Sun Yat-sen é considerado um dos mais extraordinários patriotas do mundo contemporâneo
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O objetivo da liga era "expulsar os tártaros (os estrangeiros em geral), regenerar a nação chinesa, implantar a República e igualar o direito de propriedade da terra". Sun Yat-sen foi indicado como o presidente da Liga.
Havia um consenso entre os republicanos de os males da China resultavam da sobrevivência daquele regime arcaico que mantinha rituais feudais totalmente inadequados para enfrentar a avassaladora presença do colonialismo. A China parecia-lhes um antigo museu repleto de pó e quinquilharias cujas portas e janelas deveriam ser abertas para que uma nova aragem soprasse sobre tudo, levando embora o que fosse antiquado.
Em pouco tempo, células e comitês clandestinos começaram a surgir em vários cantões da China, preocupados na divulgação do seu programa, tornando-se de fato, com seus 10 mil integrantes, o primeiro partido republicano que mais tarde se transformaria no Partido Nacional da China (Goumindang).
A Liga não se prendeu apenas ao propósito proselitista, pois estimulou vários levantes armados. Contaram-se 113 insurgências no ano de 1909 e 285 no ano seguinte. A gota d'água que fez transbordar a insatisfação nacional foi a notícia de que o governo imperial havia entregado aos colonialistas o direito de construção de estradas-de-ferro em várias regiões do reino, pois as províncias do interior temiam cair sob controle direto deles.
Levantes republicanos
O resultado foi que a Liga Revolucionária, aproveitando-se da situação de desgaste dos Qing, preparou uma nova onda de levantes, começando pelo de Wuchang, na província de Hubei, no sul do reino, marcado para 10 de outubro de 1911. Dali estendeu-se vitorioso para Hanyang e Hankou. Em pouco tempo 14 províncias se declararam independentes de Pequim. Sun Yat-sen retornando do exílio nos Estados Unidos, em dezembro de 1911, foi eleito em Nanquim pelos integrantes da Liga Revolucionária como o primeiro presidente provisório da China. O líder proclamou então a fundação da Republica da China no dia 1º de janeiro de 1912.
Todavia, um plano de dupla usurpação por parte dos conservadores já estava em marcha. O general do império Yuan Shikai, com a simpatia dos monarquistas constitucionais, antecipando-se aos rebeldes republicanos, destronou, em fevereiro de 1912, o imperador Pu Yi (que veio a ser o último imperar da China) e se apropriou da cadeira presidencial, contando com o aberto apoio das potências colonialistas.
A República do Caos
O fato de o milenar poder centralizado ter desaparecido em questão de semanas, varrido pela Revolução de 1911 (Xīnhài Gémìng), tornou o território chinês um campo de luta de escorpiões. De todos os lados brotaram senhores da guerra ou caudilhos militares, apelidados pelo povo como os 'déspotas malvados', com seus exércitos particulares que passaram a se devorar. Cada um deles estabeleceu relações especiais com as potências colonialistas que trataram de vender armamentos a quem melhor lhes pagasse. Parecia uma restauração do feudalismo por outros meios, sendo que cada déspota dominava sua região com mão-de-ferro tornando inviável qualquer futura intenção democrática.
Neste cenário caótico, o general Yuan Shikai simplesmente acreditou que se ele restaurasse o poder imperial a ordem voltaria reinar no país. Escolheu como titulo ser o Grande Imperador da China com o nome de Hongxia. Todavia, em 5 de junho de 1916 ele foi vítima de um repentino colapso após posar 83 dias como imperador, deixando ao seu sucessor, o general Duan Qirui, a tarefa de suspender a 'Constituição Provisória' e dissolver o parlamento - ação que se revelou infrutífera, ampliando ainda mais a desordem que contaminava o país inteiro. Politicamente a China virou num gigantesco retalho descosturado.
Enquanto isso, o incansável Sun Yat-sen, fixando-se em Guangzhou (Cantão) no sul da China, erguia a bandeira da 'Campanha pela Defesa da Constituição', que terminou sendo mais um dos seus fracassos.
Anos depois, imensamente decepcionado pelos desvarios da tão esperada república, o novelista, contista e ensaísta Lu Xun (vitimado pela tuberculose em 1936), registrou na revista A planície estéril (Mangyuan) que "os homens têm lágrimas, o que é um progresso sobre as animais, mas o fato de terem lágrimas para chorar não é de modo algum um progresso"(Variações, 8 de maio de 1925).