8.8.10

Nabuco e os abolicionistas ingleses

Tal como Abraão Lincoln antes dele, Joaquim Nabuco entendia que a luta contra o regime escravista não era um batalha local a ser travada apenas com os recursos da opinião interna. Tratava-se de algo bem mais profundo: a expansão da civilização e a evolução da humanidade para planos superiores. Algo absolutamente incompatível de coexistir com o sistema escravista. Enquanto o Brasil mantivesse um só escravo estava fora do circulo das nações progressistas e adiantadas do mundo.

Convertendo-se ao abolicionismo

O jovem Joaquim Nabuco

O gosto pelo abolicionismo não era estranho a Joaquim Nabuco, filho exemplar de uma família da alta fidalguia de Pernambuco. Seu pai, o senador José Thomas Nabuco de Araújo, quando assumira o Ministério da Justiça (entre 1853-57) celebrizara-se por reprimir as práticas remanescentes do tráfico de escravos que teimava sobreviver apesar da Lei Eusébio de Queirós (aprovadas em 1850 e que proibiram o tráfico negreiro), assim como fora um dos mentores da Lei do Ventre Livre promulgada em 1871.

Todavia, o jovem Nabuco, eleito para o parlamento do Rio de Janeiro ainda não se sentira tocado pela grande causa até que lhe chegou ao conhecimento a situação dos escravos mantidos por uma empresa inglesa que atuava em Minas Gerais: a St. John Del Rey Mining Co, que explorava um veio no Morro Velho. Segundo fora apurado ela se comprometera em dar a manumissão aos negros após 14 anos de trabalho. O prazo já havia vencido sete anos antes, mas a mineradora continuava mantendo-os em cativeiro.

Para sorte de Nabuco, seu discurso chegou ao conhecimento da British Anti-Slavery Society, instituição filantrópica inglesa que existia desde 1823, e que fora refundada em 1839 para fiscalizar o cumprimento da Anti-Slavery Act, lei parlamentar de 1833 que proibira a continuidade da escravidão na maior parte do Império Britânico. Não tardou para que o parlamentar brasileiro recebesse uma efusiva carta de apoio do secretário da instituição Charles H. Allen, datada de 9 de janeiro de 1880. Correspondência que deu início a estreita relação que desde então se estabeleceu entre Nabuco e os abolicionistas britânicos.

Como resultado concreto daquela demonstração de simpatia, Nabuco (que viria a se tornar um dos maiores intelectuais brasileiros de todos os tempos) encorajou-se para fundar em 1880 algo equivalente no Brasil: a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, da qual se tornou presidente enquanto o famoso André Rebouças, outro militante abolicionista, assumiu-lhe a tesouraria.

Percebeu, talvez com mais profundidade do que a maioria dos outros militantes da causa, a necessidade de mobilizar a opinião publica internacional esclarecida para pelo menos constranger os que desejavam manter no Brasil as coisas como estavam, isto é, a elite política monárquico-escravagista que dominava a maioria das composições dos gabinetes governamentais durante o II Reinado.

A estratégia dos abolicionistas

Nabuco não somente ganhou suporte internacional para sua causa, mas também adotou a estratégia de ação da Anti-Slavery britânica que advogava o caminho da ¿permeation¿, da persuasão, e não da força ou da revolução para superar a ¿questão servil¿. A Anti-Slavery era pacifista, convicta de que apelando diretamente para a consciência cristã dos que viviam ou tinham lucros com o negócio de escravos finalmente se convencessem da desumanidade daquilo e abandonassem aquelas práticas infames. Na lógica da adoção deste caminho, Nabuco que trocou mais de cem cartas com a instituição britânica, entre 1880 e 1889, jamais se imaginou colocando-se nas portas das senzalas a conclamar a escravaria à fuga ou à revolta sangrenta. Tudo poderia ser resolvido no parlamento, na luta política entre os abolicionistas e os escravagistas até que estes, finalmente convencidos, se dessem por vencidos e aprovassem as leis libertárias. Enquanto isto não se dava ele municiava a imprensa britânica com dados e detalhes das misérias da escravidão brasileira. Acusaram-no de antipatriota por isto.

Inserir o Brasil na civilização

Reunião da Anti-slavery soceity ( 1844)

A luta dos britânicos contra a existência da escravidão no Brasil remontava à chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808. Desde aquela época os senhores de escravos brasileiros conseguiram protelar ao máximo as leis abolicionistas. Somente em 1850 proibiu-se o tráfico negreiro, levando-se mais dez anos depois para aprovar-se a Lei Sexagenária (que libertava os escravos velhos) e mais de vinte anos daquela para fazer a Lei do Ventre Livre passar (1871). Nabuco entendia que - desde que a escravidão fora abolida na maioria dos países e dos império ocidentais - o destino do Brasil não podia ser a marginalidade perpétua. Era preciso pensar no futuro. E neste horizonte que descortinava, bem mais amplo do que os limites das fazendas do interior do país, não se via mais a possibilidade da sobrevivência do trabalho servil.

Era, acima de tudo, uma questão de inserção na civilização e para adentrar nas suas portas as nações adiantadas exigiam a decretação do fim da exploração servil. Por conseguinte, longe dele se ver como um traidor, um antipatriota, como os escravagistas o acusavam, ele se considerava o maior dos patriotas por querer elevar o patamar do Brasil à altura dos grandes países ocidentais.

O nacionalismo que muitos senhores de engenho e de terras de cafezais diziam defender na verdade era um localismo obscurantista, a negação teimosa deles em fazer parte de um mundo melhor, dominado pela liberdade e pelo trabalho assalariado.

Em estudo recentemente editado por Antônio Penalves Rocha ele demonstra que o envolvimento de Nabuco com a causa arrefeceu a partir de 1884 em razão da radicalização que o Movimento Abolicionista assumiu. A política de sistemática postergação adotada pelos políticos do império exasperava a juventude brasileira engajada como também os escalões da oficialidade de inclinação republicana. Nabuco, todavia, mantinha-se monarquista, acreditando poder convencer D.Pedro II a ser ¿ o nosso Lincoln¿ e entrar na história como o emancipador dos escravos tal como se consagrara o presidente dos Estados Unidos com a aprovação da XIII Emenda, de 1863. Todavia, no dia em que a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, no 13 de maio de 1888, Nabuco estava ao seu lado, crente que o gesto magnânimo salvava a monarquia. Na verdade, ao emancipar o braço negro, ela assinou a sentença de morte do trono visto que ele estava firmemente assentado sobre a escravidão.

Bibliografia
Bethell, Leslie - Murilo de Carvalho, José - Joaquim Nabuco e os abolicionistas britânicos. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008.
Nabuco, Joaquim - Minha Formação. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1976.
Nabuco, Joaquim - O Abolicionismo.Brasília: UnB, 2003.
Rocha, Antônio Penalves - Abolicionistas ingleses e brasileiros. São Paulo: UNESP, 2009.
Salles, Ricardo - Nabuco, pensador do império. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002.

Fonte: Terra.com.br