ORIGINALIDADE DAS LÍNGUAS INDÍGENAS BRASILEIRAS
1. Quantidade e diversidade
Embora a maioria dos brasileiros tenha a impressão de viver num país monolíngüe, o Brasil é na verdade multilíngüe: nele são aprendidas como línguas maternas cerca de 200 línguas. A singularidade lingüística do Brasil está em que uma dessas línguas, o Português, é hoje extremamente majoritária e as demais são todas extremamente minoritárias. As pessoas que têm línguas maternas minoritárias no Brasil constituem apenas 0,5% da população total do país, cerca de 750.000 indivíduos. Deste contingente a maior parte, 60%, fala a que é a segunda língua do Brasil em termos demográficos – o Japonês. Os 40% restantes, cerca de 300.000 pessoas, distribuem-se pelas outras línguas de minorias asiáticas (Chinês, Coreano, Árabe, Armênio, etc.) e européias (Alemão, Italiano, Polonês, Grego moderno, Húngaro, Ucraniano, Ídiche, Lituano, etc.) e pelas línguas indígenas. Embora existam hoje no Brasil cerca de 220 povos indígenas, o número de línguas indígenas ainda faladas é um pouco menor, cerca de 180, pois mais de vinte desses povos agora falam só o Português, alguns passaram a falar a língua de um povo indígena vizinho e dois, no Amapá, falam o Crioulo Francês da Guiana. A população total dos povos indígenas é agora de cerca de 190.000 pessoas, mas destas só cerca de 160.000 falam as 180 línguas indígenas. Isto implica numa média de menos de 900 falantes por língua. Como, naturalmente, a distribuição é desigual, algumas dessas línguas são faladas por cerca de 20.000 pessoas ao passo que outras o são por menos de 20.
Há grande diversidade entre as línguas indígenas do Brasil, tanto de natureza tipológica, quanto de natureza genética. Do ponto de vista tipológico há tanto línguas de gramática predominantemente analítica, quanto outras fortemente polissintéticas, com características que só se encontram nas Américas; tanto línguas com inventários fonológicos abundantes, como outras com um número extremamente reduzido de vogais e consoantes, assim como há línguas tonais, que caracterizam as palavras por sílabas de tom mais alto e de tom mais baixo, e línguas que, como a maioria das européias, só usam o tom para caracterizar tipos de sentenças.
Do ponto de vista genético, que permite classificar as línguas em conjuntos com origem comum mais próxima ou mais remota, as 180 línguas indígenas brasileiras se distribuem por pouco mais de 40 conjuntos, a que se costuma dar o nome de famílias lingüísticas. Dez destes constam hoje de uma só língua, a qual, por ser a única e não apresentar parentesco com as demais conhecidas, é também chamada de língua isolada. O número de línguas nas outras famílias varia de duas a trinta.
Este último é o número de línguas da família Tupí-Guaraní no Brasil, que é a mais distribuída sobre nosso território, com línguas no Amapá e norte do Pará e com outras no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com umas no litoral atlântico e outras em Rondônia, assim como nos principais afluentes meridionais do rio Amazonas, no Madeira, no Tapajós, no Xingu e também no Tocantins e Araguaia. Outras grandes famílias são a Jê, que tem línguas distribuídas desde o Maranhão até o Rio Grande do Sul, a Aruak no oeste e no leste da Amazônia, em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul, e a Karíb ao norte do rio Amazonas, nos estados do Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, mas com algumas línguas ao sul daquele rio, ao longo de seu afluente Xingu, nos estados do Pará e Mato Grosso. Dez famílias, inclusive a Tupí-Guaraní, são reconhecidas como aparentadas geneticamente num nível mais remoto, constituindo um conjunto de conjuntos, a que se chama tronco lingüístico, nesse caso o tronco Tupí. Há evidências de que a família Karíb também está aparentada geneticamente com o tronco Tupí, mas ainda não estão claros maiores detalhes dessa conexão. Outro tronco é o Macro-Jê, que reúne 12 famílias, uma das quais é a família Jê. Há sugestões sobre outras relações genéticas entre diversas famílias, mas são ainda meramente especulativas.
2. Propriedades fonológicas incomuns ou únicas
Qualquer língua opera com unidades de forma e significado e com regras de combinação dessas unidades. As formas dessas unidades, que se chamam morfemas, têm sua substância formada por unidades de outra ordem, os fonemas, estes constituídos por sons produzidos pelos órgãos da fala do corpo humano. O repertório de sons que podem constituir os fonemas é muito grande, mas cada língua utiliza só um conjunto bastante limitado. Como alguns fonemas podem ser constituídos por dois ou mais sons, os inventários de fonemas são ainda mais limitados. As línguas diferem bastante, entretanto, seja em seu número de fonemas, seja na qualidade destes. Em todas elas, entretanto, distinguimos duas classes principais de fonemas, os fonemas glotais, produzidos basicamente na laringe, e os fonemas supraglotais, produzidos basicamente acima da laringe, ou seja, na faringe e na boca. Os fonemas glotais são as vogais, de uso universal, e o oclusivo e o fricativo glotais, que não se usam em todas as línguas. Os supraglotais são as consoantes, também universais enquanto classe de fonemas. As consoantes se subdividem em diversas categorias, segundo o modo como se produzem por articulação dos órgãos supraglotais (língua, palato, lábios) e segundo a localização da articulação.
Uma das línguas indígenas brasileiras tem o que é provavelmente o menor inventário de fonemas no mundo: a língua Pirahã falada junto a um dos afluentes do rio Madeira, no Amazonas, tem apenas dez fonemas – seis consoantes, três vogais e o fricativo glotal.. Esta, que é a única ainda falada da família Múra e que está bem documentada e analisada, é uma língua tonal, com dois fonemas tonais, um tom alto e um tom baixo, que concorrem com as consoantes, as vogais e o fricativo glotal para caracterizar cada sílaba das palavras. Do ponto de vista fonético, o Pirahã é particularmente notável por ter um som D até hoje só encontrado nele e em nenhuma outra língua do mundo, o qual é produzido com o mesmo movimento inicial da língua com que se faz o nosso r de arara, mas aplicando-se as bordas laterais desse órgão aos dentres molares superiores (como na produção do nosso l), e projetando-se a ponta do mesmo para fora da boca por entre os dentes incisivos e os lábios; e um outro som, não exclusivo, mas rarísimo como som lingüístico, B, produzido pela vibração dos lábios acompanhada de vibração das cordas vocais (Everett 1979, 1982, Rodrigues 1984). Som análogo a este último e igualmente incomum nas línguas do mundo, produzido da mesma maneira mas sem a vibração das cordas vocais, portanto P, encontra-se em palavras da língua Arara da família Karíb, no baixo Xingu (Souza 1988). A língua Suruí ou Paitér de Mato Grosso (família Mondé) tem um som até agora observado só nela, uma consoante fricativa lateral surda interdental L (e não alveolar, como a que tem sido descrita para muitas outras línguas) (van der Meer 1982, Rodrigues 1984).
Do ponto de vista fonológico, isto é, da economia dos sons, o Pirahã também é particularmente notável. Seu sistema consonantal é um dos mais anárquicos que se conhecem, muito pouco configuracional. Por exemplo, o som oclusivo velar [k], que por si só não constitui um fonema, ocorre como variante tanto do fonema oclusivo labial /p/, como do oclusivo dental /t/ e, ainda, da seqüência hi. Há, nesse sistema, dois fonemas oclusivos sonoros, um labial /b/ e o outro não labial /g/.
Ambos têm uma variante nasal e outra líqüida, mas enquanto para /b/ essas são da mesma qualidade labial, [m] e [B], respectivamente, para /g/, que é basicamente velar, elas não são velares, mas sim dentais, [n] e [L], respectivamente (Everett 1979, 1986, Rodrigues 1984). A língua Maxakalí, da família do mesmo nome, em Minas Gerais, é a única no mundo com variantes vocálicas para todas as suas consoantes.
Esta língua explora só minimamente as possibilidades de produzir consoantes: todas as suas consoantes são oclusivas, uma série de quatro surdas (isto é, sem vibração das cordas vocais) e outra de quatro sonoras (com vibração das cordas vocais). Mas as sonoras tornam-se inteira ou parcialmente nasais em determinados contextos e tanto as surdas como as sonoras apresentam, segundo os contextos, variantes pré-vocalizadas ou inteiramente vocalizadas, isto é, como puras vogais fonéticas (Gudschinsky, Popovich & Popovich 1970, Rodrigues 1981, Wetzels & Sluyters 1995).
Outros fenômenos fonológicos de interesse teórico descobertos em línguas indígenas do Brasil incluem segmentos fonológicos complexos, com até três fases sucessivas de realização fonética, tanto consonantais como vocálicos, em línguas como o Kaingáng do Paraná (família Jê) (Rodrigues e Cavalcante 1982, Cavalcante 1987), o Yuhúp (família Makú) da bacia do rio Negro, no Amazonas (del Vigna 1991) e o Maxakalí (família Maxakalí) em Minas Gerais (Gudschinsky, Popovich & Popovich 1970, Pereira 1991); a produção de sons nasais em contacto com fonemas assilábicos glotais, como em Pirahã (família Múra) e em Mawé (família Mawé, tronco Tupí) (Rodrigues 1984, Sândalo 1991); a nasalização da vogal a por processo fonológico de compactação em Kaingáng e em Tapirapé (Rodrigues 1981); etc.
3. Propriedades gramaticais incomuns ou únicas
Enquanto diversas línguas indígenas sul-americanas têm elementos pronominais de primeira pessoa do plural, equivalentes ao nós, nos, nosso do Português, muitas outras distinguem duas expressões pronominais da chamada primeira pessoa do plural, uma inclusiva, que inclui a pessoa com quem se fala (‘eu e você’ ou ‘eu e vocês’) e outra exclusiva, que exclui essa pessoa (‘eu e ele’ ou ‘eu e eles’). Essa é uma distinção que ocorre em diferentes partes do mundo. Há entretanto uma distinção que até agora só foi observada numa língua do Brasil, o Tupinambá (fam. Tupí-Guaraní). Nesta há três pronomes «nós», um exclusivo e dois inclusivos.
Estes dois últimos se distinguem pela presença ou ausência de uma terceira pessoa que o falante põe em foco em seu discurso: jané significa ‘eu e você’ ou ‘eu e vocês’ ou ‘eu, você e outros’, ao passo que asé quer dizer ‘ele e eu e você(s)’ ou ‘eles e eu e você(s)’. Nos verbos dessa língua há prefixos que marcam os sujeitos em concordância com esses pronomes, ja- e o-, respectivamente; mas esses dois prefixos se usam não só quando o sujeito é «nós», mas também quando é «ele» ou «eles», isto é, apenas de 3a. pessoa, caso em que o- se refere a uma 3a. pessoa que é o foco do discurso, enquanto que ja- indica uma terceira pessoa que não é o foco. Em conseqüência, a forma verbal ojkutúk pode significar ‘nós o ferimos’ ou ‘ele o feriu’, e o mesmo se dá com a forma jajkutúk.
Essa situação se explica não só pela distinção entre 3a. pessoa focal e não focal, mas também pela importância que se dá ao contraste entre falante e ouvinte: quando os dois agem juntos (situação de «nós inclusivo») não há contraste entre eles, da mesma forma como também não há contraste quando só uma terceira pessoa age («ele(s)»): daí o uso das mesmas marcas de «pessoa»; as demais marcas de pessoa no verbo referem-se a situações em que há esse contraste: a- ‘eu (você não)’, oro- ‘eu e ele ou eles (você não)’, ere- ‘você (eu não)’, pe- ‘você e ele ou eles (eu não)’. Assim, nessa língua, ‘eu e você’ exprime-se exatamente como ‘nem eu nem você’. (Rodrigues 1990, 1993)
Embora até os anos 70 se considerasse um princípio universal a construção de orações negativas mediante o acréscimo às afirmativas correspondentes de um ou mais morfemas de negação, portanto por um aumento de substância, uma língua de Rondônia, o Karitiána (família Arikém, tronco Tupí) produz orações negativas mediante a supressão das marcas de aspecto e tempo no verbo, portanto por redução de substância (Landin 1984). Outro suposto princípio universal foi desfeito nos anos 70 pelo estudo de outra língua amazônica. Com base no exame de línguas dos outros continentes tipologistas haviam concluído que não existiam línguas em que a ordem básica das orações transitivas tivesse o objeto direto nominal em primeira posiçáo. O Hixkaryána, língua da família Karíb, no rio Nhamundá no Amazonas, desfez essa conclusão (Derbyshire 1977).
Entre outros fenômenos gramaticais únicos ou incomuns podemos citar a incorporação de posposições no sintagma verbal em Panará, da família Jê, hoje na bacia do Tapajós (Dourado 1994), e em Nadêb (família Makú) da bacia do rio Negro, no Amazonas (Weir 1990); a incorporação recursiva de nomes no sintagma verbal do mesmo Nadêb (Weir 1990); referência alternada (switch reference) não apenas no sujeito de orações coordenadas ou subordinadas, mas também no objeto direto e nos complementos indiretos, como em algumas línguas da família Tupí-Guaraní (Silva 1999); etc.
4. O porquê da originalidade
4.1. A antigüidade do homem na América do Sul
O povoamento da América do Sul por seres humanos é recente em relação à antigüidade do homem sobre a Terra: as estimativas mais conservadoras são de cerca de 12.000 anos antes do presente, mas resultados mais recentes de pesquisas arqueológicas apontam para a possibilidade de que o homem já estivesse aqui há uns 50.000 anos. Mesmo com as estimativas mais cautelosas, os grupos humanos que aqui penetraram tiveram um longuíssimo tempo para ir ocupando o novo espaço, adaptando-se a suas características ecológicas, aumentando sua população, dividindo-se sucessivamente em grupos que se distanciaram mais e mais, e mais e mais se diferenciaram, desenvolvendo novos hábitos, novos conhecimentos, novas atitudes. Como uma propriedade universal das línguas é sua contínua mudança através das gerações e sua diversificação quando se reduz ou se perde o contacto entre partes de seus falantes, a língua ou as línguas que os imigrantes pré-históricos trouxeram para a América do Sul tiveram um tempo considerável para modificar-se e diferenciar-se, multiplicando-se em diversas famílias lingüísticas.
Todos os componentes de uma língua – seu sistema de sons, seu sistema morfológico e sintático e seu vocabulário, assim como suas estratégias de construção do discurso – mudam no curso do tempo, em conseqüência de reajustes internos desses sistemas e devido a mudanças na cultura e organização social do povo que a fala e a influências de outras línguas com que ela entra em contacto em determinadas circunstâncias. Os resultados dessas mudanças freqüentemente coincidem com fenômenos já existentes em outras línguas, mas às vezes constituem inovações. Tais inovações podem propagar-se para outras línguas que entrem em contacto com a língua inovadora e podem, assim, tornar-se características de uma determinada área geográfica, mas também podem ficar restritas somente à família genética descendente da língua inovadora. Quando as características de uma região geográfica mantêm relativamente isolados os povos que nela vivem, as inovações não se propagam além dessa região, da mesma forma como inovações ocorridas fora dessa área aí náo penetram.
4.2. O relativo isolamento da América do Sul
A América do Sul é quase uma ilha, é uma grande península ligada às Américas Central e do Norte apenas pelo estreitíssimo istmo do Panamá e separada dos demais continentes pelos dois maiores oceanos, o Atlântico e o Pacífico. A natureza insular da América do Sul deve ter tido como conseqüência que inovações lingüísticas não coincidentes com fenômenos já existentes fora dela ficaram restritas a línguas daqui, da mesma forma como fenômenos lingüísticos surgidos em outras regiões do mundo apõs o povoamento desta, não puderam propagar-se até aqui. Em vista disso, não pode ser surpreendente, antes é de esperar-se que várias línguas indígenas do Brasil, assim como de outras partes da América do Sul, apresentem fenômenos originais em relação ao que é conhecido dos demais continentes.
Que só muito recentemente tenham começado a ser percebidos tais fenômenos deve-se essencialmente a dois fatores: primeiro, a pesquisa científica das Línguas Indígenas no Brasil e na América do Sul em geral é muito recente e ainda muito pouco desenvolvida e, segundo, ainda são muito poucos os pesquisadores e para estes há muito pouco apoio institucional.
5. A perda da quantidade e da diversidade
A lentidão com que se tem desenvolvido a pesquisa científica das Línguas Indígenas no Brasil revela-se extremamente grave quando se verifica que essas línguas, desde o descobrimento do Brasil pelos europeus, têm estado continuamente submetidas a um processo de extinção (ou mesmo de exterminação) de espécies de conseqüências extremamente graves. Hoje há cerca de 180 línguas indígenas neste país, mas estas são apenas 15% das mais de mil línguas que se calcula terem existido aqui em 1500 (Rodrigues 1993a, 1993b). Essa extinção drástica de cerca de 1000 línguas em 500 anos (a uma média de duas línguas por ano) não se deu apenas durante o período colonial, mas manteve-se durante o período imperial e tem-se mantido no período republicano, às vezes, em certos momentos e em certas regiôes, com maior intensidade, como durante a recente colonização do noroeste de Mato Grosso e de Rondônia. Quase todas as línguas indígenas que se falavam nas regiões Nordeste, Sueste e Sul do Brasil desapareceram, assim como desapareceram quase todas as que se falavam na calha do rio Amazonas. Essa enorme perda quantitativa implica, naturalmente, uma grande perda qualitativa. Línguas com propriedades insuspeitadas desapareceram sem deixar vestígios, e provavelmente algumas famílias lingüísticas inteiras deixaram de existir. As tarefas que têm hoje os lingüistas brasileiros de documentar, analisar, comparar e tentar reconstruir a história filogenética das línguas sobreviventes é, portanto, uma tarefa de caráter urgente urgentíssimo. Muito conhecimento sobre as línguas e sobre as implicações de sua originalidade para o melhor entendimento da capacidade humana de produzir línguas e de comunicar-se ficará perdido para sempre com cada língua indígena que deixa de ser falada.
6. A situação atual
A simples menção do número de 180 línguas indígenas existentes hoje no Brasil pode dar uma falsa idéia da realidade. Uma maior aproximação com esta realidade só pode ser obtida mediante consideração dos dados demográficos referentes a cada língua. Seria demasiado longo apresentar aqui em detalhe esses dados, por isso limito-me a agrupar as línguas dentro de certos limites demográficos, isto é, segundo o número de pessoas que as falam, e a mencionar o número de línguas em cada grupo. Há apenas uma língua com pouco mais de 30.000 falantes, duas entre 20.000 e 30.000, outras duas entre 10.000 e 20.000; três entre 5.000 e 10.000; 16 entre 1.000 e 5.000; 19 entre 500 e 1.000; 89 de 100 a 500 e 50 com menos de 100 falantes. A metade destas últimas, entretanto, tem menos de 20 falantes.
Em resumo: das 180 línguas apenas 24, ou 13%, tèm mais de 1000 falantes; 108 línguas, ou 60%, têm entre 100 e 1000 falantes; enquanto que 50 línguas, ou 27%, têm menos de 100 falantes e metade destas, ou 13%, têm menos de 50 falantes (Rodrigues1993c). Em qualquer parte do mundo línguas com menos de 1000 falantes, que é a situação de 87% das línguas indígenas brasileiras, são consideradas línguas fortemente ameaçadas de extinção e necessitadas, portanto, de pesquisa científica urgentíssima, assim como de fortes ações sociais de apoio a seus falantes, que como, comunidades humanas, estão igualmente ameaçados de extinção cultural e, em não poucos casos, de extinção física.
7. O Laboratório de Línguas Indígenas
O objetivo maior do Laboratório de Línguas Indígenas do Instituto de Letras da Universidade de Brasília é o estabelecimento de um espaço institucional para promover a documentação, análise, descrição, comparação não só das línguas, mas também das situações em que se encontram estas. O laboratório deve tornar-se um centro de troca de conhecimentos e de experiências por pesquisadores de diversas instituições, do País e do exterior, um espaço de trabalho e de treinamento para novos pesquisadores e uma agência de informações e consultas sobre o conhecimento lingüístico relevante para pesquisadores e agentes sociais e educacionais, que cooperam com comunidades indígenas, assim como diretamente para essas mesmas comunidades.
(Conferência feita na inauguração do Laboratório de Línguas Indígenas do Instituto de Letras da Universidade de Brasília, em 8 de julho de 1999.)
Referências
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Souza, I. de, 1988. Contribuição para a fonologia da língua Arára (Karíb). Dissertação de mestrado, UNICAMP.
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Fonte: orbita.starmedia.com
Línguas Indígenas no Brasil
As Línguas Indígenas e sua relação com seus universos sócio-culturais
Até 1.500, marco histórico da colonização, eram faladas no Brasil aproximadamente 1.300 línguas indígenas. Epidemias e doenças contagiosas, guerras, caça aos escravos, campanhas de extermínios, destruição dos meios de subsistência, redução dos territórios de caça, coleta e pesca, imposição dos costumes estrangeiros, obrigando a uma assimilação forçada, entre outros, levaram muitos povos indígenas à morte física e cultural.
Atualmente, 180 línguas são encontradas pelo território brasileiro, o que significa a destruição de cerca de 85% dessa diversidade.
Apesar dessa violência histórica, ainda hoje há grupos inteiros que só falam a sua língua indígena materna. Há alguns grupos bilíngües, que falam o português e a sua língua indígena. Hoje existem aproximadamente 216 povos indígenas e alguns destes não possuem mais sua língua materna e falam apenas o português (cerca de 46 povos falam apenas o português).
As línguas indígenas brasileiras possuem grande importância cultural e científica. Quando falamos da língua de um povo, estamos também falando da sua cultura, história, percurso geográfico, cosmovisão.
A diversidade lingüística existente no Brasil foi classificada de acordo com suas semelhanças e diferenças. Este estudo sobre as línguas indígenas brasileiras produz um conhecimento a respeito dos universos culturais desses povos. A cultura de um povo é um conjunto de respostas que ele dá às experiências pelas quais ele passa e aos desafios que lhe são feitos ao longo de sua história. E a língua é uma das mais importantes chaves para se iniciar o conhecimento sobre um povo.
A língua, assim como a cultura, também é uma construção social, ou seja, se forma junto com o povo e vai sendo moldada ao longo do tempo, passando por mudanças e sendo, por isso, dinâmica. Um povo pode crescer demograficamente, ter dificuldades com a alimentação, abrigo, defesa, ou pode se dividir, tomando direções diferentes. Tais fatores vão acarretando diversas experiências de vida e respostas diferentes a estes desafios. Tudo isso pode contribuir para a diferenciação entre as línguas.
Pelo grande número de Línguas Indígenas no Brasil, podemos deduzir que por aqui passaram muitos e muitos grupos humanos. Portanto, o conhecimento das línguas indígenas, suas semelhanças e diferenças, nos levam ao conhecimento das experiências e aprendizados acumulados pelos povos que as falam.
Para facilitar a compreensão da classificação das línguas, vejamos uma análise semelhante realizada com as línguas que se originam do Latim.
Na medida em que os povos latinos foram vivendo sua história e se estabelecendo em diferentes lugares, compondo e trilhando diferentes experiências, o latim foi se modificando e criando as diversas línguas: como o português, o espanhol, o italiano e outras, agrupadas em “famílias lingüísticas”. O Latim é a origem comum de diversas famílias lingüísticas e recebe o nome de “Tronco Lingüístico”. .
Uma análise semelhante realizada com as línguas que se originam do Latim: O mesmo processo aconteceu com as línguas indígenas brasileiras, com um agravante: a amarga história de invasão do Brasil pelos colonizadores. Colonização esta que gerou não apenas o extermínio de diversas etnias, mas também a assimilação aos usos, costumes e língua dos colonizadores, que foi tão violenta quanto o genocídio aqui ocorrido.
A maior parte das línguas indígenas se concentra na parte norte ou oeste do Brasil, pelo fato dos primeiros contatos terem acontecido na região leste.
Apenas quatro povos desta região conseguiram conservar suas línguas e suas culturas: os Fulni-ô em Pernambuco, os Maxakali em Minas Gerais, os Xokleng em Santa Catarina e os Guarani que migram pelas regiões litorâneas do sul e sudeste.
A classificação em Troncos e Famílias Indígenas Lingüísticas mais aceita pelos estudiosos foi a realizada pelo Professor Aryon Rodrigues (1986).
As línguas indígenas brasileiras são classificadas em dois troncos lingüísticos: o TUPI (com cerca de 10 famílias lingüísticas) e o MACRO-JÊ (com aproximadamente 12 famílias). E há ainda outras línguas que não puderam ser agrupadas em troncos e foram consideradas por Rodrigues como famílias lingüísticas de uma etnia apenas (10 línguas que não se identificam com nenhum dos dois troncos). Seguindo este raciocínio, o Brasil tem cerca de trinta e cinco famílias de línguas indígenas.
O tronco Tupi é o maior e o mais conhecido. Os povos indígenas pertencentes a este tronco lingüístico se encontram dispersados geograficamente pelo território brasileiro, geralmente, em regiões úmidas e com florestas ou no litoral.
Os povos indígenas constituintes do Tronco Macro-Jê situam-se em regiões de cerrado e caatinga que vão desde o sul do Pará até o sul do país.
A vida dos povos indígenas é regulamentada por normas e tradições e existe uma profunda ligação com o mundo sobrenatural, o mundo cósmico. Os mitos são narrativas que explicam a origem do mundo e dos seres para cada etnia. E os rituais são cerimônias que marcam as várias fases da vida de um povo, como a gestação, o nascimento, a passagem para a vida adulta, o casamento e a morte. Existem também rituais ligados à plantação, à colheita, à caça e à guerra.
Todos estes momentos rituais são celebrados de acordo com as particularidades culturais de cada povo. Os rituais, a forma da aldeia, a maneira de celebrar a vida e a morte, entre outras características possuem uma profunda ligação com as línguas e o caminho histórico e geográfico percorrido pelos indígenas. Sendo assim, o estudo das línguas e sua classificação, nos aproxima da compreensão dos universos de sentido dos indígenas em toda a sua diversidade.
Fonte: www.bibvirt.futuro.usp.br
Línguas Indígenas no Brasil
ASPECTOS DA HISTÓRIA DAS LÍNGUAS INDÍGENAS DA AMAZÔNIA
1. Língua, cultura e constituição física
É fato bem estabelecido e facilmente demonstrável que língua, cultura e constituição física, embora com freqüência historicamente associadas, são propriedades independentes nos seres humanos (veja-se, p. ex., F. Boas, Race, language, and culture, New York: Macmillan, 1940). Na Amazônia um bom exemplo é o povo Kamayurá: suas características físicas externamente observáveis são as mesmas de outros povos do Alto Xingu como os Waurá ou os Kuikúru, e sua cultura está completamente integrada no complexo cultural alto-xinguano, mas sua língua é a única representante, nesse complexo, da família lingüística Tupi-Guaraní, que inclui um grande número de povos amazônicos de línguas estreitamente aparentadas, porém física e culturalmente distintos dos Kamayurá.
2. As línguas amazônicas hoje: quantidade e diversidade
Hoje são faladas na Amazônia cerca de 250 línguas indígenas, sendo que cerca de 150 em território brasileiro. Embora aparentemente altos, esses números são o resultado de um processo histórico a colonização européia da Amazônia que reduziu drasticamente a população indígena nos últimos 400 anos. Estima-se que, só na Amazônia brasileira, o número de línguas e de povos teria sido de uns 700 imediatamente antes da penetração dos portugueses (cf. Rodrigues 2001). Apesar da extraordinária redução quantitativa, as línguas ainda existentes apresentam considerável diversidade, caracterizando a Amazônia como uma das regiões de maior diferenciação lingüística do mundo, com mais de 50 famílias lingüísticas.
3. O estudo comparativo e classificatório das línguas: as famílias lingüísticas e os troncos lingüísticos
O conhecimento científico das línguas é adquirido basicamente pela lingüística descritiva, cujo objetivo é documentar, analisar e descrever as línguas, de modo a torná-las objetos comparáveis, tanto para estudos classificatórios, como para estudos teóricos. As classificações lingüísticas podem ser tipológicas ou genéticas.
Estas últimas consistem em agrupar as línguas em conjuntos para os quais se pode estabelecer uma bem fundada hipótese de comum origem no passado. Esses agrupamentos genéticos são chamados famílias lingüísticas e sua identificação fornece um critério classificatório de natureza histórica, que é utilizado não só pelos lingüistas, mas também pelos antropólogos como indicativo de relações históricas entre os povos.
O número de línguas numa família pode variar de muitas dezenas a apenas uma. Famílias com apenas uma língua são freqüentemente chamadas de línguas isoladas ou isolados lingüísticos. Na Amazônia, como em toda a América do Sul, é provável que a maioria dos isolados lingüísticos representem sobreviventes de famílias maiores, reduzidas durante o processo de colonização européia. A constituição de uma família com diversas línguas, o que é o caso mais comum, implica em que houve em algum tempo do passado uma língua ancestral, da qual as línguas atuais são modificações diferenciadas. A essa língua ancestral, inferida e reconstruída a partir da comparação das línguas atuais, é dado o nome de proto-língua. Uma vez estabelecidas diversas famílias lingüísticas, pode surgir evidência de que algumas delas e suas respectivas línguas ancestrais provêm de outra língua ancestral, outra protolíngua, mais antiga. A um conjunto de famílias nessa situação tem-se chamado de tronco lingüístico. Como todo procedimento classificatório, a classificação das línguas em famílias e troncos genéticos organiza nosso conhecimento sobre elas e sobre os povos que as falam.
4. A reconstrução de traços culturais do passado
São reconstruíveis para as protolínguas as palavras e outros elementos lingüísticos que se encontram preservados em todas ou na maioria das línguas de uma família ou das famílias de um tronco com forma e significado regularmente deriváveis de uma só forma mais antiga. A comparação da palavra para faca nas línguas da família Tupi-Guaraní, p. ex., Tupinambá kysé, Guaraní antigo kytsé, Mbyá kytxé, Kaapór kyhé, etc., leva à reconstrução para o Proto-Tupí-Guaraní da forma *kytxé com o mesmo significado de faca. Por aí podemos concluir que os falantes pré-históricos da proto-língua da família Tupí-Guaraní utilizavam facas como instrumentos cortantes, embora nada possamos dizer sobre a natureza de tais facas (é possível que se tratasse de facas feitas de taquara, já que nas línguas da família Tuparí aparentada com a família Tupí-Guaraní dentro do tronco Tupí a forma correspondente, kyté na língua Tuparí, significa taquara).
A presença não ambígua de um conceito numa proto-língua implica a existência da coisa correspondente, de modo que, ao reconstruir formas lingüísticas, estamos reconstruindo também fragmentos de cultura pré-histórica. Na Amazônia, um caso particularmente interessante é o da reconstrução de palavras relacionadas à agricultura na proto-língua do tronco Tupi. A comparação das línguas das dez famílias que constituem esse tronco permite a reconstrução das palavras para roça, cavador de cova, mandioca, batata doce, cará, abóbora, cabaça, socar e outras que indicam claramente que o povo pré-histórico que falava aquela língua já era agricultor como seus descendentes modernos. Note-se que a idade estimada para o Proto-Tupí é de cerca de 5.000 anos. Se essa estimativa estiver correta, temos um dado que reforça outras informações, menos claras do que essa, da antigüidade da agricultura na Amazônia e, particularmente, entre os povos Tupí.
5. A família Tupí-Guaraní e o tronco Tupi
A família Tupí-Guaraní, com mais de trinta línguas, é uma das maiores da América do Sul e tem a maioria de seus povos na Amazônia. Seu reconhecimento como família genética data já do século XIX (Martius 1867, Steinen 1882, Adam 1896), mas só em meados do século XX é que se reconheceu que ela faz parte de um conjunto de dez famílias amazônicas, bastante diferenciadas entre si, mas cuja remota origem comum pode ser demonstrada (Rodrigues 1955). Esse conjunto recebeu o nome de tronco Tupí (Rodrigues 1958a, 1958b, 1964) e as outras nove famílias que o integram são a Awetí no Alto Xingu, a Jurúna no médio e baixo Xingu, a Mawé e a Mundurukú no Tapajós, a Mondé, a Ramaráma, a Puruborá, a Arikém e a Tuparí na bacia do Madeira, especialmente entre seus afluentes Aripuanã e Guaporé. Como se vê, todas essas nove famílias estão na Amazônia e, como aqui está também a maioria das línguas da Tupí-Guaraní, o tronco Tupí é essencialmente amazônico.
6. Possíveis conexões entre troncos lingüísticos. Os troncos lingüísticos, enquanto conjuntos de famílias oriundas de uma mesma proto-língua mais remota, podem ainda mostrar relações genéticas com outros troncos ou com famílias não classificadas em nenhum tronco, as quais podem no fundo ser consideradas como troncos com uma só família. Dado o maior distanciamento genético, os indícios dessas relações são muito mais raros e mais difíceis de perceber. Assim mesmo, no que toca ao tronco Tupí, foram detectados sinais de parentesco com a família Karíb e com o tronco Macro-Jê (Rodrigues 1985, 2000a).
A família Karíb é também essencialmente amazônica, estendendo-se do Alto Xingu à costa do Mar Caribe, e a hipótese de uma origem comum com o tronco Tupí não nos afasta da Amazônia. Já do tronco Macro-Jê pode-se dizer que, ao contrário, é tipicamente não amazônico, pois das doze famílias nele incluídas, apenas duas, Rikbaktsá e Jê, têm línguas dentro da Amazônia, mas esta última, cujos povos são habitantes típicos dos campos cerrados e dos campos do sul do Brasil, está representada na Amazônia por apenas três povos e as respectivas línguas (Suyá, Panará e Kayapó), que aí penetraram em épocas relativamente recentes. Sendo as línguas do tronco Macro-Jê faladas por povos tipicamente não amazônicos, parentesco genético entre elas e línguas amazônicas como as do tronco Tupi, se confirmado, é indicativo de movimentos populacionais para dentro ou para fora da Amazônia em tempos muito mais antigos que o da diversificação do tronco Tupí.
7. As línguas não amazônicas da família Tupi-Guaraní
A constatação de que o tronco Tupí é essencialmente amazônico dá lugar a uma outra questão interessante: e as línguas da família Tupí-Guaraní situadas fora da Amazônia, na bacia dos rios Paraná e Paraguai, como a Guarani, e na costa leste do Brasil, como a Tupí e a Tupinambá? Na primeira metade do século XX pensava-se que a família Tupí-Guaraní fosse toda oriunda da bacia platina, do espaço entre os rios Paraná e Paraguai, e que daí tivesse penetrado na Amazônia.
Essa concepção mudou com o avanço dos conhecimentos lingüísticos e dos estudos arqueológicos. Lingüistas e arqueólogos concordam agora em que os antepassados dos Guarani devem ter passado dos formadores dos rios Tapajós e Madeira para o alto rio Paraguai e daí para o sul. Entretanto, não há ainda consenso entre arqueólogos e lingüistas quanto à rota seguida pelos antepassados dos Tupí e Tupinambá da costa atlântica.
A hipótese levantada por alguns arqueólogos (Lathrap 1980, Brochado 1984, Noelli 1996) é a de que esses povos teriam deixado a Amazônia migrando para leste a partir do médio Amazonas, passando para a costa do Pará e do Maranhão e ocupando o litoral atlântico até à altura do atual Estado de São Paulo.
Entretanto, uma hipótese baseada em evidências lingüísticas (Rodrigues 2000) indica um caminho quase inverso: os antepassados dos Tupí e dos Tupinambá teriam deixado a Amazônia migrando para o sul, tal como os antepassados dos Guarani não juntamente com estes, mas provavelmente um pouco antes deles e teriam passado para o alto rio Paraná, a partir do qual teriam tomado um ou mais de seus grandes afluentes orientais, como o rio Grande e o Tietê, que teriam subido até chegar à Serra do Mar e ao litoral sueste.
Os Tupi teriam ficado no alto Tietê, na região de Piratininga e de São Vicente, ao passo que os Tupinambá teriam alcançado, pelo Paraíba do Sul, o litoral do Rio de Janeiro, expandindo-se daí para o nordeste e o norte, até penetrar de novo na Amazônia pela costa do Maranhão e do Pará. Independentemente dos Guaraní e dos Tupí e Tupinambá, um terceiro povo Tupí-Guaraní, provavelmente mais próximo destes do que daqueles, migrou para o sul, mas na altura do rio São Miguel, afluente do rio Mamoré, encaminhou-se para noroeste e reentrou na Amazônia, em sua parte sudoeste, na atual Bolívia. Descendentes dessa migração são os Guarayo.
8. As línguas tupi-guarani do nordeste da Amazônia
A região, que se estende do baixo Xingu para leste, passando pelo Tocantins e indo até além do Gurupi, até o Pindaré no Maranhão, e que alcança para o norte o Amapá e a Guiana Francesa, é a que estou chamando aqui de nordeste da Amazônia. Essa é uma região que foi habitada por muitos povos de línguas da família Tupi-Guaraní, os quais sofreram fortes conseqüências da colonização européia a partir do início do século XVII.
Vários desses povos desapareceram no decorrer desses 400 anos e de outros sobreviveram apenas poucas famílias. Além das epidemias de novas doenças, os principais fatores de destruição dos povos e de apagamento de suas línguas foram os aldeamentos forçados para a doutrinação religiosa e para a utilização de sua força de trabalho, o recrutamento para as tropas e as obras do governo colonial e a venda para o trabalho escravo nas propriedades rurais e nos incipientes estabelecimentos urbanos. Alguns conseguiram escapar da ação colonialista em certos momentos, para serem novamente alcançados após poucos ou muitos anos.
Um ou outro desses caíram de novo sob o controle dos não índios só na segunda metade do século XX, como os Araweté e os Asuriní do baixo Xingu, os Parakanã e os Asuriní do Tocantins, os Guajá do Maranhão ou os Joé ou Zoé do Cuminapanema, no norte do Pará. É pela documentação atual das línguas destes sobreviventes da hecatombe colonial e pós-colonial e pelos registros lingüísticos, ainda que limitados, de viajantes e pesquisadores do século XIX e da primeira metade do século XX, que sabemos não só que tal povo falava ou fala uma língua da família Tupi-Guaraní, mas ainda a que ramo mais particular desta essa língua pertence, isto é, com que outras línguas ela compartilha mais traços de herança comum.
É pelo estudo comparativo sistemático e minucioso desses dados que também é possível para o lingüista assegurar que os povos indígenas desta região não são descendentes dos Tupinambá do Maranhão e do Pará, como havia sido suposto por diversos antropólogos em virtude de analogias culturais e do simples fato de que uns e outros são lingüisticamente tupi-guaranis. A língua Tupinambá, da qual havia falantes aqui no Pará ainda em meados do século XVIII, pertence a um daqueles ramos da família Tupi-Guaraní (o sub-conjunto III) que deixaram a Amazônia migrando para o sul em tempos préhistóricos e depois voltaram para o norte pela costa atlântica.
Embora não seja raro um povo mudar de língua com exceção dos Fulniô, os povos indígenas do nordeste brasileiro falam hoje só a língua portuguesa as línguas normalmente ficam ligadas aos povos por muitos séculos, de modo que a história das línguas reflete a história dos respectivos povos. Anteriormente (seção 4 acima) dei a idéia de que a reconstrução de palavras de uma proto-língua leva à reconstrução de elementos da cultura pré-histórica dos que falavam essa, mas, além disso, o estudo comparativo das línguas permite obter mais informações históricas sobre contactos havidos entre povos de diferentes línguas e sobre as migrações que levaram um povo a entrar em contacto com outros.
O estado atual de nosso conhecimento sobre as línguas tupí-guaraní revela, por exemplo, que tanto os povos dessa filiação hoje estabelecidos no Amapá, como os Wayampí, e os que agora vivem no Maranhão, como os Urubu-Kaapór, os Guajajára e os Guajá, são oriundos do Pará, os primeiros do baixo rio Xingu, os últimos do Tocantins. Em ambos os casos as evidências lingüísticas corroboram indicações etnográficas e históricas. Indicadores lingüísticos da história recente dos povos tupí-guaraní no nordeste da Amazônia são palavras provenientes da Língua Geral Amazônica, as quais denunciam o contacto desses povos com essa língua nos séculos XVII e XVIII, seja junto aos mamelucos, cafusos e brancos que a falavam mais que a portuguesa, seja em conseqüência da ação de missionários católicos que também a utilizavam.
9. A Língua Geral Amazônica
Um aspecto histórico importante da Amazônia brasileira é o desenvolvimento da Língua Geral Amazônica como produto da interação entre os Portugueses e os Tupinambá no século XVII. Os filhos de mestiços de homens portugueses e mulheres tupinambá, que logo passaram a constituir a maior parte da população não indígena da nova colônia, falavam a língua de suas mães, a qual, fora do contexto social e cultural indígena, foi-se diferençando mais e mais do Tupinambá falado pelos índios e no século XVIII já se distinguia nitidamente como uma nova língua.
Como língua dos mamelucos, tornou-se a língua comum à população mestiça e não mestiça tanto nos incipientes núcleos urbanos como nos estabelecimentos do interior amazônico, de modo que também passou a ser a língua das missões religosas, onde eram reunidos índios originalmente falantes de muitas outras línguas.
Por essa razão passou a ser tratada como língua geral. Hoje nós a chamamos Língua Geral Amazônica para distingui-la de outra, surgida em situação análoga, na Província de São Paulo, a Língua Geral Paulista. No final do século XIX foi introduzido o nome Nheengatu, com o qual se designa alternativamente a Língua Geral Amazônica. A partir da segunda metade do século XVII esta língua passou a ser o idioma dominante na conquista portuguesa da Amazônia, levada a todas as partes atingidas pelas tropas, pelos colonos e comerciantes e pelos missionários. Como língua dos colonizadores ela foi aprendida como segunda língua pelos índios contactados ao sul e ao norte do rio Amazonas, e seu uso se estendeu pelo Solimões até a Amazônia peruana e pelo Rio Negro até a Venezuela e a Colômbia.
Ela foi, portanto, a língua predominante do que foi o Estado do Maranhão e Grão Pará, em detrimento da portuguesa, que só tardiamente veio a substituí-la. A situação de franco predomínio da Língua Geral Amazônica provocou fortes medidas em favor da língua portuguesa na administração do Marquês do Pombal em Portugal e de seu irmão Mendonça Furtado aqui na Amazônia. Entretanto, os fatores sociais que mais favoreceram a penetração e generalização da língua portuguesa na Amazônia, como a temos hoje, foram o genocídio da população falantes de língua geral durante a repressão à revolta da Cabanagem e, alguns anos depois, a importação maciça para os seringais amazônicos de trabalhadores nordestinos, falantes exclusivos da língua portuguesa. Mais recentemente, sobretudo no século XX, um outro fator terá sido a crescente escolarização unicamente em Português.
A presença extensiva da Língua Geral Amazônica durante mais de duzentos anos influenciou não só o Português amazônico, mas também muitas línguas indígenas de outras famílias, do tronco Tupí e de outras filiações genéticas, como o Jurúna do rio Xingu, o Mawé e o Mundurukú do rio Tapajós, o Pirahã (Múra) do rio Madeira, o Tikúna do rio Solimões e línguas da família Karíb ao norte do rio Amazonas. Na bacia do rio Negro várias línguas indígenas foram inteiramente substituídas pela Língua Geral Amazônica, como é o caso da língua dos Baré, no município de São Gabriel da Cachoeira.
Realmente, a Língua Geral Amazônica foi a principal língua da colonização da Amazônia nos séculos XVII e XVIII, tendo se estendido para oeste até o limite com o Peru e para noroeste até as fronteiras com a Venezuela e a Colômbia. A constituição e a expansão dessa língua geral caracterizam um dos capítulos mais importantes e mais interessantes da história lingüística da Amazônia brasileira, uma história cujo estudo está apenas iniciado (Freire 1983, Rodrigues 1986, 1996, Cabral 2000, Felix 2002).
Referências
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Brochado, J. P. 1984. An ecological model of the spread of pottery and agriculture into Easternn South America. Tese de doutorado, University of Illinois at Urbana- Champaign.
Cabral, A. S. A. C. 2000. Algumas observações sobre a história social da língua geral amazônica. Em: Maria do Socorro Simões (org.), Memória e comunidade: entre o rio e a floresta, pp. 103-129. Belém
Felix, M. I. de S. 2002. A Língua Geral Amazônica: contribuição para o estudo de suas variedades dialetais e faladas ao longo do rio Amazonas e seus tributários, nos séculos XIX e XX. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará. Belém.
Freire, J. B. 1983. Da fala boa ao português na Amazônia brasileira. Ameríndia, revue dethnolinguistique 8:39-83. Paris.
Lathrap, D. 1970. The upper Amazon. Londres: Thames and Hudson.
Martius, C. F. Ph. von. 1867. Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerikas zumal Brasiliens. 2 vols. Leipzig: Friedrich Fleischer.
Noelli, F. S. 1996. As hipóteses sobre o centro de origem e rotas de expansão dos Tupi.
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Rodrigues, A. D. 1955. As línguas impuras da família Tupi-Guarani. Anais do XXXI Congresso Internacional de Americanistas (ogs. por H. Baldus), pp. 1055-1071.São Paulo.
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Steinen, K. v. d. 1894. Unter den Naturvölkern Zentral-Brasiliens. Berlim: Dietrich Reimer.
Fonte: www.amazoe.org.br
Línguas Indígenas no Brasil
Línguas que se desenvolveram no Brasil há milhares de anos, com total independência em relação às tradições culturais da civilização ocidental.
Atualmente existem cerca de 170 Línguas Indígenas no Brasil, faladas por aproximadamente 270 mil pessoas, concentradas sobretudo na região amazônica.
Até hoje são conhecidos dois troncos lingüísticos (tupi e macro-jê), 12 famílias que não pertencem a nenhum tronco (caribe, aruaque, arawá, guaicuru, nambiquara, txapakura, panu, catuquina, mura, tucano, makú, yanomámi), e dez línguas isoladas, que não estão agrupadas em nenhuma família.
A família mais numerosa do tronco tupi é a tupi-guarani, cujas línguas (19 no total) são faladas por 33 mil índios, localizados em sua maioria nas áreas de floresta tropical e subtropical. Nessa família, o guarani (15 mil falantes) e o tenetehara (6.776 falantes) destacam-se entre os demais idiomas.
No tronco macro-jê, a família mais numerosa é a jê, que compreende línguas (8 no total) faladas principalmente nos campos de cerrado.
As mais populosas são a caingangue (10.426 falantes) e a xavante (4.413 falantes). Os outros idiomas que predominam no país são o tucüna (18 mil falantes, língua isolada); o macuxi (15.287 falantes, família caribe); o terena (9.848 falantes, família arauaque); e o yanomám (6 mil falantes, família yanomámi).
Urna funerária tupinambá
Influência na língua portuguesa
O português sofreu grande influência das línguas nativas, especialmente do tupinambá, a língua de contato entre europeus e índios.
O tupinambá foi amplamente usado nas expedições bandeirantes no sul do país e na ocupação da Amazônia. Os jesuítas estudaram a língua, traduziram orações cristãs para a catequese e o tupinambá se estabeleceu como língua geral, ao lado do português, na vida cotidiana da colônia.
Desta língua indígena, o português incorpora principalmente palavras referentes à flora (como abacaxi, buriti, carnaúba, mandacaru, mandioca, capim, sapé, taquara, peroba, imbuia, jacarandá, ipê, cipó, pitanga, maracujá, jabuticaba e caju), à fauna (como capivara, quati, tatu, sagüi, caninana, jacaré, sucuri, piranha, araponga, urubu, curió, sabiá), nomes geográficos (como Aracaju, Guanabara, Tijuca, Niterói, Pindamonhangaba, Itapeva, Itaúna e Ipiranga) e nomes próprios (como Jurandir, Ubirajara e Maíra). Em 1757, o tupinambá foi proibido por uma Provisão Real.
Nessa época, o português se fortaleceu com a chegada no Brasil de um grande número de imigrantes vindos da metrópole. Com a expulsão dos jesuítas do país, em 1759, o português fixou-se definitivamente como o idioma do Brasil.
Cerimônia tupinambá
Extinção das línguas
Estima-se que antes da colonização européia do Brasil o número de línguas indígenas no país era mais do que o dobro do atual. Todas as línguas que ainda existem correm sério risco de extinção devido ao pequeno contingente de falantes. A grande maioria da população indígena foi exterminada pelos colonizadores ou morreu vítima de epidemias decorrentes do contato com o homem branco. Atualmente um outro fator decisivo na extinção das línguas nativas é a perda de territórios, que obriga os índios a migrarem para as cidades, abandonando as suas tradições e modos de vida. A falta de documentação e registros escritos que possibilitem o estudo das línguas nativas também contribui para o seu desaparecimento.
Entre as línguas já extintas encontram-se o manitsawá e o xipáya (ambas da família juruna), na primeira metade do século XX; as línguas da família camacã (tronco macro-jê), no século XX; e da família purí (tronco macro-jê), no século XIX. A língua kirirí (tronco macro-jê) extinguiu-se apesar de ter sido fartamente estudada e documentada no final do século XVII. Os últimos membros dessa tribo, situada no norte da Bahia, só falam português. As línguas mais ameaçadas atualmente são o maco (língua isolada), com apenas um falante; o baré (família aruák), também com um; o umutina (família bororo), com um falante; o apiacá (família tupi-guarani), com dois; o xetá (família tupi-guarani), com cinco falantes; o coaiá (língua isolada), com sete falantes; o júma (tupi-guarani), com nove falantes; o katawixí (família katukina), com 10 falantes; o parintintín (família tupi-guarani), com 13 falantes; o cararaô (tronco macro-jê), com 26 falantes; e o sabanê (família nambikyara), com 20 falantes.
Barcos indígenas em batalha
As reservas indígenas são, atualmente, os principais locais de preservação da cultura e das línguas nativas brasileiras. As mais conhecidas são a dos Yanomámi e o Parque Indígena do Xingu. A primeira, localizada nos estados de Roraima e do Amazonas, é uma das maiores em extensão territorial, com 9.664.975 ha.
Concentra 9.300 índios, que falam várias línguas da família yanomámi (ninám, sanumá, yanomám e yanomámi). No nordeste do Mato Grosso está o Parque Indígena do Xingu. As 17 tribos que vivem no local evitam a extinção de suas línguas, preservando entre elas o txucarramãe (família jê), o caiabi (família tupi-guarani), o kamayurá (família tupi-guarani), o txkão (família caribe) e o trumai (língua isolada).
Fonte: paginas.terra.com.br
Línguas Indígenas no Brasil
Quando falamos de línguas indígenas, a primeira coisa que se pensa é que todos os povos falam Tupi.
Isto não está correto. O Tupi é um tronco linguístico e não uma língua. Esta confusão acontece porque muitas palavras do vocabulário brasileiro têm origem nas línguas da família Tupi-Guarani.
Além disso, existe mais de 154 línguas e dialetos indígenas no Brasil!
Você imaginava que eram tantas assim?
As línguas indígenas são todas parecidas? Elas têm origens comuns?
Algumas são mais semelhantes entre si do que outras, mostrando que elas têm origens comuns, apesar de ter sofrido mudanças ao longo do tempo que chamamos de processos de diversificação.
Como entender as diferenças entre as línguas?
Os especialistas no conhecimento das línguas (os lingüistas) estudam as semelhanças e as diferenças entre elas e as classificam em troncos e famílias linguísticas.
O tronco linguístico é um conjunto de línguas que têm a mesma origem. Essa origem é uma outra língua mais antiga, já extinta, isto é, que não é mais falada. Como essa língua de origem existiu há milhares de anos, as semelhanças entre todas as línguas que vieram dela são muito difíceis de ser percebidas.
A família linguística é um conjunto composto por línguas que se diferenciaram há menos tempo. Veja o exemplo do Português.
Tronco Indo-Europeu
O Português pertence ao tronco Indo-Europeu e à família Latina.
Você acha que o Português deve se parecer mais com o Francês e o Espanhol, ou com o Russo, o Gaulês ou o Alemão?
Acertou se respondeu com o Francês e o Espanhol; é claro, são da mesma família! Mas
isso não significa que todo mundo que fala Português, entende ou fala, por exemplo, o Francês. E vice-versa. Mas as duas línguas têm muitas semelhanças. Devem ter sido mesmo muito parecidas quando começaram seu processo de diversificação. Se compararmos o Português e o Russo, quase não há semelhanças, as diferenças entre essas duas línguas são enormes!
Isso acontece porque, apesar de serem de um mesmo tronco, pertencem a famílias linguísticas diferentes: o Português é da família Latina e o Russo é da família Eslava.
Com as línguas indígenas é a mesma coisa!
Há línguas de uma mesma família que têm muitas semelhanças, e existem aquelas que pertencem a famílias linguísticas diferentes e, por isso, não são nada parecidas.
E há, ainda, línguas que pertencem a troncos distintos, aumentando ainda mais a diferença entre elas.
Como são classificadas as línguas indígenas no Brasil
No Brasil, existem dois grandes troncos, o Macro-Jê e o Tupi.
Dentro do tronco Tupi existem 10 famílias lingüísticas e no Macro-Jê, 9 famílias.
Há também 20 famílias que apresentam tão poucas semelhanças que não podem ser agrupadas em troncos lingüísticos.
Para saber o que é um tronco e uma família linguística, veja a pergunta anterior.
Tronco MACRO-JÊ
Veja como algumas palavras são escritas nas diferentes línguas da família Tupi-Guarani.
Abaixo alguns exemplos de como são escritas palavras como pedra, fogo, jacaré, pássaro e onça nas línguas da família Tupi-Guarani!
Veja as semelhanças e as diferenças entre as palavras!Família Tupi-Guarani (Tronco Tupi)
Palavras Língua
Guarani Mbyá Língua
Tapirapé Língua
Parintintin Língua
Wajãpi Língua Geral
Amazônica
pedra itá itã itá takúru itá
fogo tatá tãtã tatá táta tatá
jacaré djakaré txãkãré djakaré iakáre iakaré
pássaro gwyrá wyrã gwyrá wýra wirá
onça djagwareté txãwãrã dja´gwára iáwa iawareté
Por que a diversidade de línguas é importante para a humanidade?
Porque cada língua reúne um conjunto de conhecimentos de um povo, saberes únicos. Assim a perda de qualquer língua é, antes de tudo, uma perda para toda a humanidade.
Fonte: pibmirim.socioambiental.org