O texto trata de um estudo sobre o processo de formação do Estado brasileiro em período crítico, do ponto de vista da construção ideológica entre projetos pretensamente hegemônicos, no momento imediatamente anterior à sua conversão em hegemonia política. A chave da explicação consiste em pensar a autonomia relativa do Estado combinada com a importância que idéias e intelectuais assumem no processo, e mesmo como eles o afetam. Introdução Esse texto consiste na comparação entre as diferentes concepções de projetos de nação para o Brasil a partir dos autores do pensamento político brasileiro contemporâneo. O objetivo desse recorte é pensar o processo que compreende de que maneira o Estado no Brasil assume uma autonomia com relação as outras esferas sociais, e forja a sociedade brasileira continuamente. Em termos mais simples, o Estado no Brasil fora constituído de cima para baixo – ao contrário, por exemplo, da democracia americana, constituída a partir das associações voluntárias, e cujo estado foi constituído de baixo para cima. São então quatro movimentos que esse texto compreende. O primeiro é verificar de que maneira o Estado brasileiro empreende a mudança "pelo alto"[1] – para usar uma expressão de Barrington Moore (1975) – na gênese particular de um Estado "Leviatã" que se sobrepõe a sociedade – muito embora a serviço de uma classe, ou fração de classe. O segundo movimento busca a definição de uma função para o trabalho intelectual, e a ligação dessa função com a formação do Estado. O terceiro movimento compreenderá a leitura dos pensadores da política brasileira, tentando uma correlação entre eles. E, finalmente, o quarto movimento é um estudo de caso em particular, que é sobre o I Congresso Brasileiro de Economia (1943), tendo em vista que entre vários matizes os líderes dos industriais constituem parte da intelectualidade que possui um projeto (em particular) para o Brasil. A escolha pelo Congresso Brasileiro de Economia de 1943 também não é por acaso. Esse Congresso entra numa tríade sinérgica juntamente com o Congresso Brasileiro da Indústria de 1944 (São Paulo) e com a I Conferência Nacional das Classes Produtoras (I CONCLAP, Teresópolis, 1945) onde se discute qual seria um projeto industrialista para o Brasil, e onde também se forja uma consciência corporativa de classe, pois até então os industriais estavam diluídos no imediatismo de suas ações. Aparece aqui a figura de Roberto Simonsen como líder do segmento industrialista (CEPEDA, 2003, p.30-1). Por intelectuais vamos adotar por enquanto a definição mais genérica de que os intelectuais são operadores do simbólico, mas desde já vamos desprezar o ideal do intelectual tradicional – que reivindica uma autonomia com relação ao meio social. Dessa maneira, entendemos aqui ideologia numa acepção gramsciana, enquanto um ordenamento de idéias dentro da superestrutura, o qual provém da sociedade política. A Formação do Estado Brasileiro Ao longo desse texto, vamos defender a tese de que o Estado brasileiro goza de uma autonomia sui generis frente a sociedade. Sonia Draibe, em Rumos e Metamorfoses(1985), discute a relação entre a formação desse Estado e o advento do projeto industrialista. Draibe começa a discussão sobre a formação do "Estado Industrial Leviatã" a partir das etapas da constituição do capitalismo brasileiro. Esse processo empreende três fases: (I) economia exportadora capitalista (até 1933); (II) a industrialização restringida, no período de 1933-5; e (III) a industrialização pesada, cujo período compreende 1956-61. A revolução burguesa teria três relações principais: com o passado (na questão agrária), com o presente (conflitos entre as frações de classe da burguesia) e com o futuro (as relações emergentes). As relações entre Estado e Sociedade no Brasil obedecerão ao processo de "hierarquização de interesses econômicos e políticos" (p.27) o que, concomitante a simultaneidade de processos específicos na formação da base material do Estado capitalista no Brasil, levará à formação de uma direção política nesse processo de transformação, a qual vai variar de acordo com as hierarquizações de interesses sociais e políticos.(pp.11-27) O Estado capitalista moderno em formação encontra sua gênese no Estado de Compromisso, que é fruto da crise agrária da república velha (1889-1930) a qual encontrara seu fim na Revolução de 30. Entretanto, o quadro nesse momento é, além da crise do complexo cafeeiro, a falta de hegemonia, a dependência das classes médias com relação ao Estado e da pressão popular devido a crise econômica. Nesse quadro, o Estado aparece como árbitro de interesses entre o capital e o trabalho, uma vez que aquela falta de hegemonia fez com que nesse momento o Estado se constituísse como autônomo frente aos interesses dominantes. Draibe chamou de via prussiana para o desenvolvimento a modernização conservadora manifestada no período. (p.22) Draibe coloca como resultado do desenvolvimento mercantil-exportador uma divisão social do trabalho em três setores históricos fundamentais, quais sejam: a burguesia mercantil exportadora, a burguesia industrial e o proletariado. Esses setores históricos são capazes de ordenar o conjunto da sociedade, o que os destaca dos outros. Dessa maneira, a estrutura da luta de classes estava apoiada na economia cafeeira (cujo complexo exportador levou a uma divisão do trabalho social e a reprodução ampliada do capital, dentro de um regime de acumulação) e nas formas de organização desse capital, que foram duas:uma (a), na cidade; e outra (b) no campo. O café levou a uma diferenciação crescente, o que impulsionou a divisão do trabalho na cidade, criando uma classe média tradicional (a1), e(a2) as baixas classes médias. (pp.23-34) Porém, com o detalhe de que o café precisava da interferência do Estado como aglutinador de capitais[2], o que levaria a uma base para a "via conservadora" do desenvolvimento. Por essa via, foi possível a conformação de interesses entre campo e cidade. (pp.34-5) O caso brasileiro de modernização conservadora prescindiu a necessidade de uma queima de etapas. Entretanto, Draibe coloca como problemas desse desenvolvimento acelerado as relações desiguais entre o Estado e o capital estrangeiro, as dificuldades ( e mesmo a necessidade) das políticas de suporte, a necessidade de cautela frente a um processo problemático e delicado, e a transição para a indústria com novo eixo de acumulação. As relações com o capital estrangeiro operaram em duas fases: uma primeira, enquanto fluxo de capital de empréstimo; e uma segunda, como investimentos diretos. Os principais atores desse processo foram o Estado, a burguesia industrial brasileira e o capital internacional. A discussão do período foi acerca da margem de atuação do Estado, pensando também na permissão de entrada do capital estrangeiro no processo, e como se daria. (pp.36-7) Assim, a atuação do Estado no processo ocorreu principalmente por meio das empresas públicas. Foram dois os desdobramentos desse processo: a aceleração, pela via estatal, do desenvolvimento das forças produtivas, com a conseqüente alta dos salários reais; e a necessidade de uma reforma fundiária dentro desse desenvolvimento[3] (DRAIBE, pp.38-9). Será num campo fragmentado e heterogêneo, formado por diversas de dentro e fora do Estado, na conjuntura das lutas políticas entre os setores históricos fundamentais (proletariado, burguesia mercantil e burguesia industrialista), que aparece a autonomia do Estado frente a sociedade. O Estado aparece aqui como um reequilibrador de interesses. Entretanto, a autonomia do Estado encontraria limitações. A primeira delas reside no fato de que o Estado tinha sua autonomia orientada em hierarquizar os interesses sociais. O núcleo dirigente orientava a ação estatal, e essa orientação foi direcionada pelas lutas travadas dentro do Estado, tais como na comissão de planejamento econômico – na conhecida controvérsia entre Simonsen (desenvolvimentismo do setor privado) e Eugênio Gudin (liberal, defensor da tese de "vocação agrária" da economia brasileira)[4] . A partir daqui, podemos inferir que a organização do Estado e suas relações com a sociedade passam a ser de um caráter fortemente corporativo, visto que o Estado absorve os conflitos sociais, para num segundo movimento os regular. Draibe ressalta que a industrialização no Brasil implicou na aquisição por parte do Estado de estruturas capitalistas. (pp.43-5) A partir daqui as lutas entre o capital e o trabalho passam necessariamente por dentro do Estado, que por sua vez filtra os conflitos particulares e os interesses. Assim, a definição de um projeto político para o Brasil a partir daqui torna-se o lugar da autonomia do Estado, e a conformidade da unidade política nacional. Entretanto, o aparelho de Estado não é monolítico, tampouco coeso, e coloca a (tecno)burocracia no centro dos conflitos. O processo de consolidação do Estado "Leviatã" brasileiro se operou no período 1930-60, e foi um processo desigual e descontínuo. (DRAIBE, pp.49-54) A Função do Intelectual Se vamos falar aqui sobre a relação entre intelectuais e industrialistas, é preciso uma definição mais precisa dos termos. Sobre o industrialismo, vamos manter a definição anterior que vem da contraposição aos interesses da agricultura. Os industrialistas, que estão entre os desenvolvimentistas do setor privado, são uma fração de classe da burguesia que defende um projeto de nação para o Brasil que envolve o desenvolvimento da indústria pesada e reivindica o apoio estatal para seu projeto[5]. Assim, o projeto industrialista se choca de maneira frontal com os interesses da burguesia agro-exportadora. Sobre os intelectuais, o que vamos manter é o princípio de que eles não independem dapráxis e tampouco de seu tempo histórico. A concepção de intelectual que usaremos aqui é a de Gramsci, onde a ideologia é a weltanschaunng da classe dirigente, a hegemonia é a passagem da ideologia da sociedade política para a sociedade civil, e sua consequente materialização na sociedade civil, e entederemos o intelectual orgânico como aquele que representa a sua classe – e está ligado inevitavelmente a ela, e ao seu tempo histórico.(PORTELLI, pp.20-39) Em O Moderno Príncipe, Gramsci pensa as duas dimensões sociais, a sociedade política e a sociedade civil, imaginando o partido político na intersecção dessas duas sociedades. A analogia com o condottiere de Gramsci a Maquiavel cabe aqui se pensarmos Roberto Simonsen como líder do segmento industrialista, possuidor de virtú (capacidade de liderança) e sua relação com a fortuna (as oportunidades, no reino do imponderável) cujo resultado positivo é a sujeição dos súditos ao seu controle; Aqui, o segmento industrial estando disperso, a virtú de Simonsen reside na capacidade de ordenamento dessa fração de classe, como já expusemos anteriormente, e o lugar certamente foi o I Congresso Brasileiro de Economia de 1943. O Pensamento Político Brasileiro e a Busca por um Projeto de Nação para o Brasil. Apresentarei alguns dos principais pensadores da política no Brasil, tendo em vista que eles vão – cada um a sua maneira – defender que existe uma especificidade do caso brasileiro, e que assim é necessário pensar uma teoria política especificamente brasileira, e que de conta de explicar a política brasileira, e dar projetos de futuro ao Brasil enquanto nação. Eles possuem diversos projetos de futuros, e esses projetos determinarão as teorias propostas. Partindo da definição de intelectual exposta anteriormente, podemos inferir que o lócus de onde eles partem determinará suas idéias. Alberto Torres, em O Problema Nacional Brasileiro (1978), coloca o problema da falta de uma unidade nacional e de um "espírito nacional prático, da solidariedade patriótica" e a preponderância do espírito de facção (pp.84-5). Existiriam então a força dos interesses e a força das idéias, que existiriam em planos separados. Seria entre os intelectuais e os governantes que circularia a vida mental brasileira, e cuja mediocridade não superaria o problema nacional brasileiro. Entretanto, "a falta de adaptação do saber e do patriotismo às peculiaridades da terra e do povo brasileiro" (p.89) seriam o problema tanto dos intelectuais quanto dos partidos políticos. Assim, se faria necessário essa adaptação ao saber. Outro problema seria a cisão entre política e sociedade, uma falta de interesse da população pelos assuntos da polis. (p.88) Outro problema seria a transferência literal das idéias da Europa para o Brasil, o que acarretaria em aberrações. Torres dá o exemplo – que também seria citado por Gilberto Freyre em Sobrados e Mucambos – da arquitetura importada de Portugal e aplicada aqui literalmente, completamente em desacordo com o clima tropical (p.96). Os caminhos da regeneração apontados por Torres não escapariam a nossa suposta "vocação agrária", pois segundo ele "O Brasil tem por destino ser um país agrícola", mas deposita as esperanças na regeneração pelo trabalho: "O Brasil ou será o país da regeneração do Homem pelo trabalho, ou representará, na história da civilização um roubo das gerações contemporâneas ao progresso humano". (p.101) Outro problema seria a falta de uma elite dirigente intelectual, por dois motivos: primeiro porque não teríamos cultura (p.103), e segundo porque nossos intelectuais – devido ao seu caráter meramente profissional, assim como pela inadequação das idéias ao plano concreto – não formam uma força social (pp.103-5). Por último, Torres acredita na redenção civilizatória do Brasil pela via institucional, uma vez que seria o Estado o empreendedor de uma "restauração conservadora e reorganizadora".(p.133) Oliveira Vianna foi discípulo de Alberto Torres, muito embora tenha rompido com ele. Em O Idealismo da Constituição (1939), Oliveira Vianna defende que o Brasil não estava preparado para a transição para a república, e que a Constituição de 1891 estava em total desacordo com a realidade objetiva do país. É do "quixotismo latino" que proviria esse "idealismo utópico" ao qual seria a origem desse desacordo ente idéias e prática. A especificidade do caso brasileiro para Oliveira Vianna seria o "espírito de clan" o que pediria mecanismos de "freios e contra-freios" (pp.68-71). Daí que também o povo brasileiro – devido a sua falta de cultura política e, segundo Oliveira Vianna, seus desdobramentos na psicologia social do nosso povo – não estaria preparado para o sufrágio universal (p.94) Daí a necessidade de "regimens convenientes e adaptados ao nosso povo"(p.116). Dentro do pensamento autoritário a divergência reside no plano institucional: enquanto para Torres o Estado resolveria o problema da falta de cultura e disciplina do povo, Oliveira Vianna – já numa fase de madureza – conclui que a ausência desse sentimento cívico já impediria o processo em vias institucionais, ou seja, o problema estaria além das instituições formais, mas estaria dentro da cultura das mentalidades[6]. Dentro do pensamento da esquerda, destaco Guerreiro Ramos (1963) e Caio Prado jr. (1977). Os dois pensam uma teoria revolucionária adaptada ao Brasil, pois nossa sociedade possuiria uma especificidade. Para Caio Prado existiriam "conceitos formulados a priori e sem consideração adequada dos fatos" e existiria a necessidade de "encaixar nesses conceitos a realidade concreta" (p.29) Caio Prado dá o exemplo da presunção de que invariavelmente iríamos ao socialismo. Ele chama essa presunção de uma transferência literal de um princípio de clássicos do marxismo, os quais estavam preocupados com a realidade européia. (p.32) Assim, o fracasso da revolução brasileira se dera pelo fato dos primeiros revolucionários (da década de 20) atestarem a ignorância com relação a realidade brasileira (p.38). Um exemplo que Caio Prado cita é a ausência de feudalismo no Brasil, uma vez que o sistema de parceria (ou a terça) tratava-se de "simples relação de emprego com relação in natura do trabalho" que estava mais para uma relação de assalariamento do que de servidão (p.40). Dessa maneira, a visão "deformada" da economia e a falsa idéia de uma "burguesia nacional progressista e contrária ao imperialismo por sua posição específica de classe, causou a linha política da esquerda os mais graves danos" e conclui que existe a necessidade de uma revisão "teórica, rigorosa e conscienciosa da realidade brasileira". (pp.74-5) Guerreiro Ramos se diferencia de Caio Prado num primeiro aspecto ao que toca a influencia de Lênin. Guerreiro Ramos, em Mito e Verdade da Revolução Brasileira (1963), defende que a revolução é um "processo em marcha" e que a sociologia universitária evitou "focalizar diretamente o tema" ou adotaram os sociólogos uma postura exageradamente formal. (pp.18-19) Existiriam para Guerreiro Ramos três concepções de revolução: (A) uma concepção voluntarista; (B) uma concepção historicista; e (C) uma concepção sincrética. A concepção voluntarista em Guerreiro Ramos é aquela que compreende os socialistas utópicos (Blanqui, Owen, Tkatchev) e parte dos iluministas (Fichte, Rousseau) que esperam do senso moral a priori a vontade individual pela ação orientada a um projeto socialista de sociedade. A critica de Guerreiro Ramos a esses revolucionários é a perda de "vista que as idéias, enquanto traduzam minimamente tendências em marcha em sua época não são fortuitas" É o "processo histórico que as suscita". (pp.24-5) A concepção historicista é aquela do materialismo histórico, cujos autores foram Marx e Engels, e que se apóia na categoria da prática (práxis) enquanto explicativa dos processos históricos e dissolve o dualismo entre concreto e abstrato – com a preponderância dos primeiros. Guerreiro Ramos evidencia a teleologia em Marx – a revolução será fruto histórico inevitável – e faz cair por terra a concepção voluntarista.(pp.25-7) A concepção sincrética é aquela híbrida entre voluntarismo e historicismo, cujo autor é Lênin, dentro do princípio do centralismo democrático, segundo o qual "seria necessária, antes de tudo a mais estrita centralização de todo o poder nas mãos do governo revolucionário". (p.28) O voluntarismo estaria no fato de que deveria se esperar do centralismo democrático um bom governo – uma vez que o governo central teria poderes ilimitados. Guerreiro Ramos afirma que "não é dialético pensar em termos de modelos de revolução" (p.39). Entretanto, pensou o seu tempo em condições específicas de revolução, quais sejam: o aumento da participação política, fruto do desenvolvimento científico; aumento conseqüente da racionalidade dos povos. Assim, a revolução seria possível dentro de países onde não se efetivou a concentração de capital, caso do Quênia, graças ao nivelamento da "subjetividade das populações".(pp.42-4) A situação revolucionária estaria portanto na perda do controle pela minoria, pela "caducidade do sistema institucional vigente", pela perda – por parte do regime – do monopólio da legitimidade da violência e da justiça, e a "deserção dos intelectuais" – devido a esterelidade de suas reflexões frente ao concreto. (pp.48-53) Entretanto, o que faz a inexistência da revolução brasileira para Guerreiro Ramos é justamente a falta de elites dirigentes competentes para empreender a revolução, agravada pelas idéias deslocadas com relação à realidade objetiva (p.190-1). Vimos dentro do pensamento socialista brasileiro, portanto, que existe um projeto da esquerda para o Brasil, e sua origem é a busca da sociedade socialista pela via revolucionária. Esse projeto entrou em choque com o modelo de sociedade proposto pela direita, que foi o que prevaleceu no período de consolidação do Estado "leviatã" brasileiro (1930-60) , pela "via prussiana". Entretanto, tanto o pensamento socialista quanto o pensamento autoritário entram em acordo em um ponto: a necessidade de se conhecer a especificidade da sociedade brasileira antes de simplesmente transplantar as idéias vindas da Europa. A Voz dos Industriais: O I Congresso Brasileiro de Economia A leitura do Congresso Brasileiro de Economia de 1943 é necessária para o entendimento da formação de uma consciência corporativa de classe por parte dos industriais do período. É a primeira vez que os industriais tomam a consciência de classe enquanto tal, na passagem da classe em si na classe para si. O Congresso Brasileiro de Economia forma uma tríade, juntamente com o Congresso Brasileiro da Indústria ( São Paulo, 1944) e a Conferência das Classes Produtoras (I CONCLAP, Teresópolis, 1945) O personagem central dessa tomada de consciência, no período 1930-47, dos industriais é Roberto Simonsen. Dessa maneira, nos preocuparemos com a primeira comissão, a de planejamento industrial[7]. O Congresso Brasileiro de Economia de 1943 ocorreu entre 25 de novembro e 15 de dezembro na sede social da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Entre as principais forças que poderíamos elencar, o capital, o Estado e o trabalho, estiveram representados nesse Congresso apenas os dois primeiros, não estava o trabalho representado. Dessa maneira, as diferentes entidades representadas e os nomes ali com voz e voto articularam um projeto de nação concomitantes com os interesses do capital e do Estado, os quais podemos destacar: o franco processo de difusão do taylorismo no Brasil[8], a reivindicação dos industriais por proteção por parte do Estado, e a tentativa de reafirmação da ordem vigente – o Estado Novo, em vias de desagregação. O Congresso foi marcado pela controvérsia sobre o planejamento econômico, entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen, entre o liberalismo e o desenvolvimentismo do setor privado, entre a tese de "vocação agrária" e o projeto industrialista. O plano desenvolvimentista dentro do Congresso apareceu em três questões basicamente: fontes de energia, desenvolvimento de conhecimentos afim e o treinamento para o trabalho. Entre os personagens mais significativos, Getúlio Vargas foi o presidente de honra; João Daundt d'Oliveira – presidente da Federação de Associações Comerciais do Brasil e da Associação Comercial do Rio – foi o presidente efetivo; Euvaldo Lodi, presidente da Confederação Nacional da Indústria – foi o vice-presidente do Congresso. A direção técnica ficou a cargo do Instituto de Economia da Associação Comercial do Rio de Janeiro, na pessoa de seu presidente, Daniel de Carvalho. Roberto Simonsen foi presidente da I Comissão técnica (produção agrícola e industrial), enquanto Eugênio Gudin foi presidente da II Comissão técnica (circulação e transportes). Dentre as recomendações do Congresso cabe destacar: mudança em cima do código de minas e de águas de 1934, criação de um banco central e assistência do Estado para com os industriais, assim como proteger o capital privado. Conclusão Dentro do contexto das reivindicações dos industriais frente ao Estado, podemos agora afirmar que os diversos projetos de sociedade estavam em duas grandes categorias: um projeto do pensamento autoritário, defensor da modernização "pelo alto" e da "via prussiana"do desenvolvimento; e um projeto da esquerda revolucionária, cujo fracasso atribuímos aqui a sua desarticulação e mesmo falta de preparo para com a formação de lideranças. Porém, três são os setores históricos fundamentais para entender o processo: proletariado, burguesia industrialista e burguesia agro-exportadora. Dessa maneira, existiu dentro da modernização duas forças conflitantes: o liberalismo (juntamente com os interesses da agricultura) e o nacional-desenvolvimentismo (juntamente com os interesses da indústria). Concluímos também que o Estado no Brasil assumiu uma autonomia significativa frente a sociedade, o que fez com que cooptasse os conflitos sociais para dentro dele, e originasse a o caráter corporativo desse Estado. Assim, o papel dos intelectuais brasileiros – quer fossem da esquerda, do pensamento autoritário ou do nacional-desenvolvimentismo – foi o de investigar as particularidades da sociedade brasileira, a fim de constituir diversos modelos e projetos de sociedade. Cada perspectiva e 'visão de mundo' dessas correntes refletiam projetos de sociedade em luta pela hegemonia em período crítico de formação da estrutura do Estado brasileiro, processo esse altamente problemático e conflitivo. Notadamente, o desenvolvimentismo foi a coroação do êxito industrialista nessa luta pela hegemonia entre 1945-1964. Bibliografia BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento Econômico Brasileiro: O ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 5ºed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. CEPEDA, Vera Alves. Roberto Simonsen e a Formação da Ideologia Industrial no Brasil – Limites e Impasses. São Paulo: FFLCH/USP. Dissertação de doutorado, 2003 (edição revisada). I CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA. Anais.tomo I. Rio de Janeiro: Edição independente, 1943. _________________________________________. Anais.tomo II. Rio de Janeiro: Edição independente, 1944. _________________________________________. Anais.tomo III. Rio de Janeiro: Edição independente, 1946. DRAIBE, Sonia. Rumos e Metamorfoses: Um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da industrialização no Brasil 1930 – 1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. DUARTE, Nestor. A Ordem Privada e a Organização Política Nacional. São Paulo: Companhia Editora Nacional, GRAMSCI, Antonio. O Moderno Príncipe in Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. MOORE JR., Barrington. As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia: Senhores e camponeses na construção do mundo moderno. Lisboa: Cosmos, 1975. OLIVEIRA VIANNA, Francisco José. O Idealismo da Constituição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939. __________________________________. Problemas de Política Objetiva. 2ºed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1947. PORTELLI, Hugo. Gramsci e o Bloco Histórico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. PRADO JR., Caio. A Revolução Brasileira. 5ºed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1977. RAMOS, Guerreiro. Mito e Verdade da Revolução Brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1963. TORRES, Alberto. O Problema Nacional Brasileiro: Introdução a um programa de organização nacional. 3º ed. São Paulo: Editora Nacional, 1973. VARGAS, Nilton. Gênese e Difusão do Taylorismo no Brasil. Ciências Sociais Hoje, 1985, pp.155-187. [1] Tomo emprestado o conceito de modernização conservadora em Barrington Moore jr. , o qual consiste na modernização empreendida pelo Estado, com o fim de conservar uma ordem social tradicional, mas inserir a sociedade na modernidade, o que implica a industrialização e mesmo a complexificação das relações sociais. [2] Interessante verificar que, mesmo no Congresso Brasileiro de Economia de 1943 – palco dos interesses industrialistas – houve a defesa da compra do excedente de gêneros agrícolas.Consta nos Anais das recomendações aprovadas em plenário pelo 2º grupo da Comissão I (de produção agrícola e industrial), que o Congresso considerou, como a priori, que o governo deve ser o comprador do excedente agrícola, e recomendou otabelamento mínimo de preços da lavoura – com preferência aos gêneros alimentícios. Ver os Anais do I Congresso Brasileiro de Economia (1943) tomo I, pp.138-9. [3] Novamente, um exemplo das reivindicações dos industriais frente ao Estado.A tese sobre "Parcelamento das Grandes Propriedades" assinada por Rômulo Cavina (da Associação Comercial de Minas Gerais) e por Gileno de Carli (representante dos produtores de cana de Pernambuco) defendia a reforma agrária como elemento de colonização do interior, assim como parcelar as propriedades rurais improdutivas, e previu um levantamento de propriedades num raio de cem quilômetros de cada cidade de cujas populações a partir de50.000 habitantes. (ver os anais do I Congresso Brasileiro de Economia, tomo III, pp.275-9) Essa recomendação foi repassada ao governo Getúlio Vargas, conforme consta nas recomendações oficiais do Congresso ao Estado (tomo I, p.50-1). [4] Bielschowsky, 2004, pp.241-3. [5] Aqui fica claro o comportamento esquizofrênico dos industriais, pricipalmente no período 1930-60, uma vez que eles são, por um lado, liberais, e por outro, defendem a intervenção do Estado para protege-los – seja contra o trabalho, seja contra o capital internacional, caso olhemos para o período 30-60. Assim, é comum encontrar nos anais do Congresso Brasileiro da Indústria de 1943 citações ao economista Frederick List (1789-1846), que em Sistema Nacional de Economia Política (1989[1855]) coloca a nacionalidade como intermediária entre a "individialidade" e a "humanidade inteira" e defende uma proteção inicial da incipiente indústria alemã da época em relação a outros países (pp.3-6). [6] Ver O Problema da Nacionalidade em Problemas de Política Objetiva (1947). [7] O Congresso estava dividido em oito comissões técnicas, e uma comissão de redação. Cada um dos industriais escreveu uma tese para a sua respectiva comissão, e relatava a tese de um colega. As teses podiam ter três fins: recomendadas, ou aceitas a título de esclarecimento, ou rejeitadas. [8] Para uma análise da I CONCLAP sob a ótica da sociologia do trabalho, ver Nilton Vargas (1985, p. 178)
Fonte: http://www.webartigos.com/articles/31915/1/Pensamento-Politico-Brasileiro-e-Hegemonia/pagina1.html.