29.2.12

Nuremberg: o nazismo no banco dos réus

Com o fim da Segunda Guerra, os Aliados organizaram um tribunal para processar a cúpula do III Reich pelas atrocidades cometidas durante o conflito. Tinha início o maior julgamento de crimes de guerra já visto na história


United States Holocaust Memorial Museum, Washington D.C.

Os acusados durante uma sessão do Tribunal Militar Internacional montado na cidade alemã
por Henri Amouroux

Nuremberg, 16 de outubro de 1946. Treze degraus levam a uma plataforma com três forcas pintadas de verde. O carrasco, sargento John C. Woods, faz os últimos ajustes nas cordas. Ao pé da pequena escadaria estão quatro generais representando os Aliados, oito jornalistas, oficiais de exército e alguns soldados de guarda. Também o primeiro-ministro da Baviera e o procurador-geral de Nuremberg estão no local, convocados como testemunhas. Ao todo, 45 pessoas observam a cena.

Pouco depois da 1h00 da madrugada, o primeiro condenado caminha para a forca. É Joachim von Ribbentrop, ex-ministro de Relações Exteriores do III Reich. Ele pronuncia com dificuldade seu próprio nome, pois todos haviam recebido a ordem de se identificar antes da execução, e diz suas palavras finais: “Que Deus proteja a Alemanha e tenha piedade da minha alma. Meu último desejo é que meu país reencontre sua unidade e que o leste e o oeste se entendam pela paz mundial”. Sua morte será oficialmente constatada à 1h32.

O próximo condenado conduzido ao cadafalso é o marechal de campo Wilhelm Keitel, ex-chefe do comando supremo das Forças Armadas. Em seguida, Ernst Kaltenbrunner, ex-chefe da Gestapo, e Alfred Rosenberg, ideólogo do Partido Nazista e ministro dos territórios ocupados do Leste.

São 2h00 da manhã, e John C. Woods passa a corda pelos pescoços de Hans Frank, ex-governador da Polônia, e Wilhelm Frick, ministro do Interior do III Reich. O próximo na fila é Julius Streicher, editor do jornal antissemita Der Stümer e único condenado a gritar “Heil Hitler!” antes de sua execução. Ainda no pé da forca ele diz: “Feliz Yom Kippur! E agora no caminho em direção a Deus” e, após um breve silêncio, completa: “Os bolcheviques enforcarão

Por último sobem Ernst "Fritz" Sauckel, o organizador dos recrutamentos forçados de mão de obra, o general Alfred Jodl e, finalmente, às 3h45, Arthur Seyss-Inquart, ex-comissário do Reich nos Países Baixos.

Terminados os dez enforcamentos, os condenados são alinhados ao pé do cadafalso. Ainda encapuzados e com o torço nu, os corpos passam pelo exame dos médicos aliados, que constatam cada morte diante dos jornalistas.

A esses cadáveres se juntaria um 11o: o de Hermann Göring. Apesar de supostamente estar vigiado “a todo instante”, o ex-líder nazista havia conseguido se suicidar às 22h45 do dia 15, quebrando uma ampola de cianeto de potássio em sua boca. Até hoje não se sabe como Göring conseguiu o veneno.

Ao lado de seu corpo foi encontrada uma carta, datada de 11 de outubro. Proclamando-se “marechal do grande Reich alemão”, o acusado número um do processo de Nuremberg escreveu: “Eu teria permitido-lhes fuzilar-me sem nenhuma outra forma de processo. Mas é impossível capturar o marechal do Reich alemão! Não posso permitir que isso aconteça, pela Alemanha. Além disso, não tenho obrigação moral de submeter-me à justiça de meus inimigos. Por isso escolhi a maneira de morrer do grande Aníbal”, fazendo referência ao general cartaginês que, sob a ameaça de ser capturado pelos romanos, cometeu suicídio em 183 a.C.

Ao amanhecer, os 11 corpos foram colocados em caminhões do exército americano. Sob identidades falsas, os cadáveres foram transportados até o cemitério leste de Munique e incinerados junto com as cordas usadas nos enforcamentos. As cinzas foram lançadas no rio Isar, que atravessa a capital da Baviera. O objetivo dessa operação era eliminar qualquer vestígio das execuções, evitando que restos mortais ou objetos se tornassem alvo de veneração de nostálgicos do nazismo.

Enquanto esse comboio transportava os 11 corpos, os demais altos funcionários do III Reich capturados limpavam o ginásio da prisão onde haviam ocorrido as execuções. Ao todo eram sete prisioneiros, condenados à prisão perpétua ou a longas penas.

Terminavam, assim, os processos de Nuremberg, iniciados às 10 horas da manhã no dia 20 de novembro de 1945. Chegava ao fim o maior julgamento de crimes de guerra já visto na história.

Mas como surgiu a ideia de levar os criminosos nazistas a um tribunal? É preciso recordar, em primeiro lugar, o Tratado de Versalhes (1919). Segundo seus artigos 227 a 230, o acordo que selou o fim da Primeira Guerra Mundial obrigava a derrotada Alemanha a entregar às potências vencedoras 900 pessoas consideradas culpadas por crimes de guerra, incluindo o próprio imperador Guilherme II. Obviamente, essa ordem não foi cumprida.


Memorium Nuremberg Trials/Nara

Escoltado por dois guardas, Göring ouve sua sentença. De acordo com os presentes, o ex-lider nazista não esboçou qualquer reação


Pensando nisso, e tendo em mente a gravidade das ações dos nazistas, os Aliados publicaram, em janeiro de 1942, uma declaração na qual se comprometiam a castigar todos os criminosos alemães “por meio da justiça organizada”. No entanto, Estados Unidos, Inglaterra e União Soviética só conseguiram chegar a um acordo sobre essa punição em agosto de 1945, quatro meses depois de sua vitória.

Até essa data, dirigentes dos três países ainda defendiam uma “solução política”, ou seja, a execução sem julgamento de milhares de alemães. Durante a Conferência de Teerã, em novembro de 1943, Stalin chegou a declarar que a execução sumária de 50 mil oficiais e técnicos seria suficiente para aniquilar definitivamente a força militar alemã. Essa solução radical também era cogitada por Henry Morgenthau, secretário do Tesouro dos Estados Unidos e autor do plano de “desindustrialização total” da Alemanha, o que fez com que a proposta chegasse aos ouvidos do presidente Roosevelt. Mas Churchill rejeitou a ideia.

Decidiu-se, portanto, que os principais responsáveis pelos crimes nazistas seriam julgados, com direito a advogados de defesa alemães. Além deles, o próprio Partido Nacional-Socialista, as SS, a Gestapo e o comando supremo da Wehrmacht (Forças Armadas alemãs) também iriam para o banco dos réus.

Em um país destruído pela guerra, a primeira tarefa foi encontrar um lugar apropriado para instalar a corte. A cidade de Nuremberg, no estado da Baviera, foi escolhida por um motivo simples: o palácio de justiça e a prisão haviam sido poupados pelos bombardeios. A necessidade de “exorcizar” a memória do nazismo contou pouco.

Acordou-se, por fim, que o tribunal estaria fundado no sistema judiciário anglo-saxão, o que desconcertou juristas e jornalistas pouco acostumados com esse modelo. Assim, o que deveria ter sido um processo rápido só pôde começar 104 dias após a decisão de instalá-lo.

Os juízes encarregados do processo foram designados exclusivamente pelos países que saíram vitoriosos da Segunda Guerra, o que gerou protestos dos advogados alemães. De fato, magistrados germânicos não alinhados com o nazismo ou de países neutros não tiveram participação no tribunal, o que gerou uma situação questionável: os “vencedores” julgaram os “vencidos”. Mas seria possível tamanha isenção em outubro de 1945? Além disso, o tribunal não poderia, por sua composição e sua natureza, pôr em um impossível pé de igualdade os crimes de guerra cometidos por algum dos Aliados e os crimes nazistas: eles eram monstruosos e inomináveis.

No total, a acusação forneceu 12.630 documentos e convocou 33 testemunhas. A defesa respondeu com 2.700 documentos e 64 testemunhas. Os debates ocuparam 22 volumes, e os anexos preencheram outros 20. Logo, seria impossível mencionar, em um pequeno texto como este, mais do que alguns momentos marcantes do julgamento.

Um dos pontos mais dramáticos foi a projeção de um filme sobre os campos de concentração na tarde de 29 de novembro de 1945. Enquanto o vídeo era rodado, jornalistas se esforçavam para descobrir as reações dos réus diante do horror. O escritor Lucien Corosi, que assistia à audiência, escreveu que Göring de vez em quando olhava as imagens, Joachim von Ribbentrop desviou o olhar, Rudolf Hess parecia descobrir algo completamente desconhecido até então, e Hans Frank, responsável por vários crimes na Polônia, chorava.

Outro momento importante foi o testemunho de Otto Ohlendorf, um dos membros do alto comando das SS, que trouxe revelações aterrorizantes sobre o extermínio de comunistas e judeus nos territórios ocupados da Rússia. Questionado pelo general Iona Nikitchenko, representante da União Soviética em Nuremberg, sobre os massacres de crianças, Ohlendorf respondeu:

– A ordem prescrevia que a população judia deveria ser totalmente exterminada.
– Incluindo as crianças? – replicou Nikitchenko.
– Sim.
– Todas as crianças judias foram massacradas?
– Sim.

Um diálogo entre Ernst Kaltenbrunner, ex-chefe da Gestapo, e seu advogado também foi marcante. Com a vã esperança de atenuar a culpa de seu cliente, o representante da defesa perguntou: “Ao chegar (a um campo de concentração), as vítimas deveriam deixar tudo o que possuíam, desnudar-se completamente, entregar suas bijuterias etc.?”. A resposta foi seca: “Sim”. O advogado insistiu: “Mas elas partiam diretamente para a morte?”. Mais uma vez, Kaltenbrunner respondeu afirmativamente.

Ao fim dos processos, quatro denúncias foram acolhidas pelos juízes, a começar pela existência de um plano entre 1919 e 1945 para montar um complô e dominar a Europa. Portanto, era possível imputar aos réus crimes cometidos antes de sua adesão ao nacional-socialismo.

Outras duas denúncias foram as de crimes contra a paz, que teriam ocorrido desde a remilitarização da Renânia (1936) até a invasão da Polônia (1939), e crimes de guerra, cometidos, segundo o tribunal, “em proporções desconhecidas pelas guerras anteriores” e fruto da “concepção nazista de 'guerra total' aplicada à guerra de agressão”.

A quarta denúncia foi a mais importante: pela primeira vez na história um país foi acusado de cometer “crimes contra a humanidade”. Essa noção não existia até a descoberta dos campos de extermínio nazistas. Do ponto de vista do direito internacional, a definição desse tipo de crime mudou ao longo das últimas seis décadas, mas a ideia ganhou seus primeiros contornos jurídicos em Nuremberg.

No dia 30 de setembro, o veredicto foi lido na presença de todos os prisioneiros. No dia seguinte, o presidente do tribunal, o lorde britânico Geoffrey Lawrence, leu a sentença a cada um dos réus. Cercado por dois guardas, Göring foi o primeiro a se apresentar diante da corte. Às 14h50 ouviu que estava condenado à pena de morte por enforcamento e foi retirado do salão sem manifestar nenhuma emoção. Um a um, todos os outros 20 acusados conheceram seu destino na tarde do dia 1º de outubro.

Às 15h36, após ler todas as sentenças, lorde Lawrence anunciou pela 416ª vez desde o início dos processos de Nuremberg: “A audiência está suspensa”. Dessa vez, em definitivo.

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