De todas as tropas internacionais da atualidade, certamente uma das menos mencionadas é aquela dos soldados gurcas, verdadeiros "samurais" de nossos dias, secularmente aliados dos ingleses, a quem tratam como verdadeiros amos. AS ORIGENS Os gurcas são de descendência hindu-mongol e vivem nos sopés das montanhas do Himalaia, no Nepal. Seus ancestrais foram as tribos, Raijput e Brahmin, as quais dirigiram-se para fora da India no século XVI. A CORAGEM E A FACA A política expansionista inglesa do século passado previa o uso de tropas nativas dos domínios britânicos, como uma forma de integração militar e, assim, inicialmente guerreiros gurcas selecionados passaram a atuar como mercenários junto a tropas na Índia. Fonte: revista Commando - 1990
Estes pequenos guerreiros de pele marrom notabilizaram-se como uma das mais terríveis tropas de assalto do exército britânico muito mais por sua tenacidade nata do que por eventuais equipamentos que empreguem. Na formação de um combatente gurca, o primeiro princípio a ser incutido em sua mente é a total e irrestrita fidelidade a seu chefe militar: como no Bushido (o código de honra dos samurais), sem um comandante não podem existir os soldados!
Entretanto, o mais fascinante de tudo isto e que - não obstante uma aliança quase centenária entre os gurcas e os ingleses e também uma crescente sofisticação nos equipamentos da guerra moderna que fazem o embate corpo a corpo cada vez menos possível - ainda recentemente na Guerra das Malvinas a simples menção do nome desses pequeninos guerreiros levou terror e pânico aos soldados argentinos.
Mais conhecidos pela estranha faca que portam, os pequenos e bronzeados gurcas são também temidos pelos soldados modernos dada sua filosofia guerreira, a qual abomina completamente qualquer medo relativo ao combate ou a própria morte, desde a mais tenra idade, como ocorre na formação dos samurais.
Embora sejam soldados de infantaria, normalmente lotados em regimentos de fuzileiros dentro do exército inglês, esses soldados de verdadeira elite militar odeiam essa definição: eles apreciam mesmo é serem chamados simplesmente de gurcas, entendendo que este termo já os defina completamente.
Ainda vivendo como tribos, miscigenaram-se com os mongóis dando início a dos Gorhalis, que terminou por conquistar as demais, unindo-as e entrando numa guerra contra pequenos bandos das colinas na área.
Em 1776, Prithwui Narayan, então rei dos gurcas, investiu contra os nepaleses e - após dois anos de guerra - terminou por conquistá-los, iniciando-se aí uma paulatina expansão de domínios. Quando beiraram as fronteiras da India, fatalmente defrontaram-se com a possessão britânica e, após diversas escaramuças, uma guerra oficial foi declarada em 1814.
Após dois anos de brutais combates corpo a corpo, a tenacidade e a galanteria gurca terminaram por contagiar elementos da tropa inglesa. Uma das muitas histórias dessa época conta que, estando ferido por uma bala no queixo, um valente gurca deixado para trás levantou bandeira branca; após os devidos cuidados médicos e a recuperação, o comandante inglês o deixou retornar às suas linhas, pois isto já havia ocorrido de forma contrária recentemente!
Finalmente, com a recuperação de parte do território conquistado, os ingleses sentiram-se à vontade para um acordo de paz com os gurcas, já notórios por terem lutado bravamente embora em inferioridade numérica e de armamento. Assim, o Nepal permaneceu como um reino independente e respeitado, o que culminou com o reconhecimento de sua condição de nação independente apenas em 1923.
Aquela guerra de gurcas contra ingleses produziu uma estranha relação em ambos os lados da contenda, algo tremendamente mais importante do que o simples domínio de terras: revelou uma mútua admiração militar. Os gurcas apaixonaram-se pelos vistosos uniformes britânicos do período, pelas armas sofisticadas e pela organização em combate; os ingleses tinham em alta conta a bravura e galanteria dos pequenos soldados de tez marrom.
Particularmente, um soberano gurca, Bahadur Shah, como grande admirador dos britânicos, encorajou seus soldados a treinarem (e até atuarem) junto a tropas inglesas. Durante o motim de Sepoy, em 1857, quando tropas rebeldes do exército da Índia quase expulsaram os ingleses, esse rei enviou 10.000 homens excepcionalmente treinados em auxílio dos soldados de sua maiestade.
Unidades gurcas atreladas ao exército britânico muitas vezes significaram a diferença entre a derrota e a vitória nos campos de batalha da 1a e 2a Guerra Mundiais. A famosa coragem gurca fez com que - quando a Índia tornou-se independente em 1948 - o alto comando militar Inglês fizesse questão de manter diversos regimentos desses combatentes estacionados em Hong-Kong, lotando-os nos corpos de fuzileiros.
Uma parte dessas tropas, em contra-partida, decidiu integrar-se definitivamente ao exército da Índia, onde ainda são extremamente respeitadas.
Embora atualmente dotados de modemíssimas armas de fogo, os soldados gurcas, quer lotados no exército inglês ou da Índia, não dispensam o treinamento no manuseio das facas "kukri", o qual lhes é ministrado por instrutores habitualmente de idade avançada, cuja técnica foi obtida de ancestrais.
A "kukri" é uma faca de desenho fora do convencional, normalmente de médias para grandes dimensões (cerca de 25 a 40 cm de lâmina), curvada para dentro e, normalmente, forjada a mão. Uma sólida empunhadura de madeira nativa da Índia e mais o fato de que o fio é também curvo, são os principais fatores que intensificam a energia aplicada a golpes com essas facas.
Atualmente considerada pelos próprios gurcas apenas como uma arma de última chance, a faca "kukri" foi no passado o principal instrumento pelo qual essas tropas adquiriram uma aura de terror: esses soldados as utilizavam para, aproximando-se silenciosamente de seus inimigos, deceparem-lhe a veia jugular, causando morte quase imediata. No corpo a corpo, a faca era empunhada com a ponta para cima, possibilitando assim terríveis e mortais golpes nos inimigos.
Uma das ações militares gurcas que ficaram registradas nos anais da Segunda Guerra, aconteceu em Tavoleto, sul da Itália. O pequeno vilarejo era estratégico para o avanço dos aliados em solo italiano e era protegido por um forte contingente de soldados alemães e ainda franco-atiradores. Ao primeiro sinal de aproximação de soldados inimigos, os alemães, bem posicionados, os aniquilavam.
Parecia não haver meios de se tomar o vilarejo, até que chegou o 7o Regimento Gurca. O capitão gurca Rai Jitbahader, comandante do 9o Pelotão, na noite de 2 para 3 de setembro de 1944, conseguiu infiltrar toda uma patrulha gurca dentro de Tavoleto. Em poucas horas, ocultos pelas sombras, os gurcas degolaram a maioria dos franco-atiradores e sentinelas alemães. Às 6 horas da manhã do dia 3 de setembro a moral dos soldados alemães estava acabada e as tropas inglesas tomaram o lugar. Esse episódio ficou conhecido como "A noite do horror"...
Em 1982, na chamada Guerra das Malvinas, os gurcas também participaram, mas apenas para remoção de despojos das tropas inimigas. Mas, mesmo assim, acabaram ajudando na conquista do Monte Willians na batalha final para manter Port Stanley.
Entre os soldados ingleses corre a história - que certamente virará lenda, de que os soldados argentinos ficavam aterrorizados ao ouvir o grito de guerra dos ferozes gurcas: Aio Gurcali!...