25.8.10

O Nazismo contra o Modernismo

VOLTAIRE SCHILLING

Auto-retrato como soldado (Ernst L. Kirchner 1915) Foto: Reprodução

Auto-retrato como soldado (Ernst L. Kirchner 1915)
Foto: Reprodução

Durante o Congresso do Partido Nazista em Nüremberg, em 1933, Hitler citou a si próprio utilizando-se de uma passagem do Mein Kampf referente à opinião que tinha sobre a arte contemporânea. Considerava-a obra de loucos e degenerados, parecer não muito distante do público comum perante os experimentos estéticos dos cubistas e dos expressionistas que vinham desde o período anterior à Grande Guerra de 1914-1918. Era o começo de uma guerra contra o Modernismo.

Rosemberg entra em ação
Walter Laqueur, estudioso da cultura alemã daquela época, indica que os nazistas não tiveram inicialmente participação muito ativa nas polêmicas sobre a arte e a estética moderna que inundavam as revistas e semanários alemães dos anos vinte. Todavia isto não demorou a mudar.

Foi devido à atuação pessoal de Alfred Rosenberg, o ideólogo oficial do partido nazista, que a luta contra o modernismo se materializou. Em 1927, ele publicou uma série de ensaios no jornal Völkische Beobachter sob o título geral de "Der Sumpf" (O pântano), em que acusava a estética do seu tempo de ser uma doença da alma, do desequilíbrio, da alienação, do resultado do capitalismo (dominado pelo mamonismo, isto é, pelo dinheirismo) em conjugação com o coletivismo, a cultura de massas manobrada por comunistas.

Tratava-se, segundo ele, de retirar as críticas à arte moderna feitas em nichos intelectuais reacionários ou elitistas e transformá-la numa luta. Em vista de tal propósito, Alfred Rosenberg associou-se, em 1928, a Paul Schultze-Naumburg, pintor e arquiteto, para lançar-se numa campanha organizada contra a chamada Entartete kunst, a "arte degenerada", no periódico Weltkampf.

Em 1929, os dois aliaram-se para estruturar a Kampfbund für Deutsche Kultur, a Liga para a Defesa da Cultura Alemã, que seria um instrumento de combate do partido nazista e voltado contra a arte do seu tempo, contra o que chamavam de Kulturbolchevismus, a cultura bolchevista.

Fixaram então os motivos para uma aberta condenação ao movimento estético que predominava até então na Cultura de Weimar: em Emil Nolde denunciaram ser sua obra uma aberta blasfêmia contra Deus; na de Otto Dix viram uma apologia pacifista-marxista; em Max Beckmann, recriminaram-no por retratar a vida dos bordéis e outras casas suspeitas, condenando sua imoralidade; em Paul Gauguin viram uma posição simpática às raças inferiores; em Ernst Ludwig Kirchner criticaram o favorecimentos ao trafico humano e sintomas de doença neuro-psíquica; na arte abstrata em geral, viram um comportamento embotado, além de ser uma arte feita por gente de raça inferior ( judeus, ciganos, eslavos, etc.).

Pode-se dizer que poucas vezes na história da cultura, a arte foi objeto de tanta polêmica, ódio e difamação como durante os anos vinte e trinta na Alemanha. Parte deste destempero deveu-se aos próprios artistas que, desde os tempos do futurismo não paravam de lançar manifestos arrogantes em que insultavam o mau gosto da gente comum e jogavam no opróbrio aqueles que se lhes opunham ou simplesmente não os entendiam, englobando-os todos sobre a palavra infamante de "filisteus".

Em 1911, Vassily Kandinsky, em seu tratado Über das geistige in der Kunst, (Sobre o espiritual na arte), afirmou que as grandes realizações da pintura da vanguarda tinham o status de gestos simbólicos de liberação universal e atendiam as necessidades espirituais de uma humanidade pressionada pelas exigências excessivas de uma era materialista. Alertou para a existência de uma "mão negra", o mal, o princípio negativo, que procurava limitar a liberdade dos artistas com seu espírito medíocre e conservador. A isto contrapunha o "raio branco", o espírito livre, construtivo, capaz de sozinho demolir os preconceitos dos reacionários e do público medíocre em geral contra as inovações apresentadas pelos vanguardistas.

A tragédia que se abateu sobre a arte moderna alemã (e de certo modo sobre parte considerável da arte moderna de outros países) foi que ela se difundiu num momento de desgraça nacional. A estreita relação histórica entre sua complexidade, abstração, niilismo, deformação propositada, com a decadência socioeconômica ocorrida na Alemanha depois de 1918 e o clima negativista que pairou sobre o país derrotado na Grande Guerra foi-lhe fatal. A catástrofe e o Movimento Modernista pareciam andar de mãos dadas. Ela passou a ser vítima dos ataques de extremistas ultranacionalistas que denunciaram suas tortuosidades e inquietações como responsáveis pelo ar derrotista e pessimista que passou a imperar entre os meios culturais alemães nos anos vinte.

Em pouco tempo os grandes nomes da inovação estética dos começos do século XX, tais como Ernst Nolde, Ernst Ludwig Kirchner, Max Beckmann, Franc Marc, Oskar Kokoschka, Lyonel Feininger, Paul Klee, Otto Dix, George Grosz e Vassily Kandinsky, entraram na lista daqueles a serem ideologicamente execrados.

Os artistas, estavam numa situação deveras perigosa. Ao afirmarem enfaticamente o primado expressionista, cujo princípio básico era a pureza dos sentimentos sobre todo o resto, terminavam por retratar em seus quadros e gravuras uma sociedade dilacerada, desmoralizada pelos efeitos punitivos do Tratado de Versalhes, atormentada pela inflação e depressão econômica e por violentas convulsões políticas (como a rebelião espartaquista de 1919, o putsch Kapp, de 1920, e o levante nazista de 1923, em Munique, demonstravam). Não havia nada de belo a ser levado em consideração, ou que fosse digno de merecer uma visão otimista na Alemanha no tempo deles.

Nas ruas de Berlim, Hamburgo , Frankfurt, e de tantas outras, espalhavam-se os mendigos, os mutilados, os desempregados, os deserdados e desamparados de uma guerra em que a nação, outrora orgulhosa, resultara vencida.. Ao serem fiéis aos seus sentimentos e honestos na sua maneira de olhar a realidade circundante, mostrando aos alemães uma pátria deformada e dissoluta, os artistas atraíram para si o rancor dos extremistas da direita que os acusaram de produzir uma arte Volksverbunde (inacessível ao povo). As cores predominantes deles eram o preto e o cinza. O líder nazista os estigmatizou por isso. Para Hitler, os modernistas ou eram loucos ou charlatães:

"Se cada coisa a que deram à luz foi resultado de uma experiência interior, então eles são um perigo público e devem ficar sob supervisão médica ... se era pura especulação, então deviam estar numa instituição apropriada para o engano e a fraude", disse ele.

ADOLF HITLER, sobre o artista moderno, 1933

As exigências ideológicas
Outros elementos, por igual, pesaram na perseguição que se desencadeou sobre eles. Nunca como até então as ideologias que irromperam no após Primeira Guerra Mundial utilizaram-se tão abertamente da arte para atingir seus objetivos políticos. Vivia-se na época da polit-art, quando a arte foi partidariamente aparelhada, transformando-se em instrumento de uma monumental propaganda política, ocorrendo à restauração do naturalismo idealizado como a forma mais adequada e ajustada a serviço da política de estado.

Esperava-se do artista que, ao invés de concentrar-se em abstrações complicadas, descrevesse um mundo idílico, clássico, radioso, virtuoso, que imperaria no futuro não muito distante, desde que grande causa, fosse ela qual fosse, vencesse as suas rivais. Havia um imenso abismo entre os expoentes máximos da arte de vanguarda daquela época e as ambições estéticas feitas pelas ideologias dominantes em vários estados europeus nos anos vinte e trinta.(*)

A consagração histórica daqueles que foram então perseguidos, todavia, terminou se dando por meios transversos. Para afirmar a magnitude da arte nacional-socialista sobre a cultura "degenerada", Hitler orientou Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda e Cultura do Reich, que realizasse uma exposição concorrente na recém inaugurada Haus der Deutschen Kunst, em Munique, em julho de 1937. O desejo do Führer era confrontar a ¿arte verdadeiramente alemã¿ com a ¿arte degenerada¿ para destacar o processo de purificação que ele desencadeara na Alemanha desde sua ascensão em 1933. Ocorre que nos dias de hoje praticamente nenhum daqueles artistas que se tornaram obedientes soldados da estética nacional-socialista são lembrados, ocorrendo o contrário com aqueles que os nazistas perseguiram ou desterraram. Os nomes de Kokochka, Marc, Kandinsky , Klee, e tantos outros, tidos como degenerados, foram universalmente consagrados no transcorrer do século XX.

(*) A posição dos comunistas soviéticos e alemães em relação às vanguardas artísticas ou ao Movimento Expressionistas não era um tanto diferentes das dos nazistas. Em 1938, pelas páginas do periódico Die Wort (A Palavra), jornal editado em alemão em Moscou, G.Lukács,crítico eminentes e grão-sacerdote da estética stalinista, atacou o expressionismo defendido pelo filósofo Ernst Bloch e seu parceiro Hanns Eisler,exilados nos Estados Unidos, considerando-o anti-realista e, portanto, contra os princípios progressistas do Realismo Socialista (desde 1934 política cultura oficial da Rússia Stalinista). Anna Seghers, romancista comunistas não-dogmática, mulher culta, enfrentou Lukács por carta, remitida em 29 de julho de 1938, questionando-lhe os conceitos de ¿decadência¿ e mesmo de ¿realismo¿, defendendo a pluralidade artística como a mais adequada para expressar a época em que se vive (ver Essays über Realismus de G. Lukács). Alexander Abusch, um dirigente comunista, por sua vez, foi muito claro em afirmar que a defesa que faziam dos artistas perseguidos pelos nazistas não significava nenhum voto de simpatia do partido em favor do expressionismo ou das vanguardas em geral.

Bibliografia
Backes, Klaus: Hitler und die bildenden Künste. Kulturverständnis und Kunstpolitik im Dritten Reich. Colônia: Verlag Dumont, 1988

Haffmann, Werner ¿ Banned and Persecuted: dictatorship of Art under Hitler.Colônia; DuMont Buchverlag,1986.

Kandinski, Vassily ¿ Do espiritual na Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Laqueur, Walter - Weimar, a Cultural History, 1918-1933, Londres: Weidenfeld and Nicolson, 1974. Laqueur, Walter ¿ Weimar: 1918-1933. Paris. Laffont, 1978. Lukács, Georgy ¿ Materiales sobre el realismo. Barcelona; Ediciones Grijalbo, 1977.

Richard, Lionel ¿ Le nazisme & la culture. Paris: Frnaçois Maspero, 1978.

Fonte: http://www.terra.com.br/portal/