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Um passeio pela História da Imprensa: O espaço público dos grunhidos ao ciberespaço

Um passeio pela História da Imprensa:

O espaço público dos grunhidos ao ciberespaço[1]

A tour through Media History: the public space from primal grunts to cyberspace

Patricia Bandeira de Melo

Pesquisadora assistente da Fundação Joaquim Nabuco

Doutoranda em Sociologia e Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco

E-mail: patricia.melo@fundaj.gov.br

Resumo

Este artigo tem como objetivo fazer uma retrospectiva histórica de evolução da comunicação na civilização humana até a chegada das novas tecnologias, visando a discutir o novo espaço público em formação na era nas inovações que atingem a mídia. Com isso, tratamos desde os primórdios do espaço público, quando as relações humanas se davam de forma direta, até o novo(ciber) espaço criado pelos avanços das novas tecnologias midiáticas, mediador das relações na atualidade. Na era atual, mostramos como a comunicação é contaminada pela hegemonia cultural, ressaltando como isso ocorreu desde a origem da história do homem e, especialmente, na história da imprensa no Brasil.

Palavras-chave: história da comunicação, novas tecnologias, espaço-público.

Abstract

This article shows a historical retrospective about the communication evolution in human civilization until the arrival of new technologies, generating discussions about the ever increasing public space that in this age of innovations is shaping the media. Based on this, a study is made from the early days of the public space, when human relations were made in a direct basis until the cyberspace created by the ever growing new tecnologies throughou the media, as a mediator in the actual relationships betweem people. It shows how the media is influenced by the cultural hegemony and how it has been happening since the beginning of the human history, especially in the Brazilian media history.

Keywords: communication history, new technologies and public space.

Dos primeiros sons ao alfabeto

Comunicar é fazer uma transação, negociar para se estender. Os discursos são práticas sociais historicamente datadas, ou seja, são compreendidos dentro do contexto sociocultural em que se dão. Dessa forma, a comunicação passeou pela história humana: olfato, tato, visão, audição, na pré-história, e depois rosnados, gritos, posturas físicas, linguagens corporais. Com o desenvolvimento social em grupo, o homem precisou dar nomes aos objetos. Os sons surgiram para isso. Em seguida, chegaram o alfabeto e a escrita, para perpetuar a comunicação.

O alfabeto, que permitiu a construção na história, foi uma conquista de muitas sociedades: Índia, China, Coréia, Japão, Mesopotâmia, Egito, regiões da Europa e dos povos maias e astecas. Na Mesopotâmia, a escrita – ou a transcrição da língua falada – surgiu de início com a pictografia, que representava, pela associação de palavras, um objeto ou um ser. Essa associação exigiu do homem a capacidade de interpretar o signo para além do concreto, entrando numa realidade abstrata. Assim, a escrita se afastou da imagem e se associou a uma representação analógica dos objetos. Para melhor exercer a comunicação, o homem chegou ao alfabeto, à escrita, que são o suporte estável da comunicação. Afinal, é a forma mais eficaz, duradoura e decifrável da mensagem, o que não ocorria antes com o som, o fogo ou, simplesmente, com a memória. A chegada à escrita é um processo resultante de fatores econômicos, como um sistema de controle e de contabilidade dos bens trocados.

De acordo com o conceito de Habermas, espaço público, ou esfera pública, é o local “onde se formam as opiniões e as decisões políticas e onde se legitima o exercício do poder” (SOUSA, 2003, 51). Estudar a formação da linguagem e aquisição da escrita nos ajuda a entender como o homem chegou ao exercício da democracia e à capacidade de expor idéias em público, como ocorria já na sociedade ateniense, quando os cidadãos participavam do processo de discussão política, troca de informações e de opiniões em plena rua, em pregações e debates. Assim, deu-se a evolução da comunicação: dos sons à discussão no espaço público. Hoje, esse espaço se deslocou: de início, para a imprensa escrita, e em seguida para o rádio, a TV e a Internet. Os debates, antes nas ruas, passam a ser mediados pela imprensa.

O espaço público como espaço para as idéias

O surgimento da esfera pública como espaço para a burguesia discutir, entre si, assuntos relacionados à sociedade civil e ao Estado abriu caminho para uma informação mais especializada, exigindo novas formas para a exposição de idéias. Somente no século XV foi produzido o papel maleável, permitindo a impressão de livros de forma prática. Porém, apenas em 1840 o papel passou a ser produzido de resina das árvores, reduzindo o problema da escassez de material para sua produção. O papel é fundamental par o início da produção de textos e da comunicação impressa, para romper com o estado de segredo de informações, antes controladas pelo o Estado e pela Igreja. O espaço público gerou uma demanda pela a troca de informações, intensificada cada vez mais pelo acesso da população à leitura e à escrita. A viabilização do papel foi o que permitiu uma outra descoberta, o tipógrafo. A produção da cultura foi acelerada pelo uso do papel e pela impressão em larga escala. Para Thompson, “os meios de comunicação são rodas de fiar no mundo moderno e, ao usar estes meios, os seres humanos fabricam teias de significação para si mesmos” (THOMPSON, 1998, 20).

A reprodução de textos teve início com os copistas e os escribas, que, com o desenvolvimento da escrita, do pergaminho e do papel, puderam fazer cópias de textos religiosos, literários e filosóficos. Até a Idade Média, as informações eram restritas e controladas, mas com o ciclo das navegações e a expansão da atividade comercial, a partir do século XIII, veio a troca de mercadorias e também de informações. O crescimento econômico da época favoreceu o acesso à alfabetização, reduzindo cada vez mais a necessidade de que textos fossem lidos em público para a população iletrada.

Segundo Habermas (HABERMAS, 1984, apud SOUZA, 2003), o espaço público surgiu no seio da democracia ateniense, mas foi no século XVIII que o conceito se firmou na versão da era moderna. Se, de início, o espaço público era o local das discussões políticas, da formação de opiniões e da legitimação do poder, com a imprensa ocorreu o deslocamento desse espaço para os jornais. A imprensa foi a primeira instância mediadora do espaço público, antes concretizado pelos debates em clubes, ruas e praças. No entanto, como os meios de comunicação não atendem a todos os segmentos sociais que desejam ou tentam participar do debate estabelecido na mídia, os grupos excluídos da esfera midiática são, por conseqüência, excluídos do espaço público. Ou seja, a imprensa favoreceu a “privatização do espaço público”. Porém, é interessante observar que sempre houve e possivelmente sempre haverá excluídos do espaço público, aqueles que por alguma razão não estiveram aptos a discutir e polemizar, seja por razões econômicas ou educacionais.

O livro e a imprensa, os novos condutores do pensamento

A máquina impressora foi um divisor de água, permitindo a reprodução de informações em escala e velocidade consideradas impossíveis para a época. Em 1452 (essa data varia de acordo com a fonte consultada), Gutenberg imprimiu a Bíblia de 42 linhas. Foi o aprimoramento do comércio entre Europa e Ásia que favoreceu o desenvolvimento da tecnologia gráfica. Os tipos de metal surgiram na Coréia, em 1390, e os de cerâmica são de dois séculos antes, na China. Observa-se que a visão teocêntrica do mundo vai sendo substituída pela visão antropocêntrica, como destaca Sousa (2003). Segundo ele, o que detonou a explosão da comunicação foram os grandes descobrimentos, o crescimento do comércio e a invenção da tipografia.

Gutenberg foi o responsável pela criação dos tipos móveis, com capacidade de impressão em papel, com uma tinta fabricada por ele. Uma série de obras começou a ser impressa, lançando também as bases para a publicidade impressa. Para Giovannini (1987, 111), “o livro, com tudo aquilo que contém, envolve interesses jurídicos, econômicos e comerciais, tanto mais relevante quanto mais se desenvolve o seu potencial de difusão popular”. É interessante observar que o livro passou a ser o novo fio condutor das idéias. Filósofos, intelectuais e poetas passaram a expressar seus pensamentos em livros, fazendo suas idéias circularem na sociedade de forma mediada.

Surgiram as primeiras impressões sobre a humanidade: as gazetas, com informações úteis sobre atualidade; os pasquins, folhetos com notícias sobre desgraças alheias; e os libelos, folhas de caráter opinativo. A combinação desses três tipos de impressos resultou, no século XVII, no jornalismo. O papel da imprensa periódica, na emergência da esfera pública, revestiu-se de importância especial. O aparecimento dos jornais no final do século XVII e princípios do século XVIII fomentou um novo espaço público para o debate. De início, esses jornais eram dedicados a assuntos literários e culturais, mas a temática foi se alargando para questões de interesse social e político. Gerou-se uma demanda por essas informações, pois o público queria entender e participar do processo decisório das instâncias de poder. Nesse novo espaço público, a sociedade começou a obrigar o poder a justificar-se perante a opinião pública.

O surgimento da imprensa foi, segundo Sousa (2003), o primeiro passo para a democratização da cultura, mesmo tendo desencadeado a estandardização e a simplificação das mensagens. Antes da indústria da comunicação, compreensão do tempo passado e de lugares distantes se fazia por pessoas que mantiveram contato com essas realidades. Com a imprensa, a história passou a ser contada de forma mediada. Segundo Thompson (1998,38), “nosso sentido de passado e de como ele nos alcança se torna cada vez mais dependente da expansão crescente de um reservatório de formas simbólicas mediadas”.

Somente por meio dos livros, jornais, filmes e propagandas de rádio e TV vai se tornando possível o contato mediado com a história, mesmo a história recente. Livros, jornais e revistas transformam a civilização, promovendo a mudança da esfera pública e da cultura. As mudanças político-sociais são creditadas à circulação de impressos, o que favoreceu a Revolução Francesa e ascensão da burguesia.Os filósofos da época – Voltaire, Montesquieu e Rousseau – eram entusiastas da divulgação e da trocas de idéias. Formalizou-se o conceito de enciclopédia, que propunha reunir os conhecimentos acumulados naquele período.

Para Breton e Proulx (2002) e Giovannini (1987), não é tão evidente que a imprensa tenha sido a causa das grandes mudanças sociais. Segundo os dois primeiros autores, as idéias renascentistas que favoreceram as revoluções são anteriores às técnicas tipográficas e contribuíram para o processo mecânico de reprodução de textos. Antes da tipografia, os livros manuscritos já geravam tanto interesse que algumas obras chegaram a ser copiadas em até 400 exemplares, manualmente, para atender às encomendas. Ou seja, a imprensa mecânica veio dar solução a essa grande demanda. Giovannini destaca que não sabe se foi a impressão tipográfica que promoveu o Renascimento ou se foi a corrente cultural que favoreceu a imprensa. O que é certo afirmar é que a circulação de idéias em grandes escala estava presente durante as grandes mudanças sociais.

O sucesso da imprensa e o processo de industrialização

Segundo Sousa (2003), o sucesso da imprensa se deveu ao aperfeiçoamento contínuo das técnicas de tipografia, à diminuição dos custos e ao aumento das tiragens (que estimulou a leitura), ao incentivo à instrução e ao gosto de ler, motivado por livros, revistas e jornais, e ao aumento da curiosidade e da vontade de adquirir conhecimento sobre assuntos do mundo em geral. A arte de contar histórias, características do jornalismo, embora datada do século XVII, sempre existiu ao longo da evolução humana.

A partir da invenção da escrita, as cartas se tornaram a principal fonte de informações entre as pessoas, numa fase anterior à tipografia. Já na Idade Média, as crônicas narravam fatos importantes e eram enviadas aos nobres e às personalidades importantes. Em seguida, surgiram na Europa as folhas volantes e as gazetas manuscritas, narrando tanto fatos verdadeiros como fantasiosos. Já no século XV, surgiu uma variedade de folhetos informativos, polêmicos, descrevendo eventos particulares, desastres naturais, relações sensacionalistas ou fenômenos sobrenaturais. De publicação avulsa e irregular, esse impressos eram vendidos nas ruas como uma grande fonte de informação sobre os acontecimentos da época.

A regularidade das publicações aconteceu a partir da segunda metade do século XVI, mas a origem dos jornais modernos está situada nas duas primeiras décadas do século XVII, quando as notícias passaram a ter mais confiabilidade. Verifica-se que a origem do jornal é registrada em vários países, em curtos períodos de tempo: Inglaterra, França e Alemanha e, posteriormente, Estados Unidos. De início, o investimento para editar um jornal era pequeno, a redação contava com duas ou três pessoas, e os leitores pagavam pelo papel e pela tinta gasta na impressão e ajudavam a compor o capital do jornal para favorecer a sua circulação.

Outro fato importante para a evolução do jornalismo foi a industrialização. A mecanização tornou o processo de impressão mais rápido, barato e dinâmico, o que motivou o aumento do público leitor. No século XIX, têm início as primeiras inovações nos jornais. Nos EUA, o progresso da imprensa possibilitou a popularização do jornal sensacionalista, expondo na primeira página imagens e notícias de caráter extremamente violento. Os jornais norte-americanos já eram, as histórias em quadrinhos – seção humorística de grande sucesso até hoje.

O crescimento da imprensa americana era dificultado pelo tamanho do país. A solução para o problema foi a criação de cadeias – agências que estendiam informações locais em nível nacional. As cadeias levavam ao controle de centenas de jornais, mas a crise economia nacional e prejudicou essa sistemática. Surgiu, em seguida, o jornal tablóide, produzido com a metade do tamanho do jornal padrão e com menor número de páginas.

Na Inglaterra, a imprensa partiu para a inclusão de assuntos variados, para atender a um público maior. Esportes, entretenimento, manchetes de primeira página já estavam no novo modelo inglês de jornal. Já na França, após o processo de industrialização, os veículos se manifestavam em várias tendências, estilos e orientações, identificando jornais de esquerda, de centro e de direita, além de jornais religiosos e monarquistas. Na II Grande Guerra, os jornais já dividiam o espaço com o rádio e a televisão, o que gerou novas alterações na forma de fazer jornal. A publicidade passa a ocupar de modo permanente as páginas dos jornais, de forma a garantir a sua subsistência econômica.

Imprensa opinativa ou ideológica, imprensa popular e imprensa de referência

O jornalismo é a atividade de divulgar informações voltadas para o público, de forma mediada, periódica e organizada. À luz da democracia, o jornalismo tem como missão vigiar e controlar o Estado e as organizações privadas de interesse público. Por te sua atuação delegada pela sociedade – que transferiu para a imprensa o papel de “dialogar” com o poder -, o jornalismo tem que se legitimar continuamente a partir de suas práticas. Ou seja, para que sua existência tenha sentido, precisa fortalecer o suporte de apoio social que o justifica. O jornalismo impresso foi a primeira forma de expressão organizada da comunicação social. Em seguida, o processo de evolução industrial e eletrônica produziu o radiojornalismo, o telejornalismo, o ciberjornalismo.

No início do século XIX, a imprensa que dominava era a opinativa ou ideológica, ou seja, a imprensa de partido. Esse tipo de jornalismo imperava em virtude do aumento crescente do nível de politização da população e, ao mesmo tempo, da falta de matéria-prima para a produção de notícias factuais, além do baixo índice de alfabetização de grande parte da sociedade. A partir dos anos 30 do mesmo século, nos Estados Unidos, surgiram os primeiros jornais mais factuais e menos opinativos, ou seja, as notícias saíram do meio meramente econômico, político e bélico e ingressaram nos fatos do cotidiano da sociedade, dando origem às notícias de interesse humano. De acordo com Sousa (2003), o que contribuiu para essa mudança no perfil dos jornais foi o fortalecimento da alfabetização, a concentração das pessoas nas cidades (com a conseqüente urbanização), o aumento do poder aquisitivo, a mudança do conceito de jornal de partido para o de jornal-empresa (com vista aos lucros), os novos valores sociais e o progresso tecnológico das formas de impressão, permitindo aumento das tiragens e redução dos preços dos jornais. Nessa fase,a formatação dos textos jornalísticos começou a ser feita a partir da fórmula de pirâmide invertida. Essa formatação surgiu em decorrência do uso do telégrafo, que exigia economia de linguagem, por conta do custo da ligação e devido aos cortes comuns durante a transmissão.

No fim do século XIX, a segunda geração da imprensa popular se estruturou. Os jornais ficaram mais baratos e direcionados para a população. Os donos de jornal passaram a focar seus objetivos nos lucros, dando abertura ao surgimento do jornalismo não só noticioso e factual, mas sensacionalista. Surgiram novas regras, como a utilização de gráficos e fotografias. Nessa fase, o sensacionalismo permaneceu, chamado de jornalismo amarelo ou marrom, com fatos inventados e divulgados, mesmo que depois fossem seguidos de um desmentido. Esse perfil de imprensa se caracterizou pelo tratamento emocional dado a um assunto que, construído com vistas à sua comercialização pelo veículo, não se poupava de mentiras eventuais.

Nesse meio tempo, estabeleceu-se a imprensa de referência, somando qualidades da imprensa opinativa e da imprensa popular: rigor, exatidão, sobriedade gráfica e de conteúdos, análise e opinião, independência e culto da objetividade. As características da imprensa americana são exportadas para Europa, inicialmente para a Inglaterra. A imprensa evoluiu de modo relativamente homogêneo no Ocidente. De acordo com Sousa (2003), nos século XVII e XVIII, o domínio foi europeu; já a partir do século XIX, passou para os EUA o papel de introduzir inovações no jornalismo.Muito tempo se passou até a chegada dos conceitos que hoje traduzem o jornalismo moderno: publicidade, atualidade, universalidade e periodicidade. A distinção entre notícias e comentários se solidificou, resultando na criação de espaços específicos, em cada veículo, para o jornalismo opinativo e informativo. Com o tempo, a imprensa informativa prevaleceu, ficando o espaço para opinião reduzindo às páginas editoriais.

Da pirâmide invertida à infografia

Após a definição do processo de pirâmide invertida, outra característica adquirida pelo jornalismo foi a formação descritiva de seus textos. Após a I e II Guerra Mundial especificamente em decorrência da I Guerra, quando os jornalistas foram impedidos de ir ao front acompanhar as batalhas – essa tendência determinou uma forma de delegação de informações ao discurso relatado. Isso significa que textos eram elaborados a partir de citações e declarações creditadas às fontes jornalísticas. No período das guerras, sem poder assistir aos episódios da guerra in loco, repórteres narravam fatos creditando-os às suas fontes de informação: segundo disse, de acordo com, como afirma ...

Esse formato textual separou o comentário do fato, tornando o jornalismo mais descritivo do que analítico, situação que foi modificada a partir dos anos 60 do século XX, quando os jornalistas partem para a especialização. O jornalismo de referência caminha, assim, para a análise, contrapondo-se ao modelo descritivo. Na verdade, o jornalismo interpretativo já existia, mas foi de certa forma sufocado pelo processo de censura no período de guerra, com impedimento da presença de jornalistas nos campos de batalha.

Após o processo de pirâmide invertida, nasceu o lide (as clássicas perguntas quem, quê, quando, onde, como e por quê). Somados ao estabelecimento de gêneros textuais - a entrevista, a reportagem, a notícia – a elaboração de uma linguagem específica levou a uma crescente afirmação da autoridade profissional dos jornalistas. Os acontecimentos começaram a ser explicados, simplificados e criticados, como forma de facilitar a sua compreensão pela sociedade, ajudando a legitimar o jornalista como intérprete dos fatos sociais, políticos e econômicos. È quando surge o chamado Segundo Novo Jornalismo, momento em que a imprensa aprofundou investigações, denunciou irregularidades e passou a desconfiar de suas fontes. O jornalista mergulha no ambiente das pessoas a quem consulta, nas histórias e na pesquisa, dando um caráter mais humano e literário à sua produção. Seu papel cresceu no seio da sociedade, tornando-se referência da verdade.

O crescimento de sua função social, porém, não mudou a questão básica que determina o jornalismo: o fato. Esse fato, narrado pelo jornalista, reveste-se de subjetividade. Com isso, somente uma parte de seu todo, a parte escolhida pelo repórter como a de interesse público, vem à tona no texto jornalístico. A seleção é determinada no sentido se que não nos é dado saber tudo, mas sim saber tudo sobre aquilo que se escolheu dar conhecimento, uma atitude de caráter subjetivo.

A censura e a liberdade de imprensa

O crescimento do impresso periódico ocorreu de forma distinta em cada país, mas o jornalismo em geral sofreu rígidos controles do governo, com a censura, impondo leis severas para o seu funcionamento. À medida que os jornais ocupavam a mente de seus leitores, levando-os aos questionamentos e ao debate, gerava no poder central um temor por colocá-lo em xeque. Para manter o controle sobre as publicações, os governos adotavam um sistema de concessão de licenças, destinadas às pessoas de sua confiança.

A Revolução Francesa foi determinante, na Europa, para o estabelecimento do Estado democrático e da ordem social dele decorrente. Além de problemas de ordem tecnológica, um dos motivos da periodicidade irregular de muitas publicações era a vigência da censura prévia na Europa. Além da Igreja, também o Estado absolutista fomentou a censura.

È interessante observar que a liberdade de imprensa não é ilimitada. Ela está sujeita à exigência de um jornalismo responsável e de profissionais com compromissos com a sociedade. Isso porque, como afirma Kunczic, “não se deve esquecer que a batalha pela liberdade de expressar uma opinião não foi a luta pela liberdade de imprensa dos jornalistas, mas sim pelo direito do homem comum de falar o que pensa” (KUNCZIK, 1997,30). Para José Marques de Melo (1985), o jornalismo autêntico com periodicidade regular, contínua e livre, só surge de fato com a ascensão da burguesia ao poder e o fim da censura prévia. De acordo com Nilson Lage (2002), três fatores foram fundamentais para a derrubada da censura: o surgimento de um mercado de massa para os jornais, decorrente do processo de alfabetização crescente, que elevou os trabalhadores à categoria de leitores e formadores de opinião; o desenvolvimento do processo do processo de impressão, que transformou o fazer jornalístico numa indústria; a cobertura dos custos dos jornais pela publicidade, ajudando a firmar ainda mais o conceito de jornal-empresa.

A censura no Brasil

No Brasil, a censura chegou no período do Império e marcou nossa história. Os movimentos militares e a ditadura Vargas em 1937, assim como a ditadura militar de 1964, acabaram por amordaçar os periódicos. Nos oito anos da ditadura Vargas, o jornalismo político foi dizimado. Na ditadura instaurada a partir de 1694, leis foram publicadas para dar justificativa ao controle estatal da comunicação. Primeiro, a Lei de Segurança Nacional, e em seguida o ato institucional n° 5. O Brasil viveu seus piores momentos a partir da década de 1960, quando, com o golpe militar de 1964, a sociedade é submetida ao terror da violência ideológica, física e moral consentida pelo Estado. Após 21 anos, em 1985, saiu o último presidente militar e assumiu o presidente civil José Sarney, depois da eleição indireta de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral do Congresso Nacional para a presidência que nunca assumiria, vítima de uma doença que o levou à morte.

Nos 21 anos de véu negro sobre o País, o Congresso Nacional foi fechado três vezes e os Poderes Judiciário e Legislativo (este reaberto após um período de fechamento e de cassação de vários parlamentares) foram mantidos em funcionamento para salvar as aparências. Em 1970, um decreto-lei do presidente Emílio Garrastazu Médici determinou a censura prévia de periódicos, visando a proibir a publicação de obras que atentassem a moral e os bons costumes. Vícios, casamentos desfeitos e programas de apelo à caridade foram censurados, seja por ferir a moral, seja para que não se mostrassem pessoas defeituosas para o público.

Para reforçar o decreto, o artigo 9 do AI-5 facultou ao presidente da República o recurso de suspender a liberdade de reunião e associação e de censurar correspondência, imprensa, telecomunicações e diversões públicas. Em 1968, é criado o Conselho Superior de Censura. O chamado livro negro da censura é um caderno de capa preta, onde se encontravam organizadas as regras do que podia e do que não podia ser publicado, segundo os censores. A conspiração, porém, foi apoiada pela própria imprensa, que antes do golpe incentivara a saída de Jango, acusando-o de desgovernar o País. A relação que nasceu, a partir do golpe, entre imprensa e poder não durou muito tempo, pois os próprios jornais foram empastelados pelos militares.

O rápido esfacelamento da resistência política de esquerda no Brasil favoreceu o regime militar. Qualquer ordem para definir o que podia e o que não podia constituir informação pública era dada por meio de avisos escritos ou pelo telefone, com vistas ao controle da opinião pública. Assim como na ditadura anterior, de Getúlio Vargas, o Brasil voltou a viver as restrições de liberdade, sem qualquer questionamento mais feroz sobre o golpe. Um Brasil que antes fervilhava com as ligas camponesas e com o presidente populista João Goulart assistia ao silenciamento de vozes importantes do cenário nacional, tanto na música como no teatro, no cinema, na política, nos sindicatos e na imprensa. Muitos foram torturados e mortos e muitas mortes foram divulgadas como suicídio.

Entre 1960 e 1980, vários jornais de oposição à ditadura foram publicados, como O Pasquim, Opinião, Movimento e Em tempo. Nos jornais, a censura de matérias dava espaço à ironia: no local de notícias censuradas eram publicadas receitas de bolo. Carlos Heitor Cony continuou a dizer piadas sobre o golpe ao qual chamava de “quartelada de 1° de abril” ou “a revolução dos caranguejos”. As pessoas morriam, eram torturadas, humilhadas, mas o boom econômico acontecia. Inflação em baixa e o crescimento do Produto Interno Bruto geraram o Milagre Econômico. O exercício do jornalismo foi cerceado com rigor e foi nesse período que a notícia off the Record (quando não se identifica a fonte) ganhou relevo, espaço para informações passadas no anonimato e para versões de fatos que muitas vezes não podiam ser checados. O corte de publicidade oficial nos veículos era uma excelente forma de pressão, pois desestabilizava o jornal economicamente.

Crescimento da imprensa brasileira

A História do Brasil como País “descoberto” por Portugal coincide com o início da História da Imprensa no mundo. Quando os portugueses chegaram ao País, encontraram povos que ainda viviam no período cultural da pedra lascada. Seu trabalho foi, então, de subjugar a cultura indígena, o que ocorreu com a catequese, feita pelos padres jesuítas. Por não haver leitura nem escrita entre os nativos, os portugueses não precisaram expandir o processo de dominação cultural, com a instalação de universidades ou da imprensa, no período colonial. As notícias da colônia eram passadas para Portugal via cartas. O livro, aqui no País, era destinado apenas aos religiosos e só a eles cabia o manuseio, até mesmo porque o analfabetismo impedia qualquer compreensão. As bibliotecas existiam em escolas e mosteiros, não em residências.

Há pouco mais de 500 anos, a chegada dos portugueses foi tratada como a descoberta de um novo mundo. Quando chegaram, porém, não encontraram um enorme “terreno baldio” por ser ocupado: o Brasil era um território habitado por cerca de 6 milhões de habitantes, com culturas diversas e línguas específicas dos mais de 900 povos indígenas (TEXTO BASE DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2002). O discurso sobre a origem do Brasil tem como base, entretanto, a chegada do branco e o processo de catequização dos índios. O discurso que se projetou na época foi “o discurso das descobertas, discurso das conquistas, discurso da dominação” (ORLANDI, 1990,19). Foi o primeiro silenciamento dos índios, quando suas línguas e suas práticas culturais foram suplantadas pela língua portuguesa e pela cultura européia, que dominaram o território brasileiro. Quando começa a nossa história? A mediação promovida pelos portugueses subverteu a idéia de “começo do Brasil”:

“Vale perguntar: A Itália faz aniversário? A França faz aniversário? Os limites no tempo e no espaço são fluidos e indeterminados, sujeitos à dúvida. Neste caso, por que não escolher a data da independência para começar o Brasil?” (ORLANDI,1990,121).

Fica claro que a presença do índio antes de 1500 é tratada como Pré-história do Brasil. O país somente passou a ter história com a chegada dos portugueses: eles são os “fundadores” de nossa cultura e de nosso conhecimento, marcando historicamente o nosso fazer jornalístico. Segundo Sodré (1999), só no fim do século XVIII pareceram as bibliotecas particulares. Mesmo com uma literatura inexpressiva , em virtude do analfabetismo e do controle da corte sobre a colônia brasileira, houve espaço para a sátira verbal e as folhas volantes, para divulgação informal em feiras e portos, o que poderíamos chamar de “espaço público possível”. A Igreja supria a necessidade de informações quando os padres, em seus sermões, davam notícias de fatos relevantes ou conselhos à população. Sob proteção oficial, a imprensa se iniciou no País de forma definitiva, somente a partir de 1808. a iniciativa da corte portuguesa se deveu à vinda de D. João ao Brasil, começando aí a chamada Impressão Régia. No início do século XIX, o surgimento do Correio Braziliense, editado em Londres por Hipólito da Costa, fez nascer a crítica contra o poder régio. Era o único veículo, à época, que mostrava as falhas da administração brasileira.

Ao longo da história, a imprensa brasileira ia se desenvolvendo à medida que a política nacional ia tomando o rumo pós-independência. À época, eram comuns os pasquins, jornais de caráter satírico e difamatório. Com a proclamação da República, a grande imprensa manteve seu crescimento, agora com um pouco mais de prestígio, força e combatividade. Com a censura da corte, os jornais nasciam sempre controlados e, mesmo com a República, a imprensa não assumiu um papel mais evidente e contumaz de se posicionar acerca dos fatos. Sodré ressalta que, mesmo ostentando uma certa independência, os jornais brasileiros optavam por ocupar suas páginas com publicidade, a “empregar sua influência na orientação da opinião pública” (SODRÉ, 1999, 252). No fim do século XIX, uma grande luta pela posse de terras, na Guerra de Canudos, transformou-se na obra Os Sertões, de Euclides da Cunha. O livro foi considerado a primeira grande reportagem do jornalismo brasileiro. João do Rio é outro nome marcante, por favorecer o caráter literário do jornalismo, impondo uma grande fisionomia própria do fazer jornalístico a partir da observação da realidade, somada ao tratamento literário do texto.

A passagem do século XIX para o XX é significativa no mercado jornalístico, por marcar a mudança dos jornais de estrutura simples, operando com oficinas tipográficas, para as empresas jornalísticas dotadas de equipamentos gráficos mais avançados e mais voltadas para o comércio. Começavam a desaparecer as iniciativas isoladas de jornais panfletários, aventuras individuais de poucos. Como empresas, os jornais ficaram em número reduzido, pois os avanços tecnológicos tornaram mais difícil a fundação de um periódico. Com o progresso da indústria, surgiu a classe de trabalhadores e, com ela, uma imprensa voltada si, com pequenos jornais anarquistas e socialistas, a maioria de vida curta. Esses jornais falavam da luta operária e também da I Guerra Mundial, criticando a sua eclosão. A imprensa operária se desenvolveu ao largo da grande imprensa, sob difíceis condições financeiras e políticas. O que tornou a imprensa proletária significativa não foi o seu tamanho: mesmo com circulação reduzida e com poucos recursos materiais, muitas vezes os jornais da pequena imprensa assumiam posições combativas e incomodavam o poder.

O desenvolvimento da parte gráfica dos jornais, com fotos e gráficos, o uso da cor, em contraste ao preto e branco, escondiam, segundo Sodré, uma falha do interior do jornalismo brasileiro: a posição diante dos problemas que noticia. Isso porque um jornal é lido e procurando pelo que expõe, por seu posicionamento, mas no Brasil o crescimento e a valorização da reforma gráfica acabou por escantear o essencial, o seu próprio discurso, que deveria ser esclarecedor, opinativo e capaz de abrir debates sobre as questões nacionais. Cada vez mais difícil adquirir e produzir jornais, o mercado foi se fechando em torno de grandes empresas.Isso também dificultava a liberdade de expressão, restrita aos donos dos grandes negócios da imprensa. A transformação da imprensa em um negócio caro tornou desnecessária a censura, uma vez que as empresas – pela própria condição de mercado, inseridas na economia como qualquer outra – praticam a autocensura naturalmente. Para Sodré, “de instrumento de esclarecimento, a imprensa capitalista se transformou em instrumento de alienação, fugindo inteiramente aos seus fins originários” (SODRÉ, 1999, 408).

Internet

A rede mundial de computadores interligados por linhas telefônicas ou qualquer outro meio permitiu a conexão de milhares de pessoas, em várias partes do mundo, facilitando contatos e trocas de dados. Sua origem foi militar, para permitir o fluxo de informações, e expandiu-se de início no meio acadêmico. Entre os anos de 1968/1969, o governo norte-americano investiu numa rede experimental de computadores, a Arpanet, que interligava universidades e institutos de pesquisas, garantindo acesso livre às informações aos professores e pesquisadores. O objetivo da Arpanet era o compartilhamento de dados e a garantia de sua sobrevivência caso houvesse uma guerra que destruísse grande parte da infra-estrutura do país.

O grande avanço da Internet se deu entre 1993/1994, quando uma rede dedicada à pesquisa acadêmica disponibilizou suas informações, abrindo-se para a sociedade. O sucesso da rede foi garantido pela criação de um programa capaz de realizar pesquisas, o Mosaico, a partir de 1992, além da simplificação dos comandos necessários para navegar na Internet. O crescimento da grande rede sem qualquer controle transformou a Internet na maior rede de comunicação mundial, mas, ao mesmo tempo, colocou uma enorme quantidade de informações à disposição, de forma a dificultar a realização de pesquisas sérias, seja pela qualidade da busca em si, seja pela confiabilidade das informações prestadas.

Em 2000, a ombusdsman da Folha de S. Paulo, Renata Lo Prete, escreveu um artigo sobre a busca de notícias na Internet e a frustação de alguns leitores. Ela criou o caso do retorno de Ronaldinho ao futebol, em Roma, depois se de se recuperar de uma contusão. Ela afirmou que ao procurar novidades na Internet, o leitor “encontrou menos conteúdo do que a propaganda do novo meio permitia esperar” (LO PRETE apud MORETZSOHN, 2002, 133). Segundo Lo Prete, as fontes básicas do noticiário da Internet eram as agências internacionais de notícias e a “rapinagem” de informações divulgadas pela televisão, e pelo rádio, e entre os próprios sites. A ilusão da velocidade da informação provocada pela Internet faz com que as pessoas recorram a ela constantemente, mas as pesquisas na área mostram que grande parte das informações advém das agências noticiosas.

Não se pode desmerecer o valor da nova tecnologia como fonte informativa, mas seu potencial ainda não está sendo plenamente explorado, ou seja, os sites ainda não se firmaram como empresas virtuais de coleta e divulgação de notícias e informações que elas mesmas elaboram, um espaço público virtual. Em vez disso, atuam apenas como pistas de corrida para ganhar do concorrente a preferência do leitor, iludido de que está recebendo uma notícia em primeira mão, quando recebe, muitas vezes, o produto das tradicionais agências de notícias ou das edições virtuais dos jornais tradicionais. É verdade que a entrada na era cibernética baixou os custos da indústria da comunicação, facilitando o acesso às informações. Segundo Pollyana Ferrari:

“Não se pode negar que a Internet proporcionou um acesso à informação de maneira única. Achar o endereço de um restaurante sem ter que perguntar para ninguém, usar o telefone ou folhear a lista telefônica.(...). Enfim, a abrangência de serviços oferecidos num portal consegue preencher e resolver grande parte das necessidades do homem moderno” (FERRARI, 2003, 78).

A Internet, de fato, abre as portas para um público mais carente economicamente ter acesso ao aprendizado, tanto formal quanto informal, mas esse uso depende da vontade política dos governos de disponibilizar equipamentos para favorecer o acesso e a da garantia de sites com fontes confiáveis de informação, que pressupõe um controle externo sobre o que é divulgado na grande rede. A Internet, ao que tudo indica, reúne qualidades, juntamente com a TV digital e interativa, para garantir que se concretize a expectativa de uma aldeia global preconizada por Marshall McLuhan.


O futuro da comunicação

A evolução crescente das novas tecnologias tende a facilitar e a baratear o fluxo das informações, ampliando as possibilidades técnicas da mídia para transmissão de dados.Isso dá espaço para que se quebrem barreiras físicas e ideológicas de acesso à informação. A longo prazo, o homem cada vez mais vai se aparceber de que a notícia é um produto valioso que ajuda no relacionamento entre os povos e as culturas. O caminho é o fim do conceito de broadcasting e o fortalecimento do conceito de narrowcasting. O primeiro trata de informações transmitidas a um público que não se diferencia, misto. O segundo se refere à difusão de informações para públicos conhecidos e segmentados, ou seja, para nichos do mercado da comunicação.

Segundo o jornalista Ricardo Noblat (2002), empresários e jornalistas precisam repensar a forma de fazer jornal. De acordo com ele, proprietários e profissionais devem analisar a fuga de leitores jovens e a adesão à Internet e sobre as queixas acerca da tinta do jornal, que suja as mãos e as roupas, os jornais vão morrer, mas não o jornalismo, pois a humanidade precisa de informações. Noblat defende que a perspectiva futura talvez seja a transformação das redações em corporações multimídia, investindo na interatividade favorecida pelas novas tecnologias. A tendência do jornalismo é caminhar para a convergência dos meios, uma questão considerada essencial para o modelo futuro da comunicação e que irá promover um novo modelo de espaço público. Contar histórias, dar informações reais 24 horas por dia, fugir da falsa idéia de velocidade da Internet (que em vez de dar notícias frescas a toda hora ainda está presa às fontes tradicionais de informação) deve ser a saída da imprensa. Para atender a esse modelo, o jornalista precisa pensar em texto, imagem e som, para que a informação possa ser colocada em meios impressos, eletrônicos e audiovisuais.

Que há entre comunicação e cultura?

Com tudo que foi visto na história da comunicação, verificamos a convergência entre comunicação e cultura. Tudo o que o homem adquire, recebe, constrói, produz e altera no meio em que vive é transmitido pela comunicação, seja por meio midiático, organizacional ou interpessoal. Ao trocar informações, o homem na verdade permuta valores e permite o acesso, entre povos diferentes, a informações concernentes a um modo de vida peculiar a um grupo social e não a outro, ou seja, tradições e crenças são conhecidas e determinadas pelos meios de comunicação disponíveis em cada sociedade. No caso do brasileiro, a história da comunicação foi determinada pela presença portuguesa e pela forma como se processou o desenvolvimento da mídia, totalmente marcado pelo controle resultante da censura.

Ao consumirmos os produtos da indústria cultural, estamos nos exprimindo culturalmente num contexto social ao qual pertencemos. Nossas práticas diárias são determinantes e determinadas pela cultura que vivenciamos. Toda cultura resulta de uma mistura de outras culturas. A cultura brasileira sofreu influência das culturas européia, indígena e negra, mas sem dúvida prevaleceu a força da cultura portuguesa, pela sua condição de colonizadora. Hoje, com a globalização, a comunicação sofre novas intervenções da cultura mundial. Assim, comunicação e cultura estão associadas de modo intrínseco, uma interligação que não se pode desfazer.

Os modos de viver, os gostos, a prática da língua, o relacionamento humano, as formas de vestir, cozinhar, comer e produzir bens culturais são marcadas por essa troca de informações entre as sociedades humanas. No caso brasileiro, a hegemonia do colonizador deu lugar à hegemonia cultural americana, que acaba por ter uma maior influência do que qualquer outra produção cultural humana de outra nacionalidade, fruto do poder econômico exercido pelos Estados Unidos sobre todo o mundo. Para alguns pesquisadores, esse poderio americano sobre a cultura de outros povos é uma ameaça; para outros, é uma adaptação normal de elementos culturais que são vantajosos para os povos que as absorvem. Assim se quisermos conhecer a comunicação, precisamos olhar para as práticas culturais de um determinado grupo social, conhecendo suas crenças, valores, heróis e líderes, ritos e práticas sociais.

Existe um multiculturalismo? Nas sociedades alfabetizadas, a homogeneização dos hábitos provocada pela globalização anda junto com as novas tecnologias, dominando os dialetos locais, as línguas e os costumes próprios. Esconder o sotaque nordestino e o gosto pela música sertaneja são expressões dessa dominação. A rede de computadores e as novas tecnologias em geral fragmentam a realidade e garantem o fortalecimento do imperialismo, antes econômico, hoje cultural. Fala-se em mescla de culturas, mas o que há de fato é um mosaico, no qual somente “pedras fortes” embelezam o quadro.

Não se vê, por ora, como os líderes sociais poderão encontrar um caminho intermediário que permita a convivência entre as culturas dominantes sem a prevalência das culturas de povos dominantes. Embora o poder tente se apropriar da cultura e das relações do homem no mundo, há o inconformismo que eles crêem que nunca será suplantado. O espaço doméstico representa um mínimo de liberdade e iniciativa, numa tendência secreta par fomentar resistência para não se digerir o que vem empacotado pelo imperialismo cultural.

Se existe uma rede virtual participativa, que dá acesso aos povos, é preciso cuidado para que a ausência de fronteiras eletrônicas não transformem a Internet em um sistema de opressão e alienação. Só há democracia eletrônica se houver livre acesso associado à formação crítica. Do contrário, teremos o “cibercretinismo” e um mundo dividido entre os conectados e os não-conectados, aumentando as diferenças entre os governos sociais. De acordo com Pierre Levy “a difusão de propagandas governamentais sobre a rede, o anúncio dos endereços dos líderes políticos, ou a organização de referendos pela Internet nada mais são do que caricaturas de democracia eletrônica” ( LEVY,1999,186).

Somente uma reforma nas mentalidades e nos hábitos políticos pode resultar na colocação do ciberespaço a serviço do desenvolvimento de regiões desfavorecidas, com a valorização das competências locais e a troca de conhecimento e experiências entre as comunidades. Para Levy , a verdadeira democracia eletrônica consiste na expressão dos problemas pelos próprios cidadãos, a auto-organização das comunidades e a participação dos grupos nas decisões, com transparência nas políticas públicas. A mudança virá quando houver uma aliança de governos, empresários e forças de oposição contrários à globalização e à homogeneização do trabalho, da comida, da cultura popular, em defesa da diversidade.

O ciberespaço é o local de representação dinâmica dos recursos de todas as ordens (democratização da informação), local virtual de ofertas de competências, de emprego e de formação, local de controle ecológico, econômico, pedagógico, sanitário, do sistema de transporte e de comunicação. Segundo Briggs e Burke, “o ciberespaço, diferente da televisão, mas parecido com a leitura sem censura, não é guardado por porteiros” (BRIGGS & BURKE, 2004, 325). O acesso para todos não deve ser acesso ao equipamento ou à conexão, mas acesso aos processos de inteligência coletiva, numa visão do ciberespaço como local de expressão de singularidades, de confecção de trocas para a aprendizagem recíproca. Para Levy, “colocar a inteligência coletiva no posto de comando é escolher de novo a democracia, reutilizá-la por meio da exploração das potencialidades mais positivas dos novos sistemas de comunicação” (LEVY,199,196).

Considerações finais: a reconstrução cultural do espaço público

O fazer jornalístico se consagrou historicamente como algo pragmático, resultante do contato direto com a realidade. Jornalismo é a arte de contar histórias para remover a construção da história. Os fatos sociais estudados nos livros são frutos de relatos, documentos, fotografias e fragmentos de materiais que ajudaram a montar o quebra-cabeça chamado História, que é medida pela imprensa e pelos livros. Jornalismo é história, uma história contada cotidianamente, em breves textos. O jornalista está envolvido no processo interpretativo da notícia, não podendo ocupar um lugar contemplativo em sua pesquisa jornalística, o que marca o texto jornalístico como fruto das relações histórica e ideológicas do seu autor.

Será irreversível a baixa participação social nos mercados globalizados de bens e mensagens, a desatualização tecnológica na indústria editorial e audiovisual e a corrida tardia pelas inovações informáticas? Mesmo com as novas tecnologias globalizadas, países do Terceiro Mundo fazem ressurgir a sua produção cinematográfica, musical e televisiva. No Brasil, nossos filmes estão se internacionalizando ( vide Central do Brasil e Diários de Motocicleta ). Novos profissionais estão surgindo para um mercado de cinema, jornalismo e comunicação. O espaço público foi transferido para um conjunto de circuitos e fluxos que extrapolam os territórios e se faz via televisão, rádio, satélite, fax, telefone, Internet. Nesse espaço público, as controvérsias são debatidas. O novo espaço cultural exige programas de desenvolvimento para a redução das desigualdades de acesso às novas tecnologias, garantindo que o espaço virtual atenda aos circuitos comunicacionais de diversas etnias, povos e grupos sociais. A concepção tecnológica conduz a uma confusão de valores e idéias, que não se sabe se terá um ponto organizador do novo (ciber) espaço público que se estabelece.

Referências bibliográficas

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Patricia Bandeira de Melo. Um passeio pela História da Imprensa: o espaço público dos grunhidos ao ciberespaço. Comunicação e informação, V 8, nº 1 pág 26 - 38. – jan/ jun. 2005.

Ficha Catalográfica

Comunicação & informação / Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia. V. 8, n. 1, (jan./ jun. 2005). – Goiânia: UFG, Facomb, 1998.

v.

Semestral

  1. Comunicação Social – Periódicos. 2. Ciência da informação – Periódico.
  2. Biblioteconomia – Periódico. I. Universidade Federal de Goiás. Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia. II. Título.

CDU 659.3:03(05)

CDD 001.5105



[1] Este artigo foi originalmente publicado na Revista Comunicação & informação, da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de Goiás, V. 8, n. 1, (jan./ jun. 2005).

Fonte:http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=377&textCode=10834&date=currentDate