Introdução sobre Berkeley
O mundo material não existe. Isto é, ele existe somente enquanto o percebemos. Mas, quando não o percebemos, ele continua a existir, não? É verdade, mas isso só ocorre porque Deus, que é onipresente, o está percebendo. Assim, o mundo material não existe a não ser quando alguém o está percebendo. Se o empirismofundado por John Locke colocou que o nosso conhecimento provém unicamente de nossa experiência, a filosofia de George Berkeley levou isso ao extremo.Berkeley
Para Berkeley, se o nosso conhecimento está baseado na nossa experiência, somente podemos conhecer a nossa própria experiência. Assim, só podemos saber que o mundo existe enquanto o estamos percebendo através dos nossos sentidos (visão, audição olfato, tato). Quando não se vê, ouve, cheira ou sente algo, esse algo não existe. Se olharmos para o jardim e virmos uma árvore, ela existe porque a enxergamos. Mas quando deixamos de olhar para ela, ela deixa de existir para nós. Mas não para o mundo, afinal Deus a continua observando e assim ela continua a existir, segundo o filósofo.
A filosofia de Berkeley radicalizou o empirismo. E muitas vezes ela soa como sofisma. Mas, uma das mais modernas teorias científicas – o princípio da incerteza de Heisenberg – tem ideias muito similares às de Berkeley. Quando o princípio afirma que não podemos medir simultaneamente o momento e a posição de uma partícula subatômica, está praticamente nos dizendo que somente a qualidade que está sendo medida (percebida) é real. Já a outra qualidade não pode ser conhecida, pois não pode ser percebida simultaneamente. Ela está “lá” mas não pode ter qualquer existência determinada até o momento em que a percebemos.
Há verdades tão óbvias para o espírito que ao homem basta abrir os olhos para vê-las. Entre elas muito importante é saber que todo o firmamento e as coisas da terra, numa palavra, todos os corpos de que se compõe a poderosa máquina do mundo não subsistem sem um espírito, e o seu ser é serem percebidas ou conhecidas; consequentemente, enquanto eu ou qualquer outro espírito criado não temos delas percepção atual, não têm existência ou subsistem na mente de algum Espírito eterno; sendo perfeitamente ininteligível e abrangendo todo o absurdo da abstração atribuir a uma parte delas existência independente do espírito.
Conheça nas próximas páginas um pouco da vida e da obra aparentemente absurda de Berkeley, um filósofo que de certa forma deu má reputação à filosofia.
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Este artigo é um resumo do livro “Berkeley em 90 minutos”, de Paul Strathern, da coleção “Filósofos em 90 minutos”, publicado pela Jorge Zahar Editor em 2003.Berkeley: o empirismo levado ao extremo
George Berkeley nasceu em 12 de março de 1685, em Kilkenny, um condado próximo a Dublin (Irlanda). Ele foi criado numa casa de fazenda, às margens do rio Nore, cercada por colinas cobertas de árvores. Aos 11 anos de idade foi estudar no Kilkenny College, o melhor internato da Irlanda na época, por onde passaram Jonathan Swift, o autor de “As viagens de Gulliver”, e o dramaturgo William Congreve. Aos 15 anos, virou aluno do Trinity College, em Dublin.
Com o título de bacharel em artes, se interessou pelo cartesianismo e começou a ler as obras de John Locke. Berkeley concordava com o empirismo de Locke, mas não com o materialismo dele. Segundo Berkeley, realmente devemos obter nosso conhecimento unicamente a partir das experiências, mas as experiências não são nada mais do que sensações. Ele chegou a conclusão de que “ser é ser percebido” (esse est percipi). A engenhosa ideia de Berkeley foi apresentada em suas primeiras obras: “Ensaio para uma nova teoria da visão”, publicado em 1709, e “Tratado sobre os princípios do conhecimento humano”, lançado em 1710.
As nova ideias de Berkeley ganharam uma versão mais fácil de ser compreendida na obra “Três diálogos entre Hylas e Philonous”, que ele publicou em 1713. A popularização de suas ideias levaram-no a ser visto como um empirista, mas também como um metafísico, por mais contraditório que isso pareça. O motivo é que à medida que sua filosofia afirmava que o mundo era sustentado pela contínua percepção de um Deus que tudo percebe, esta situação não é apoiada na experiência e está além de qualquer conhecimento do mundo físico.
Essa idéia de um mundo sustentado pela percepção de um Deus onipresente tem uma longa tradição na matemática. O fundamento intelectual e espiritual da matemática para os antigos árabes estava identificado com Deus. Para eles, a matemática era o modo como a mente de Deus funcionava. Isso volta a aparecer no pensamento de Berkeley, onde a percepção de Deus pode ser entendida como as leis da matemática e da ciência. Os primeiros livros de Berkeley que divulgaram seu empirismo imaterialista, em que afirma que não existe matéria mas apenas percepção, o tornaram famoso. Aquela altura ele já fazia parte do corpo docente do Trinity College e havia sido ordenado sacerdote protestante da Igreja da Irlanda. Berkeley decidiu então mudar-se para Londres onde se tornaria o foco das atenções.
Havia um jovem rapaz que disse, “Deus
Deve achar deveras estranho
Se descobrir que uma árvore desse tamanho segue ali estando
Quando no pátio já não há um só filho dos seus”
A resposta foi:
Caro senhor:
O seu espanto é estranho:
Estarei sempre no pátio.
E é por isso que a árvore em seu tamanho
Seguirá ali estando
Desde que por mim observada.
Sinceramente,
DEUSBerkeley: o único grande filósofo irlandês
Em sua temporada social em Londres, Berkeley foi apresentado à corte pelo seu amigo, o escritor Jonathan Swift, autor de “As viagens de Gulliver”. O escritor usou de sua influência para arranjar um emprego para o filósofo. Ele conseguiu o cargo de capelão do conde de Peterborough que tinha se tornado embaixador no reino da Sicília. Após uma breve temporada na Itália, Berkeley virou acompanhante de viagem de George Ashe, um jovem irlandês com deficiência física. A viagem pela Europa duraria quatro anos e quando Berkeley retornou para a Inglaterra, em 1720, publicou o livro “De motu” (Do movimento), no qual rejeitava as ideias de Isaac Newton sobre espaço e tempo absolutos e movimento.
No ano em que retornou a Londres ocorreu uma crise financeira conhecida como South Sea Bubble, uma operação fraudulenta com ações de uma companhia inglesa de negociação de escravos na América do Sul. Esse episódio teve um impacto moral contundente em Berkeley e ele escreveu algumas obras inspiradas no assunto, como “Ensaio para evitar a ruína da Grã-Bretanha” e o poema “Para o Ocidente o curso do Império toma o seu rumo”. O título desse poema viraria o lema dos pioneiros em desbravar o Oeste norte-americano e o nome da cidade de Berkeley na Califórnia é uma homenagem ao filósofo.
Berkeley estava realmente convencido de que o futuro estava na América e não na Europa. Ele tentou pôr em pé um projeto de construir uma faculdade nas Bermudas. Para isso foi atrás de recursos e conseguiu que o Parlamento britânico aprovasse uma ajuda de 20 mil libras esterlinas. Na mesma época, ele recebeu uma inesperada herança de três mil libras esterlinas de uma mulher chamada Hester van Homrigh, conhecida como “Vanessa”, que havia sido amante de Jonathan Swift.
Berkeley já era um frequentador assíduo da corte em que a princesa de Gales mantinha encontros filosóficos regulares. Nesse período, ele conheceu Anne Forster, filha do porta-voz do Parlamento irlandês, e eles se casaram em 1728. Com o projeto da faculdade avançando, ele decidiu se mudar para Rhode Island, na costa leste da América. Lá comprou cem acres de terra com o objetivo de transformá-los numa fazenda. Ficou durante três anos na América esperando a liberação da verba para a faculdade, o que não ocorreu. Berkeley retornou então para a Inglaterra.
Nesse retorno, desenvolveu importantes contribuições na matemática, lógica e na filosofia política e econômica. Sua obra “The Querist” (O Indagador), publicada em 1737, despertou um enorme interesse e provavelmente influenciou muitas das ideias de Adam Smith. Foi também nomeado bispo na Irlanda, onde permaneceu por quase todo o resto de sua vida com uma intensa atuação social.
Com quase 70 anos de idade, ele decidiu mudar-se com sua família para Oxford, com o intuito de estudar na Christ Church. Cinco meses após chegar a Oxford, em 14 de janeiro de 1753, Berkley morreu enquanto sua filha lia um sermão para ele.
25.8.10
Biografia de Berkeley
Tratado sobre os princípios do conhecimento humano
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