes acadianos, mas escreviam em sumério. Apesar de, em geral, ser correto identificar a filiação étnica pelos nomes, há casos em que não se justifica. Contudo, é quase a única forma de calcular a composição dos diferentes grupos e assim foi feito para estabelecer a infiltração de amoritas, hurritas, cassitas e arameus nas regiões do Oriente Médio que conheciam a escrita, nos séculos seguintes.



Sargão de Acádia

O primeiro soberano da dinastia de Acádia chamava-se Sharrum-kin, que em épocas posteriores se pronunciava Sharken e é conservado na Bíblia com a forma de Sargão. Em acadiano, Sharrum-kin significa rei verdadeiro ou legítimo, o que é forte indício de que se tratas-se de um usurpador. Contam-se muitas lendas sobre a sua origem. Segundo o relato de épocas posteriores, desceu pelo Eufrates em uma cesta com betume, como Moisés. Foi recolhido por um jardineiro que o criou e lhe ensinou o seu ofício. Ao ganhar o favor de Ishtar converteu-se em rei.

A Lista dos Reis Sumérios diziam simplesmente: "Sharrum-kin, o seu (pai) era um plantador de tâmaras, copeiro de Ur-Zababa, rei de Acádia, o que fundou Acádia, converteu-se em rei e governou durante 56 anos".

Uma cópia babilônica antiga de uma inscrição encontrada em um monumento do Templo de Enlil, em Nippur, não mencionava os antepassados de Sargão e referia-se a ele como Rei de Acádia, Rei de Kish e Rei da Terra, e relatava como, com a ajuda dos deuses, tinha triunfado na batalha contra Uruk e tinha capturado o seu rei, Lugalzagesi. Sargão tinha conquistado os territórios de Ur, Umma e Lagash, até o mar. Em Susa foi encontrado um fragmento deste monumento, ou de um semelhante, que os elamitas levaram para ali quando conquistaram a Babilônia no século XII a.e.c. Sargão aparecia à cabeça das suas tropas, sob um dossel. Em outro fragmento, que talvez pertencesse ao mesmo monumento, figurava um deus com uma rede em que tinha colhido os inimigos derrotados, como na Esteia dos Abutres encontrada em Girsu.

Em outra inscrição, que também nos chegou através de uma cópia babilônica antiga, falava-se das relações de Sargão com regiões distantes. As embarcações de Meluhha, Makkan e Dilmun, que foram identificados como Indo, Omã e Bahrein respectivamente, atracavam no porto de Acádia. Em Tuttl (talvez Tell Bi'a, na confluência dos rios Balikh e Eufrates), Sargão venerava o deus Dagan, que lhe tinha dado o controle sobre as terras altas (Síria ocidental), Mari, Ebla e Yarmuti (provavelmente na costa mediterrânea), até o Bosque de Cedros e as Montanhas de Prata.

Foi difícil desemaranhar os relatos posteriores relacionados com o nome de Sargão, em especial os que em Assírio tardio foram transfigurados para glorificar Sargão II da Assíria. Diz-se que conquistou Puruskhana no planalto da Anatólia e que atacou e conquistou Elam e Marhashi, nas montanhas do Irã, assim como Dilmun. Segundo tradições posteriores, Sargão fundou

uma nova capital chamada Acádia, onde construiu um palácio e templos dedicados a Ishtar e Zababa, o deus guerreiro de Kish. Ainda não se conhece a situação exata de Acádia, mas é provável que estivesse na região da Babilônia, Kish e Sippar. Acádia, que por vezes se transcrevia Akkade, deu o nome à dinastia e ao idioma.

Sargão proclamou a sua filha Enheduanna grande sacerdotisa de Nanna, deus lunar de Ur, cidade onde se encontrou uma placa circular de pedra cal que representa Enheduanna fazendo uma oferenda em um altar. Os soberanos posteriores seguiram o costume de encomendar para as suas filhas o posto de grande sacerdotisa de Ur, até a época de Nabônido, no século VI a.C. Também se atribui a Enheduanna a composição dos hi- nos em honra de Inanna, o que a converte na primeira dos poucos autores de literatura mesopotâmica cujo nome se conservou.



Os filhos de Sargão

A Sargão sucedeu-lhe o filho Rimush, que continuou as aventuras militares do pai. Segundo as inscrições, pôs fim às sublevações da Suméria e da Acádia, e conquistou Elam e Marhashi (também chamada Barahshi). Parte do despojo proveniente desta campanha foi encontrado em Nippur, Khafajeh e até em Tell Brak (embora possivelmente neste caso posteriormente). Rimush afirmava dominar o Mar Superior, o Inferior e todas as montanhas. Um texto posterior relata como foi assassinado por seus servidores em uma intriga de palácio.

A Rimush sucede o irmão Manishtushu, nome que significa "o que está com ele", que indicaria que se tratava de um irmão gêmeo. No entanto, segundo a Lista dos Reis Sumérios, Manishtushu era o irmão mais velho. Em uma das inscrições afirmava ter chefiado uma expedição ao outro lado do Golfo Pérsico, até as minas de prata (que ainda não foram identificadas) e ter trazido pedras para a construção de estátuas (poderia tratar-se de diorito, que se encontra em Omã, pois os reis de Acádia o utilizavam nas suas esculturas). Também se jactava da sua conquista de Ansan e Serihum, e jurava que "não é mentira. É a pura verdade!". Outra estátua de Manishtushu, encontrada em Susa, foi-lhe dedicada por Eshpum, o governador da cidade, e mostrava que o domínio acadiano se estendia até Susa. No norte, Ma- nishtushu controlava Assur e em Nínive renovou o templo de Ishtar, segundo o testemunho posterior do rei assírio Shamsi-Adad I, que durante os trabalhos de restauração dos templos encontrou estátuas de Manistushu.

Naram-Sin e o rei-deus

Os 37 anos do reinado do filho de Manistushu, Naram-Sin, marcam o ponto culminante do império acadiano. Tal como os seus predecessores, Naram-Sin lutou para conservar e estender o seu domínio. Também parece ter modificado a natureza da monarquia ao erigir-se ele próprio em deus, em vez de reinar como representante dos deuses. Em um dado momento do seu reinado, Naram-Sin decidiu chamar-se "rei das quatro regiões, rei do universo", e ao seu nome acrescentou o prefixo que se empregava para designar os deuses. Os seus subordinados dirigiam-se a ele como "deus de acádia". Alguns reis antigos de Uruk, como Lugalbanda e Gilgamesh, figuravam nos textos do Dinástico prematuro de Suruppak como nomes divinos, mas Naram-Sin foi provavelmente o primeiro monarca mesopotâmico que reclamou para si a condição divina em vida.

Reinou sobre um vasto império e nas inscrições afirmava ter destruído a cidade de Ebla, e os tijolos com legendas encontrados em Susa são a prova do seu domínio sobre esta. Em Tell Brak, um grande edifício com uma área de 90 m por mais de 85 m, com muros exteriores de mais de 10 m de espessura, era construído com tijolos que tinham o seu nome. É possível que fosse um armazém, um posto militar ou um centro administrativo de controle das importantes rotas comerciais que atravessavam Habur. Até em Pir Hussein, ao norte de Diyarbekir, no Sudeste da Turquia, se encontrou um relevo de pedra de Naram-Sin.

Na região de Bassetki, cerca de 50 km ao norte de Nínive, achou-se a base da parte inferior de uma estátua de cobre que tinha uma inscrição de Naram-Sin na qual afirma ter ganho nove batalhas em um só ano e menciona os trabalhos de construção na cidade de Acádia. A estátua representa uma figura masculina com um cinturão que sustenta uma estaca de fundação, como as que foram encontradas nos depósitos de alicerces sumérios. Esta peça, que pesa 160 kg, é de cobre quase puro, oca e fundida em cera perdida.

Em Nínive, no nível de destruição do assírio tardio, foi encontrado outro notável objeto de cobre fundido do período acadiano: uma cabeça de tamanho natural, que tinha sido mutilada ritualmente, pressupõe-se que por invasores medos. O detalhe do cabelo recorda o capacete de ouro de Meskalamdug, de Ur, mas o estilo naturalista e o delicado trabalho de artesanato indicam que pertencia ao período acadiano. Não se determinou com certeza a identidade da figura, mas os especialistas consideram que se parece com Naram-Sin.

O monumento mais famoso de Naram-Sin é a sua Esteia da Vitória, encontrada em Susa. Como a Esteia de Sargão e o Código de Hamurábi, foi levada para Susa pelos elamitas como despojo. Documenta a vitória de Naram-Sin sobre Satuni, rei da tribo Lullubi que habitava a parte central do Oeste do Irã. A estela representa uma nova forma de representar os acontecimentos históricos ao abandonar o velho esquema dos frisos do peoríodo Proto-sinástico e das esteias de Eanatum e Sargão, em favor de uma composição única e coerente. A pedra está quebrada na base e na parte superior, onde originalmente devia haver sete estrelas que, presumivelmente, representavam os deuses. A figura central do relevo, contudo, é Naram-Sin, com um arco e um machado e toucado com chifres, como as dos deuses da Mesopotâmia. A cena recorta-se sobre uma região montanhosa e com bosques, sendo o exemplar mais antigo da arte mesopotâmica com paisagem de fundo. Os vitoriosos porta-estandartes acadianos, e os derrotados e moribundos guerreiros Lufubi, com trança, são gravados de tal modo, que a vista do observador se eleva para o triunfo. Como na estátua de Bassetki e na cabeça de nínive, destaca-se o naturalismo na representação das formas humanas, ausente nas obras mais antigas. Este relevo parece ter exercido grande fascínio nos soberanos posteriores, pois foram encontradas outras versões em relevos talhados em pedra nos Zagros ocidentais, em Derbend-i Gawr, em Saikham e em Sar-i Poli Zohab, embora nenhum deles atinja a qualidade do original.

Naram-Sin, como Sargão, converteu-se em tema de relatos posteriores. Era descrito como uma figura trágica, vítima da sua própria soberba, que desencadeou rebeliões, a invasão de tribos do Leste e a destruição de Acádia. No entanto, não há provas que avalizem semelhantes histórias. Os nomes de ano do filho e sucessor de Naram-Sin, Sar-kali-sarri, indicam que o seu reino estava submetido à pressão dos amoritas, pelo Oeste, e dos gútis das montanhas do Leste. Na Lista dos Reis Sumérios, depois do nome de Sar-kali-sarri vem uma descrição do que parece ser a anarquia: "Quem era rei? Quem não era? Era Igigi o rei? Era Nanum o rei? Era Imi o rei? Era Elulu o rei? Os quatro forram reis e governaram durante três anos". Os últimos reis de Acádiad foram Dudu e Sudurul, e na sua época, o reino reduziu-se à região que rodeia Acádia e às planícies de Diyala ao norte, enquanto as outras cidades-Estados, Lagash entre elas, obtiveram a independência.



O renascimento neo-sumério

Depois da derrubada do império acadiano, Gudéia foi o mais famoso membro da dinastia que reinou em Lagash. Reconstruiu 15 templos em Girsu, que transformou em centro administrativo do Estado de Lagash. O mais importante era o templo do deus tutelar, Ningirsu. Em dois longos textos, gravados em grandes cilindros de argila, Gudéia descrevia a sua construção. Primeiro, apareceu-lhe em um sonho o deus Ningirsu e revelou-lhe que devia reconstruir o templo, ao mesmo tempo que lhe mostrava o plano da construção. Gudéia procurou o lugar, incendiou fogueiras à sua volta e depois, segundo as inscrições, mandou trazer artesãos e materiais de terras longínquas par construir o templo.

"De Elam vieram os elamitas; de Susa, os susianos. Makkan e Meluhha cortaram madeira dos montes... Gudéia reuniu-os na sua cidade de Girsu... Gudéia, o grande sacerdote en de Ningirsu, abriu um caminho até o Bosque dos Cedros, onde ninguém tinha penetrado; cortou os cedros com grandes machados... Como serpentes gigantes, os troncos deslizaram do Bosque dos Cedros rio abaixo, e balsas de pinheiro deslizaram do Monte dos Pinheiros... Nas pedreiras, fechadas ao homem até então, Gudéia, o grande sacerdote en de Nin- girsu, abriu caminhos para transportar grandes blocos de pedra... Muitos outros metais preciosos foram fornecidos ao governador, construtor do Templo de Ninnu... ouro em pó vinha dos seus montes... Para Gudéia, extraíram prata dos montes e enviaram de Meluhha grandes quantidades de pedras vermelhas."

Os vestígios dos templos das escavações de Girsu não foram identificados, mas conservam-se estátuas em diorito de Gudéia e de outros soberanos de Lagash como testemunho da riqueza do Estado e dos dotes artísticos dos seus artesãos.

Não se sabe até onde se estendia o reino de Gudéia. A única façanha militar de que se gabou foi a vitória sobre Anshan e Elam, e é possível que exercesse certa influência em Ur. Também não são certas as datas do seu reinado, mas é provável que fosse contemporâneo de Utuhegal e de Ur Nammu. Utuhegal (2019-2013 a.e.c..) foi o rei de Uruk que pôs fim ao domínio dos guti, nomeou Ur Nammu, seu filho, segundo alguns especialistas, governador militar {shagiri) de Ur. Ur-Nammu sucedeu a Utuhegal e fundou a Terceira Dinastia de Ur, ostentado os títulos de Poderoso, Senhor de Uruk, Senhor de Ur, Rei da Suméria e da Acádia, mas depois abandonou o título de Senhor de Uruk.









A terceira dinastia de Ur

Ur-Nammu dominou em Ur, Eridu e Uruk, e construiu edifícios em Nippur, Larsa, Kesh, Adab e Uma. Segundo uma inscrição encontrada em Nippur, arbitrou litígios fronteiriços entre as cidades-Estados de Girtab, Abiak, Marad e Akshak, ao norte da Acádia. Em Ur nomeou a filha Enirgalanna sacerdotisa Inanna em Uruk. Outro filho (provavelmente Shulgi, seu sucessor) era casado com uma filha do rei de Mari. Os indícios de que Ur-Nammu lutou contra os seus vizinhos são escassos, mas parece que gradualmente os tivesse integrado na sua esfera de influência recorrendo a alianças diplomáticas e à influência religiosa.

O monumento mais impressionante do seu reinado foi o zigurate de Ur. Desde a época Ubaid, os templos da Baixa Mesopotâmia eram construídos sobre plataformas que, ao longo dos séculos, foram aumentando de altura, reduzindo o templo. Os zigurates construídos por Ur-Nammu em Ur, Eridu, Uruk e Nippur foram os primeiros exemplares definidos deste tipo de estrutura. Existem dúvidas sobre a sua existência no Dinástico prematura e sob a dinastia de Acádia.

Ur-Nammu também erigiu outros templos em Ur, como residência da sacerdotisa entu e como palácio. Reconstruiu as muralhas da cidade e escavou canais. Foram encontrados fragmentos de uma grande esteia de ponta arredondada, de cerca de 3 m de altura, na qual são citados alguns projetos de edifícios de Ur-Nammu. Na parte superior de ambos os lados da estela aparece o rei; do lado direito, em frente do deus da Lua, Nanna, deus tutelar de Ur, e do lado esquerdo, em frente a uma deusa, talvez Ningal, esposa de Nanna. Na segunda figura, em um lado, o rei, acompanhado de uma segunda deusa, faz uma libação. Esta cena parece-se com o motivo mais comum dos selos cilíndricos do período. O estado de conservação das duas figuras da 4 cenas do que poderiam ter sido cerimônias religiosas. Na composição geral, equilibrada e estática, falta-lhe o dinamismo da estela da vitória de Naram-Sin, o que releva o contraste entre as duas dinastias: a neo-suméria formal e pretensiosa, e a acadiana, vibrante e ousada.



Shulgi, o reformador

Shulgi sucedeu no trono ao pai, Ur-Nammu. A maior parte dos nomes de ano da primeira metade do seu reinado, que durou 47, referem-se a atos piedosos, tal como os do seu pai. Por volta do ano 20 do seu reinado, contudo, empreendeu uma importante reorganização do Estado de Ur III e iniciou a expansão do seu império. Proclamou a sua condição divina, como Naram-Sin, e foram muitos os hinos compostos em sua honra. Valeu-se da força e da diplomacia para estender o seu reino até o Norte e o Leste da Suméria, até abarcar a região compreendida entre Assur e Susa. Criou uma administração unificada da Suméria e Acádia, o centro do império, com ensis (governadores) que costumavam pertencer à família real do lugar, e shagins(comandos militares), que dependiam diretamente do rei. A periferia era administrada por pessoal militar. Governou diretamente as terras do templo e introduziu novos sistemas tributários: o bala, imposto que era pago pelas províncias do centro do Estado de Ur III, e o gunmada, que era pago em espécie aos chefes militares da periferia.

Estabeleceu centros de redistribuição que se encarregavam de arrecadar, administrar e distribuir as receitas do Estado. Por exemplo, Puzrish-Dagan (Drehem, 10 km ao sul de Nippur) era especializada em gado. Em um único ano passaram por Puzrish-Dagan, antes de serem redistribuídos pelos principais templos do território, assim como aos funcionários e à casa real, 28.000 cabeças de gado e 350.000 ovelhas, como tributo das províncias. Outro centro, Dusabara, era especializado em produtos agrícolas.

Para administrar estes impostos era necessário formar mais escribas, o que levou ao aperfeiçoamento dos métodos de escrita e à introdução de novas formas de documentação. Acredita-se que Shulgi é um dos poucos soberanos que dominava a escrita cuneiforme. Também reorganizou os sistemas de pesos e medidas e introduziu um novo calendário que foi aplicado em todo o Estado de Ur III. Além disso, acredita-se que Shulgi foi autor do mais antigo código de Direito que se conhece, atribuído até agora a Ur-Nammu.

A aplicação da justiça era um dos deveres primordiais dos reis mesopotâmicos. Há alguns indícios disso nas reformas empreendidas pelo último rei de Lagash, no Dinástico prematuro, Uruinimgina, que tratou de corrigir os abusos do sistema de administração de justiça tradicional. Conservaram-se atas das audiências da época da Dinastia Acádiana, mas no reinado de Shulgi foram mais freqüentes. Embora o código de Shulgi seja muito incompleto, a sua forma é a mesma dos códigos posteriores e mais bem preservados conservados de Lipit-Ishtar e Hammurabi, e pela primeira vez prescreve penas fixas para delitos específicos.

Shulgi seguiu e completou as construções começadas pelo pai. Junto ao recinto religioso de Ur havia um edifício feito de tijolos que tinha o seu nome e junto a ele, duas estruturas menores de tijolos com o nome do filho, Amar-Sin. Acredita-se que este edifício foi o lugar de enterro dos reis de Ur, cujos corpos eram depositados nas abóbadas inferiores, onde foram encontrados restos de ossos humanos. O conteúdo e o mobiliário dos edifícios foi saqueado já na Antigüidade, mas os fragmentos conservados indicam que as portas eram recobertas de folha de ouro, as paredes adornadas com folha de ouro com incrustações de ágata e lápis-lazúli, e os tetos com pequenas estrelas e raios de sol, de ouro e lápis-lazúli. Em um local havia desníveis e condutos cobertos de betume e folha de ouro, que poderiam ter servido para as libações, o que indica que as salas superiores serviam de templos mortuários para o culto do rei morto.

Shulgi teve doze filhos e oito filhas, uma das quais se converteu na sacerdotisa de Ur. Três das outras filhas casaram com soberanos dos principados Marhashi, Ansham e Bashime do Irã. A Shulgi sucederam dois dos seus filhos: primeiro Amar-Sin e depois Shu-Sinorte. Nos primeiros anos do reinado de Shu-Sin viu-se que nem tudo andava bem no seu império. No quarto ano do seu reinado foi construída uma muralha entre o Tigre e o Eufrates para manter afastados os amoritas, uma tribo ou grupo de tribos semitas que tinham se infiltrado na Mesopotâmia pelo sudoeste. Durante o reinado de Ibbi-Sin, filho de Superfície-Sin, o império caiu. No segundo ano, Eshnunna rebelou-se e, no terceiro, perdeu o controle de Susa. Os nomes de ano de Ibbi-Sin não se encontram depois do terceiro ano em Puzrish-Dagan, o quinto em Umma, o sexto em Girsu e o oitavo em Nippur. O décimo ano, Ishbi-Erra, um dos chefes militares, tomou Nippur e a Babilônia do norte e fundou uma nova dinastia com a capital em Isin. Só Ur permaneceu sob o domínio de Ibbi-Sin durante os 24 anos do seu reinado, até que em 2004 a.e.c. os elamitas invadiram Ur, a saquearam, capturaram Ibbi-Sin e o levaram para Anshan.

Auge dos elamitas

Enquanto Susa dependeu do reis de Acádia, o reino de Awan conservou a sua independência. Não se conhece o lugar exato onde ficava Awan, mas é provável que ficasse ao norte de Susa. Até 2200 a.e.c., Puzur-Inshushi- nak, rei de Awan, deteve o poder em Susa e, segundo as inscrições encontradas na cidade, afirmava ter feito grandes conquistas. Algumas destas inscrições eram em escrita linear elamita, uma escrita silábica simplificada para escrever nesta língua. Encontraram-se muito poucas vezes inscrições nesta escrita. Dezessete vêm de Susa, uma do cemitério de Shahdad e diz-se que em Fars se encontrou outra.

Shulgi de Ur tinha anexado Susa e as terras baixas, mas as regiões altas, embora unidas por alianças reais, conservaram a independência. No reinado de Ibbi-Sin, o rei de Simaski, que dominava am Ansan, apoderou-se de Susa. Em 2004 a.e.c., Kindattu, rei de Simashki, Susa e Ansan, invadiu e destruiu Ur. Os elamitas foram ex-pulsos de Ur até 1995 a.e.c., mas a dinastia Simaski continuou a reinar em Susa durante outros cem anos.



A Anatólia e o Ocidente

A prata das minas da Anatólia era um dos materiais cobiçados pelos reis de Acádia. É possível que dois fragmentos de um relevo de alabastro, encontrado em Na-siriyeh, ilustrassem uma destas incursões. Em um dos fragmentos aparecem prisioneiros nus, desfilando; no outro, os soldados transportando o despojo, que compreende, entre outras coisas, o que tinha sido identificado como uma vasilha de metal do tipo daquelas da Anatólia da Idade do Bronze II.

Em Alça Huyuk, na Anatólia Central, foram escavados 13 valiosos túmulos. Apesar de serem conhecidos como túmulos reais, como no caso do Cemitério Real de Ur, isso não ficou provado. Os túmulos eram grandes fossos retangulares, com até 8 m de comprimento por 3,5 m de largura e continham corpos de homens e mulheres. Os corpos estavam no ângulo noroeste, e acredita-se que tenham sido enterrados juntamente com mobiliário de madeira. Os objetos mais delicados encontrados ali eram de metal, ouro, âmbar, prata e cobre. Havia vasilhas, alfinetes e armas. Dois punhais de ferro com cabos folheados a ouro mostravam a evolução dos artesãos da Anatólia. Os objetos mais impressionantes eram os chamados estandartes, rematados com toros de fundição ou formas geométricas. Eram de cobre e recobertos de âmbar ou com incrustação nesse metal, mas não se sabe qual era a sua função; tinham cavilhas que se apoiavam em algum bastidor de madeira, talvez um dossel sobre cada túmulo. É provável que em geral, os túmulos fossem contemporâneos dos reis de Acádia, mas a cronologia não está confirmada. Mas a leste o nível de destruição dos jazigos da Idade do Bronze II, na Anatólia, foi atribuído à chegada dos luwianos e hititas, que dominavam a Anatólia no segundo milênio a.e.c., mas até agora não há provas que o confirmem.

No Norte da Mesopotâmica é provável que Mari estivesse sob o poder dos primeiros reis de Acádia. No entanto, além do achado dos bronzes dedicados pela filha de Naram-Sin, há poucos indícios que permitam pensar que os reis de Acádia interferissem nos assuntos da cidade. Em tempos da Terceira Dinastia de Ur, os soberanos de Mari tomaram o título de shaknu, o equivalente acadiano de shagin, mas Mari, aparentemente, não participou na estrutura econômica do Império de Ur III. A construção do famoso palácio dos soberanos de Mari durou vários séculos e a semelhança com a esteia de Ur-Nammu permitiu atribuir algumas formosas pinturas murais ao período da Terceira Dinastia de Ur.

A destruição de Ebla coincidiu com o declínio da povoação do Levante. Mais ao sul, a Idade do Bronze III deu passagem à IV (por volta de 2350.2000), e a maior parte dos centros urbanos do período anterior foi abandonada. A forma de vida agrícola e urbana deu lugar a uma existência pastoril que poderia relacionar-se com os movimentos de grupos nômades, como os amoritas, em um deslocamento para o leste. No fim do Antigo Reino do Egito, os egípcios organizaram expedições contra os asiáticos e talvez penetrassem até o Monte Carmelo. O seu principal interesse, contudo, residia muito mais ao norte, no Líbano, onde Biblos tinha a função de porto principal do comércio de resina, madeira e outras mercadorias. Ao terminar o Antigo Reino, por volta de 2150 a.e.c., os contatos entre o Levante e o Egito cessaram e durante os 150 anos só houve decadência.

Fonte:
Mesopotâmia